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O vascaíno Leone, um dos três presos após a briga na Arena, no Presídio Industrial Jucemar Cesconetto, em Joinville | Albari Rosa/Gazeta do Povo
O vascaíno Leone, um dos três presos após a briga na Arena, no Presídio Industrial Jucemar Cesconetto, em Joinville| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Justiça

Vascaínos estão isolados em penitenciária

Uma cela de 2,7 m x 6,8 m abriga os únicos três torcedores presos até agora depois da briga na Arena Joinville. Leone Mendes da Silva, de 23 anos, Arthur Ferreira, 26, e Jonathan Santos, 29, estão em uma área isolada da Penitenciária Industrial de Joinville.

Os vascaínos foram detidos em flagrante no dia do jogo. Leone foi o que mais chamou a atenção das autoridades por portar uma espécie de bastão que foi utilizado para agredir outros torcedores. Ele estava escondido no banheiro de um ônibus quando foi preso.

O trio, inicialmente, foi levado ao Presídio Regional da cidade, mas acabou transferido do local por questão de segurança. "Era mais difícil separá-los. Houve o receio que a presença deles poderia revoltar os outros detentos", conta Richard Santos, diretor da penitenciária.

No novo local, os torcedores estão em uma área isolada dos outros 522 presos que já foram condenados. "O comportamento deles tem sido tranquilo. Eles se manifestam mais para perguntar sobre a família", conta Santos.

Eles têm direito a ficar quatro horas no pátio da penitenciária. No restante do tempo, dividem a mesma cela, onde recebem quatro refeições diárias. Por enquanto, os vascaínos receberam a visita de dois advogados. Os familiares não entregaram toda a documentação exigida pela instituição e, por isso, ainda não têm permissão para vê-los.

Os três foram indiciados por tentativa de homicídio, associação ao crime – por danos ao patrimônio – e por incitação de violência dentro do estádio.

  • Divisão das torcidas na Arena Joinville: núcleo da barbárie

Uma semana depois de ser palco da briga generalizada entre torcedores de Atlético e Vasco, a Arena Joinville volta a receber um jogo. A partida de hoje, às 17 horas, entre os donos da casa e o Canoinhas, pela Copa Santa Catarina, não vale nada dentro das quatros linhas. O JEC já garantiu a conquista do torneio com antecedência e apenas cumpre tabela na rodada final. No entanto, o duelo ganhou um valor simbólico. Representa o primeiro passo na tentativa de se reconstruir a imagem da praça esportiva e da cidade.

As cenas dos confrontos do domingo passado nas arquibancadas, que deixaram quatro pessoas feridas, ganharam imensa repercussão nacional e também foram exibidas em veículos de comunicação de fora do país. Nos últimos sete dias, falar de Joinville significou tratar de confusão, selvageria, barbárie...

"Estava no estádio e fiquei assutado. Realmente arrepia pelo vandalismo, pela bandidagem", conta o ex-jogador e atual superintendente de futebol do Joinville, Osni Fontan.

"O Atlético aceitou vender mais ingressos para os adversários. Foi algo de vândalos. Quem deve ser penalizado são os infratores", defende o dirigente.

Oficialmente, a capacidade no setor de visitantes do estádio é de 1.700 pessoas. De acordo com o borderô do jogo divulgado pela CBF, 2.683 vascaínos estiveram na partida da última rodada do Brasileirão.

"Em outras ocasiões, já tínhamos trabalhado em ocorrências fora do estádio. Mas dentro os jogos costumam ser tranquilos", relata o capitão Paulo Grams, da Polícia Militar. Ele estava entre os 113 profissionais inicialmente escalados para o policiamento externo do estádio. Com a confusão, acabou atuando na parte interna da Arena e foi uma das testemunhas do episódio. "Nunca tinha visto pessoalmente algo do tamanho do que aconteceu naquele dia", diz.

