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 | Aniele Nascimento / Agência de Notícias Gazeta do Povo
| Foto: Aniele Nascimento / Agência de Notícias Gazeta do Povo

Sete meses depois do episódio do rebaixamento no Couto Pereira, em 6 de dezembro de 2009, a diretoria do Coritiba recebeu a Gazeta do Povo na sala da presidência para uma entrevista exclusiva.

Vilson Ribeiro de Andrade, vice-presidente alviverde, que assumiu a frente das ações posteriores à queda, falou sobre os primeiros meses depois do desastre, acompanhado pelo gerente financeiro Walter Souza, o gerente administrativo Doth Leite, o gerente de marketing Roberto Pinto e o coordenador de futebol, Felipe Ximenes.

Já se foi metade da pena imposta pelo STJD quanto aos jogos em Joinville. Qual foi o impacto no bolso do Coritiba?

É ver o histórico. O que aconteceu naquele dia, com o estádio interditado, R$ 600 mil de multa e 30 jogos, quando resolvemos assumir o clube, a situação era de difícil sobrevivência. Se fosse uma empresa, fecharia. Só sobreviveu porque é futebol e tem paixão. Nós tínhamos R$ 10 milhões de dívida vencida e uma projeção de déficit de R$ 30 milhões. Começamos a trabalhando credores, que nos ajudaram, prorrogando os prazos e parcelando as dividas. Isso nos ajudou muito naquele momento. Saíram 19 jogadores, o que reduziu o déficit para R$ 20 mil. Trouxemos meninos da base, com custo mais baixo que o Marcelinho Paraíba, Carlinhos e outros aí. Em dezembro, tínhamos 12 mil associados. Caímos para 2,5 mil em janeiro. Foi um desastre. Hoje, a situação é difícil, mas administrável. A Copa do Mundo foi um fator negativo para nós. Na medida em que o time no campo ganha, isso trás uma nova visão do torcedor, que começa a colaborar. O prejuízo maior é ter o estádio parado. Segue a manutenção, você não pode demitir os funcionários pois vai precisar deles depois e o custo da demissão é alto, então tem que manter a equipe com o estádio fechado. Não consegue fechar contratos de publicidade. E só voltaremos em setembro, ou seja, teremos três meses somente aqui e acabou.

O Coritiba tem hoje quantos sócios? Quantos seriam necessários para uma manutenção ideal do clube?

Devemos fechar esse mês em 8 mil. A gente varia entre 7 e 8 mil, é a média. Mas para o clube sobreviver, precisa de 20 mil sócios pagantes. Temos uma pesquisa em Curitiba, estimamos ter 600 mil torcedores. É impossível que não consigamos 20 mil sócios. O torcedor tem que entender que é fundamental ser sócio. Se ele não contribui financeiramente, fica difícil sobreviver. O orçamento do Grêmio é R$ 200 milhões/ano. O nosso chega com dificuldades a R$ 47 milhões. O São Paulo tem cerca de R$ 350 milhões; o Atlético, não sei direito, mais de R$ 50 milhões no ano passado. Então, para competir com eles, tem que arrecadação, fidelidade.

Roberto Pinto: O número real varia muito. Se vai ter jogo na semana, o cara paga dois, três meses antecipados, e o numero sobe. De repente, o time não vai tão bem, ele se afasta e se torna inadimplente, e o numero cai.

Vilson Ribeiro: Depois do título, passamos de 10 mil. Começou a Copa, baixamos para cerca de 7 mil.

Qual a dívida atual do Coxa?

Em média, o prejuízo do Coritiba, contando lucro cessante, dá cerca de R$ 2,5 milhões/mês. Nós estamos com o salário em dia, porque damos prioridade aos compromissos para o clube viver. Os demais, vai negociando. É assim ou não sobrevive. Se não acontecesse tudo que aconteceu, o clube estaria equilibrado. R$ 10 milhões de dívida para o Coritiba não é muito. O problema é liquidez, fluxo de caixa. Outro grande problema são ações trabalhistas, queremos sanar isso em até 3 anos.

O que foi pior, a queda ou a punição?

