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 | Fotos: Albari Rosa, enviado especiai
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Legado

Periferia recebe estádios das aberturas para atrair o desenvolvimento

A Arena Corinthians está a 20 quilômetros do Centro de São Paulo. São 20 minutos de metrô ou, com sorte, uma hora de carro. Localização que segue uma tendência recente nas Copas do Mundo. Do Mundial de 1998 para cá, o estádio do jogo de abertura tem sido sempre erguido na periferia, sob o pretexto de expandir o desenvolvimento da cidade.

A tendência foi iniciada de forma bem-sucedida em St. Denis, município ao norte de Paris onde está o Stade de France. A linha de metrô que vai até a porta do estádio virou uma importante integração com a capital francesa e as empresas que haviam abandonado St. Denis nos anos de 1970 e 1980 começaram a voltar.

O Mundial de 2002 começou em Mapo-gu, região Noroeste de Seul. Palco de inúmeros shows, o Estádio Sang-am ajudou o distrito a virar um polo de entretenimento da capital sul-coreana, com universidade, estúdios de cinema e nascedouro de várias bandas de K-Pop, variação local da grudenta música pop.

Munique ergueu o Allianz Arena para abrir o Mundial de 2006 na Zona Norte da cidade por indicação da população local, que apontou em plebiscito aquela como a região que mais precisava de investimentos em transporte. Foi também o transporte o principal legado para o Soweto do Soccer City, que estreou e fechou a Copa do Mundo de 2010. No caso sul-africano, porém, o metrô foi pouco para uma das regiões mais pobres e violentas de Johanesburgo. Exatamente como a Zona Leste em São Paulo.

  • Partida de um tradicional torneio de pelada da Zona Leste de São Paulo e ao fundo as boas-vindas da Fifa para a vizinhança do Itaquerão

A Copa começou em Itaquera. Foi sábado, no britânico horário das 11h32. Pouco importa se a tabela previa 10h30. Como também era irrelevante que o campo mais parecia uma cabeça calva, com terra de um lado a outro e uma grama rebelde sobre as "orelhas".

Ajax e Patriarca fizeram o jogo de abertura da 29ª Copa Arthur Alvim, tradicional torneio de pelada da Zona Leste de São Paulo. A bola rola no campo da Associação Atlética Arthur Alvim sempre aos sábados e domingos. Este ano, por pouco não houve rodada em uma quinta-feira. "Eu queria fazer jogo no dia da abertura da Copa, mas não deixaram", diz Jorge Luiz Kuka, 56 anos, dono de uma empresa de turismo ao lado do campo onde Dodô e Zé Roberto deram os primeiros chutes. É ele quem organiza, monta tabela e faz o regulamento do torneio. "A Fifa aqui sou eu", diz.

O motivo do desprezo irônico à Copa está a poucos metros e pode ser visto de qualquer ponto do campo. Erguido ao custo de R$ 1 bilhão no lugar da antiga pedreira que era o parque de diversões da Zona Leste até a década passada, a Arena Corinthians traz uma enorme e colorida saudação de boas-vindas aos visitantes, mas ainda não abraçou seus vizinhos. Os 3,6 milhões de habitantes da região mais populosa de São Paulo continuam esperando que saia do papel a prometida revitalização a partir do Mundial.

Foram entregues apenas cinco obras do projeto, ao custo de R$ 549 milhões. Outras 20, orçadas em R$ 130 milhões, ficaram para o fim do ano. A falta dessas melhorias pôde ser sentida entre quinta e sexta-feira, quando a greve dos metroviários fez o trajeto da Zona Leste ao centro demorar até quatro horas.

O deslocamento diário em massa é reflexo do perfil de bairro dormitório da Zona Leste. A região que concentra um quarto da população paulista é responsável por apenas 7% dos postos de trabalho da cidade. O incentivo fiscal fornecido pela prefeitura para elevar este índice só emplacou duas obras: a fábrica da Sony e o estádio do Corinthians.

"Vai trazer benefício para o entorno e desenvolvimento para região? Vai. Mas já era para trazer mais antes da Copa", diz Moacir Vianna, 66 anos, empresário e morador da ZL desde que nasceu. "Gente morrendo do corredor do hospital, faltando habitação e gastando um bilhão em estádio?", questiona o operador de máquinas aposentado Edson Dias, de 54 anos.

A lista de carências torna-se mais real com um passeio por Itaquera. O Hospital Santa Marcelina, a poucos metros do estádio, é referência, mas vive lotado por causa da falta de postos de saúde próximos. Uma das obras viárias está parada porque passa pelo meio de um terreno invadido.

Casas sem telhado e reboco nas paredes se empilham pelas estreitas ladeiras em curva de Cidade Carvalho, vila que faz parte de Itaquera. Das ruas ou de cima da laje é possível ver o estádio que poucos conhecerão na Copa. Mais fácil pegar metrô com Neymar do que encontrar alguém de Itaquera que tenha conseguido ingresso para um jogo. Assistir a uma partida, só quando forem desmontadas as arquibancadas temporárias e for possível ver o campo de longe. Durante o Mundial, o jeito será ligar a tevê, pintar a rua e sonhar com o legado que, até aqui, só ficou na promessa.

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