Justamente para amenizar esse forte impacto que a briga causou, torcedores se mobilizaram durante a semana e passaram a compartilhar nas redes sociais fotos pessoais que representam bons momentos vividos por cada um na praça esportiva catarinense. Cada postagem foi acompanhada da mensagem: "Isso é Arena. Isso é Joinville". O objetivo é mostrar que os torcedores usuais que frequentam o local não têm nada a ver com os brigões atleticanos e vascaínos.

A prefeitura e o clube aderiram oficialmente à campanha. O preço dos ingressos para o jogo de hoje foi reduzido – o setor mais barato, a arquibancada descoberta, custará apenas R$ 5. Menores de 12 anos vão entrar de graça. Além disso, a tradicional camisa tricolor do Joinville será deixada de lado pela torcida. A recomendação é que todos usem branco, uma representação da paz desejada nos estádios.

"Vamos mostrar o que realmente é a Arena. Não só como um estádio de futebol, mas como um espaço social para quem mora em Joinville", destaca Fernando Krelling, presidente da Fundação de Esportes, Lazer e eventos da cidade, responsável pela administração do estádio.

Apesar dos transtornos causados pelos visitantes brigões, Krelling considera precipitado vetar o aluguel do estádio para clubes de fora de Santa Catarina. "A cidade não pode se fechar dessa maneira, estaríamos sendo pequenos. Temos que mostrar que Joinville é maior que tudo isso", opina.

Análise

Jelson Oliveira, professor do curso de Filosofia da PUCPR.

"O estádio virou uma síntese do que pode acontecer na sociedade"

A pedido da Gazeta do Povo, o professor Jelson Oliveira, do curso de Filosofia da PUCPR, fez uma análise do atual momento do futebol brasileiro, refém de baderneiros e ressaltou que Curitiba vive, pela falta de opções, um cenário propício para a violência nos estádios.

O anonimato

"A violência nos estádios deriva um pouco do fenômeno da multidão, onde há anulação do indivíduo, que perde a capacidade reflexiva e cria a ideia de que nunca será punido. O indivíduo se esconde sob o anonimato da multidão e comete atos que normalmente não cometeria. E ele acha que ninguém está vendo, porque não se acostumou ainda a viver com o mundo do BBB. Só que essa vigilância constante coloca em cheque esse anonimato e assistimos a todas essas cenas de barbárie que estamos vendo."

O instinto

"O papel histórico da ética foi controlar nossos instintos, como o ódio ou a agressão que pertencem a todos os animais e que surgem em momentos em que a gente perde o controle. O estado, a família e as instituições sociais exerceriam esse papel de controle. Hoje, contudo, há uma crise da moralidade e da ética. Aí entra no cenário uma nova instituição: a torcida. A falta de participação em outras instituições sociais reduz a capacidade das pessoas de dirigir as ações e leva aos descontrole dos instintos. Assim, o estádio virou uma síntese do que pode acontecer na sociedade que vive uma crise nas suas instituições e que não sabe como controlar seus impulsos."

A burocratização

"O pensamento dos gregos, criadores da Olimpíada, era de que os jogos representavam um festejo dos impulsos. Afinal, na vida social, você não pode dar um chute no outro, um soco na cara. E no esporte pode. Serviria como uma catarse, um alívio das tensões. O que aconteceu é que o futebol e outros esportes vivem uma burocratização desses festejos. Virou um lugar de muito dinheiro, altos custos para aquela festa ocorra, com muito lucro, esvaziando a essência do esporte."

A crise local

"As duas cenas mais graves de violência no futebol brasileiro foram protagonizadas por times curitibanos. Isso é revelador. O que está acontecendo com a nossa cidade? Não estamos sabendo lidar com nossos impulsos? A sociedade tem necessidade do esgotamento de tensões. Há carnavais em outras cidades. Em Curitiba a gente não sabe fazer festa. Não temos um espaço de manifestação popular legítimo. Os parques não comportam mais a população, nossas praças são feias, as ciclovias estão abandonadas e as pessoas têm medo de sair à rua. O ser humano tem uma necessidade inerente de pertencimento. A que a gente pertence? Não participamos do estado, as igrejas estão em crise, os movimentos sociais estão em crise, os políticos estão desacreditados. Sobrou o futebol."

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