A queda tem consequências, mas tem um aspecto positivo, que é o torcedor se unir. Na dificuldade, com o clube respondendo em campo, a torcida vem e enche o estádio. Mas o prejuízo maior foi a punição. Os fatos, a imagem do clube... é um trabalho de longo prazo. A punição foi pior. A queda foi difícil, mas seria absorvida, faz parte do esporte.

E hoje, como está a imagem do clube?

Hoje há uma visão diferente das coisas. As ações do clube, a relação com a torcida organizada, separando o que estava muito confuso. A polícia, que com o passar do tempo foi assumindo sua parcela de culpa. Nós estamos reconstruindo a imagem. As pessoas reclamaram quando nós aumentamos o preço do ingresso, mas isso teve dois objetivos básicos: o primeiro, aumentar o numero de associados. E depois, quando reduziram o preço, perdemos o controle de quem entrou no estádio.

Foi politicagem?

Eu diria que foi uma decisão infeliz. Emocional. Equivocada.

Entendo. E tem agora uma expectativa. Devemos ter um parecer, que está sendo muito aguardado, que mostre que o poder público teve culpabilidade. Caso isso se confirme, vamos buscar indenização.

E a ação contra a torcida organizada?

Deixamos de lado. Entendemos que é difícil personalizar a culpa, generalizar a torcida. Então achamos temerário. Mas existem as pessoas que estão sendo julgadas. E o próprio estado também está. Sendo assim, isso nos dá a possibilidade de buscar esses direitos.

Qual sua relação com o técnico Ney Franco? A medida de manter um técnico rebaixado é quase inédita e acabou dando frutos até então...

Ele tem um caráter sensacional. Eu nunca vi alguém tão serio como o Ney. Ele é uma referência. Essa semana mesmo, veio alguém do Corinthians aqui, tentando levar ele, com esse vai não vai do Mano Menezes da Seleção, e ele recusou de novo. E a campanha que ele fez. Se você analisar, ele terminou em sétimo. O Coritiba não caiu por causa do Ney; quase não caiu por causa dele. A manutenção foi importante também porque ele conhecia o plantel. Ele sabia quem ele não queria mais. Ganhamos etapas com a manutenção. E quero dizer que a manutenção do Felipe (Ximenes) foi fundamental, deixando o futebol debaixo do braço dele.

Qual foi o peso do Centenário do clube nisso tudo?

Eu estava fora, é delicado dizer. Mas se focou muito no centenário e esqueceu-se das necessidades do clube. É bem verdade que ainda estamos no centenário, pois só faremos 101 em outubro. Mas você não vê ninguém falando isso, porque o mais importante agora é sanar o clube. Nós estamos estruturando o clube em um nível profissional. Não dá mais para subir num ano, penar para não cair ou cair no ano seguinte... o clube tem que se preparar. Trouxemos profissionais especializados, inclusive pensando na Copa de 2014, que é uma grande oportunidade.

E como o Coritiba pretende aproveitar?

Você tem "n" possibilidades. Nem entro no mérito de ser na Arena, não é o que nos preocupa. O que importa é deixar o CT pronto para abrigar seleções, buscar parcerias internacionais, tentar aproveitar os projetos ligados a copa. Nós aprovamos um projeto de R$3,8 mi para as categorias de base e estamos trabalhando em outro no valor R$ 4 milhões, via renuncia fiscal. E diga-se de passagem, não é simples. O Coritiba é o primeiro do Paraná a conseguir. Não quero falar do coirmão, mas eles mesmo ainda não conseguiram. Vamos investir no CT. São Paulo, Atlético-MG, Cruzeiro, todos fizeram isso. É um belo trabalho do Felipe. E isso nos prepara para o futuro. Podemos ter uma produção de jogadores, quem sabe fazer U$ 2 milhões por ano, vendendo 10 meninos. Hoje, temos 150 na base. Destes só 4,6% chega ao profissional. O resto se perde, não vende um. Você tem que usar esses meninos que não vão ser grandes craques, mas tem potencial, vão jogar em centros menores e ajudam os clubes.

O caso Ariel expôs uma dificuldade dos clubes brasileiros em administrar contratos de jogadores...

Todos os clubes. O Ariel um pouco diferente, ele é estrangeiro. Tem um conflito entre a Lei Pelé e o visto do Ministério do Trabalho. O visto é para dois anos e a Lei fala em cinco anos. Teria que se adequar isso para jogar de futebol, com visto especial.

