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 | Albari Rosa/Gazeta do Povo
| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Uma cena poderia definir a vida profissional de Maria Francisca Klosiesnki. Sentada atrás de uma mesa, diante de uma fila de pessoas que estão ali para ser recebidas por ela. Foi assim no primeiro trabalho com futebol, em 1969, quando era uma espécie de hostess da Rádio Colombo rapidamente absorvida pela equipe esportiva de Fuad Kalil e Dirceu Graeser. E é assim em todos os jogos de futebol em Curitiba, distribuindo credenciamento de Atlético e Paraná ou cuidando do acesso à área administrativa no Coritiba. "Eu era o cartão de visitas da rádio", diz.

A definição cabe perfeitamente para a função atual. Aos 61 anos, Chica é o cartão de visitas do Paraná para a imprensa do Brasil inteiro. Impossível não dar um beijo e um abraço na Chica antes de subir às cabines da Vila Capanema. Ou ver algum radialista de fora de Curitiba matando a saudade em um animado papo. "Até hoje eu sou a Chica da Acep. Se fala em Acep, fala no meu nome", conta, orgulhosa dos 27 anos como funcionária da Associação dos Cronistas Esportivos do Paraná.

Tempo em que treinou um olho clínico capaz de perceber a distância um intruso dentro do gramado. Atividade mantida mesmo depois de ser demitida da associação, em 2002. Após um breve intervalo entre 2004 e 2009 – quando ficou no departamento de registros da Federação –, ela voltou para os estádios, contratada por jogo pelos clubes. Nessas mais de quatro décadas, conviveu com alguns dos maiores personagens do futebol local, como o narrador Lombardi Júnior ou os controversos dirigentes Mario Celso Petraglia e Onaireves Moura. E colecionou histórias.

* * * * *

Qual o maior absurdo que alguém já tentou para entrar num campo?

Oferecer dinheiro. Perguntaram quanto eu queria para deixar entrar. Não aceitei. Se dá alguma coisa errada, além de perder o emprego, eu ficaria desmoralizada. Me tapear para entrar no campo não é fácil. De 90 que tem ali, eu conheço 80. Lá de longe já vejo que tem alguém estranho e chamo o quarto árbitro para limpar o campo.

Como era a convivência com o Lombardi Júnior?

Um baita cara, como patrão e como amigo. Foi quem deixou um esqueleto da sede atual da Acep. Infelizmente, teve uma morte que poderia ter sido evitada [teve uma perfuração no baço, em decorrência de uma queda de barco, em 1994].

E o Moura?

Ele tinha aquela imagem de turrão, não olhava no olho, quando te dava a mão você nem sentia. Mas no convívio, era uma boa pessoa. A Federação tinha muito problema. Tinha mês que recebia quatro vales e nada de salário.

E acontecia de tudo lá...

De tudo. Teve um assalto em que trancaram todo mundo na sala da comissão de arbitragem. Não roubaram nada nosso, só queriam a tesouraria. Muita segunda-feira tinha funcionário da tesouraria assaltado com renda de jogo.

E quando o Moura foi preso descobriram um fundo falso no cofre forrado de dinheiro.

Todo mundo ficou muito revoltado. Salário atrasado e aquele cofre forrado.

É verdade que tinha uma saída secreta na sala da presidência para ele escapar dos cobradores?

Às vezes dava pena do pessoal da tesouraria. O guichezinho ficava vermelho de tanto cobrador. Na sala da presidência tinha a mesa e do lado uma porta para uma escada caracol, que dava nos fundos da tesouraria e dali para o estacionamento. Ele já deixava o carro parado do lado da federação. Qualquer emergência, ele descia e ia embora escondido.

E o Pinheirão?

Em 2006, o Moura disse pra gente que a Copa de 2014 seria no Brasil e Curitiba, uma sede com jogos no Pinheirão. Todo mundo riu dele. Era o sonho do Moura. Imagina uma Copa para ele administrar [risos].

O Petraglia também é diferente no convívio?

Me dou muito bem com ele, posso dizer que sou amiga dele, sempre me cumprimenta no estádio. O Petraglia brinca que eu tenho 100 anos de Atlético. Ele é meio turrão, mas só até ver que você não está se aproximando porque quer tirar alguma coisa dele.

Como foi a saída da Acep?

Voltei das férias e fui demitida. Nem pude entrar na sede. Meu mundo desmoronou. Minha vida era ali. Fiquei dois anos desempregada, faltavam três para me aposentar. Me arrasou, mas não caí. Sacudi a poeira e levantei.

