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Quando você cobre uma Copa, trabalha 18 horas por dia e começa a sonhar com um dia sem jogos. Quando finalmente esse dia aconteceu, dei uma caminhada por Copacabana. Tem muita coisa interessante ocorrendo em Copacabana, inclusive futebol. Caminhando por toda a extensão da praia, pode-se ver o que o brasileiro comum faz com a bola.

A maior parte do tempo, essa rapaziada faz malabarismos com a bola, chuta, cabeceia ou usa o ombro para jogá-la para o companheiro. E faz isso maravilhosamente bem. O único país onde vi tanta qualidade nas peladas foi Camarões, 20 anos atrás. É uma performance que gira em torno da exibição e não da exigência do gol. Até as peladas a que eu assisti na praia eram assim: quase todos os passes tinham de ter algo especial, como um chute de calcanhar. Não que aquele passe fosse necessário para a jogada, não era uma exigência tática. Era o conceito brasileiro de "jogo bonito". É o jeito que os brasileiros jogam nas praias, nas ruas ou quadras fechadas.

Enquanto isso, o jogo da seleção nesta Copa não tem sido nem bonito nem funcional. Independentemente de o Brasil vencer ou não esta Copa, no nível mais alto do futebol a tradição do jogo bonito se perdeu. O jogo bonito é mais do que um estilo de futebol. É parte da identidade brasileira. Um grande país que sempre teve um papel modesto no cenário mundial, o Brasil ganhou respeito graças à ginga com a qual venceu tantas Copas do Mundo.

Na seleção, o único representante do jogo bonito é Neymar. Ele não é apenas o jogador mais eficiente do Brasil, marcando quatro dos oito gols que a seleção fez até agora. Ele também se vê como o baluarte de uma tradição nacional. Quando, em maio, eu o entrevistei para a revista Red Bulletin, ele conectou seu estilo de jogo com a dança. "Eu acho que todo brasileiro gosta de dançar", me disse ele. "Começa a tocar uma música e até o sujeito que está sentado dá um jeito de dançar um pouquinho. Eu venho de uma família que ama samba e pagode. Acho que tenho um pouco de ginga no quadril."

A tarefa de Neymar não é apenas vencer a Copa. É salvar a tradição brasileira. Contra Camarões, depois de garantir a vitória com dois gols, ele se arriscou em jogadas bonitas e os pênaltis contra a Croácia e contra o Chile tiveram as "paradinhas" que lembram o estilo de Pelé. A identidade do Brasil no futebol depende hoje de um garoto que tem ginga.

Enquanto isso, o futebol que o resto da equipe mostra é feio. Só um gênio consegue produzir "jogo bonito" no ritmo acelerado do futebol de hoje. Fred e Luiz Gustavo nem tentam, mas tampouco dominam a noção europeia de futebol como geometria, uma busca por espaço através dos passes rápidos. A tradição brasileira se perdeu e não tem nada para substituí-la.

A seleção não está produzindo um sistema para apoiar Neymar. De forma quase idêntica, a Argentina tem usado mal Lionel Messi. O contraste é o sistema holandês, brilhantemente montado para deixar que os oponentes avancem e então permitir que o gênio do time, Robben, se lance no espaço vazio até o gol.

Os brasileiros sabem que sua seleção é medíocre. Entendem que terão de lutar com oponentes em igualdade de condições. Isso significa que o nível de intensidade emocional é mais alto agora do que foi em 1970 ou em 2002, quando o Brasil tinha uma equipe superior.

Vença a Copa ou não, a seleção enfrenta o mesmo dilema que o país. No futebol, o Brasil teve um excelente período de 56 anos. Na economia, teve um período de avanços de 20 anos. Nos dois casos, o ciclo acabou e o país precisa de um novo sistema. Mas nos dois casos não há nenhum indício de que sistema novo será este.

Tradução: Marleth Silva

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