Walter Souza : Na Europa, em vários países, isso existe.

Vilson Ribeiro: Acontece também com meninos com menos de 18 anos. Você faz por 5 anos, mas valem só 2 e se ele não quiser renovar, vai embora. Temos um histórico com Marlos, Keirrison, Mancha... perder jogador você vai perder. E não há código de ética entre os clubes. Em alguns países isso existe. Se um jogador ganha o passe assim, os clube não contratam. Ali ele não joga.

Felipe Ximenes: Tem um jogador do mesmo empresário do Ariel [Nazareno Marcollese] que está com esse problema. A AFA (federação da Argentina) proibiu que clubes argentinos contratem esse jogador. É um acordo interno.

Vilson Ribeiro: Deveria se fazer isso aqui também. Aliviaria a pressão dos empresáiros.

Pessoalmente, o senhor se decepcionou com o que no caso?

Os empresários de uma forma geral não dão assistência positiva, pedagógica aos jogadores. Veja o caso de jogadores que estão até se envolvendo nas páginas policias: nunca foram preparados para ganhar o que ganham. O Ariel ganhava U$ 1,5 mil na Argentina. Veio ganhando U$ 10 mil. Negociamos, melhoramos os valores antecipadamente. Só que com a brecha jurídica, ele viu a oportunidade ganhar milhões. Me ligaram de Portugal, o empresário dele pediu 2 milhões de euros e U$ 100 mil/mês para o Benfica. Peraí, ele é o Messi? Negaram, claro. Ele tá indo para o clube do Chile (Unión Española), refugio do empresário dele.

No começo da Série B, o senhor viu cerca de oito rivais para o Coxa na briga pelo acesso. O número aumentou no momento. Como o senhor está vendo a disputa, agora com ela em andamento?

Na época era um chute. Mas eu acho que a janela vai contribuir. E os clubes da primeira divisão, na medida que tiverem dificuldades, vão buscar na segunda. Um Palmeiras da vida vai olhar...

O Coritiba está sujeito a isso?

Não, o Coritiba é um time grande. Falo dos Santo Andrés da vida, times de empresários, que não tem compromisso com torcida, história, títulos. Mas voltando, eu acho que o clube se decidirá entre seis a oito clubes.

A revista Placar publicou que há uma intenção da diretoria em colocar duas estrelas de prata acima do escudo, caso o clube venha a ser bicampeão da Série B. Isso é verdade?

Eu não fui entrevistado pela Placar não. Só que eu penso que campeão é campeão. Os dois grandes campeonatos do Brasil são as séries A e B. Você tem que valorizar uma competição que, em 38 partidas, jogamos 10 fora de casa. Como não valorizar uma conquista que tem todas essas dificuldades? Se for campeão tem que pôr. Não tenho vergonha nenhuma de ser campeão da Segunda Divisão. Vencer uma batalha tem que ser comemorado. O torcedor tem que entender que o Coritiba está na segunda divisão. Ninguém queria, mas está.

Você não é o presidente de fato - ainda é Jair Cirino. Um dia será você?

Nós entramos aqui para não deixar o Coritiba morrer. Se o Coritiba não cai e não tem interdição, você não estaria falando comigo hoje. Eu não tenho vaidade política. Farei 62 anos em setembro, último dia em que jogaremos em Joinville. Tive uma carreira de sucesso, tenho uma família maravilhosa. O que me trouxe ao Coritiba foi amor e paixão, ver esse clube humilhado, destruído. Nós queremos mostrar que é possível conseguir. Em seis meses, ganhamos o Paranaense e estamos bem na Série B, contra todas as previsões. O Coritiba tem ótimos profissionais para assumir o clube. Agora, enquanto eu estiver vivo, aventureiro aqui, não entra mais. Hoje é profissionalismo. Quando eu saí de Peabiru e vim estudar em Curitiba... (emocionado) era um menino pobre... consegui tudo que eu queria na minha vida. Eu seria hipócrita em dizer que não sonho em ser presidente do Coritiba. Mas o meu objetivo é preparar o clube para que quem sentar na cadeira possa exercer o cargo com tranquilidade. Esses sete meses foram muito difíceis para nós todos.

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