Na teoria secretária da Acep, Chica foi por quase três décadas uma funcionária multiuso da Associação. Era sua missão, por exemplo, organizar as festas anuais da crônica esportiva. Um evento que acontecia em dezembro, mas era preparado desde janeiro. Célio Pereira, técnico de externa, ia com frequência para o Paraguai. Chica dava um dinheiro para ele voltar com todo o tipo de produto: rádio de pilha, jogo de panela, copo… Tudo virava presente para o amigo secreto. Chica também resolvia o desequilíbrio entre o número de homens e mulheres no salão.

Como eram as festas?

Como tinha muito cronista homem, eu levava as minhas amigas. Era o balé da Chica. A gente virava a noite e a uma certa altura, cada um ia para um canto. No dia seguinte a gente se reunia nos bares para fazer um balanço. Era só fofoca.

Saiu algum casamento?

Não.

E algum acabou?

Quase.

Como foi?

Fizemos uma despedida de solteiro de um cronista na sede da Acep e um casal de amigos decidiu levar dois travestis para fazer um show. O noivo ficou desnorteado de tanto destilado e cerveja que deram para ele. Perdeu aliança, depois achou a aliança. Uma festa.

Como a noiva soube?

Diz que fizeram um vídeo que foi parar na mão da noiva. Mas ele conseguiu contornar e teve casamento.

E com jogador, muita festa?

Me arrependo de não ter feito um diário. Teria material para uma biografia que ia deixar muita gente com a pulga atrás da orelha. Toda segunda tinha churrasco do balé com a boleirada.

Qual seria a melhor página do diário?

O que ficou – e já se passaram 41 anos – foi o Pelé. Uma amiga tinha uma paquera com um jogador do Santos e me chamou para encontrar com ele no hotel Ouro Verde. O jogador desceu para encontrar minha amiga, o Pelé veio e me chamou. Perguntou onde a gente poderia ir. Eu falei: "Sair daqui com você não dá, todo mundo vai te reconhecer". Papo vai, papo vem e entramos num acordo [risos]. Como dizem hoje, fiquei com o Pelé. Só depois a ficha caiu. Era o Pelé! Eu não sabia dar laço na cordinha do sapato e ele me ensinou. Sei até hoje [risos].

Voltou a encontrar o Pelé?

Nos vimos mais duas, três vezes. Tenho curiosidade de ver ele de novo, se vai lembrar. Acredito que sim [risos].

Teve outros boleiros também?

80% dos meus namorinhos foram com jogador. Brinco que dá para escalar uma seleção brasileira. Tem o Carlos [titular na Copa de 86], o Brito [tricampeão mundial em 1970], o Marinho Chagas [titular na Copa de 1974], o Osni nanico [Bola de Prata da Placar em 1972 e 74].

Você vê no futebol de hoje o mesmo ambiente?

Não existia naquele tempo o termo maria-chuteira. Até porque a gente não ficava na porta do vestiário. A gente assistia ao jogo. Dentro de campo os próprios jogadores daqui aproveitavam alguma paradinha para combinar com os de fora uma festa e chamavam a gente.

O termo maria-chuteira te incomoda?

Não me sentia maria-chuteira. É uma palavra muito pesada. Hoje você vê coisa diferente. Na porta do vestiário são meninas de 14, 15, 16 anos interessadas não em se divertir, mas em pegar para casar. E as mães incentivando isso!

Chica brinca que ia para a gandaia todo dia até 1984. Ali, sua vida mudou. "Decidi assumir a responsabilidade de ter uma filha, uma produção independente. Procurei botar os pés no chão", conta. Nasceu Maria Izabel, um dos quatro amores da sua vida. O mais recente veio há um ano e sete meses, Isabella, a neta "polaca de olho azul, a cara do pai", que ela mostra orgulhosa na tela do telefone celular. Os outros dois estão diretamente relacionados ao trabalho. Uma carreira que ela espera coroar em junho deste ano, mas não encerrar.

O que significa o futebol para você?

Toda a minha vida é futebol e imprensa. Eu devia ser sindicalista. Vejo muito coisa errada, classe desunida.

Até quando o futebol vai ter a Chica?

Até quando Deus quiser. Falei para o Amilton Stival [vice-presidente da Federação Paranaense de Futebol e integrante da secretaria municipal de Copa] que nem que seja para limpar banheiro, mas eu quero trabalhar na Copa. É o que falta para mim, mas não para encerrar a carreira. Não me vejo fora do futebol. Dezembro foi uma tortura. Ficar em casa quarta, quinta, sábado, domingo. Começou o campeonato: Graças a Deus, vou ter o que fazer.

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