O artista argentino Alfi Vivern deixou Buenos Aires há 50 anos e fez de Curitiba sua casa.
O artista argentino Alfi Vivern deixou Buenos Aires há 50 anos e fez de Curitiba sua casa.| Foto: Arquivo pessoal

O argentino Alfi Vivern, 74 anos, trocou o “dulce de leche” portenho pelo “leite quente” há quase 50 anos. Das calçadas da Praça Zacarias - onde vendia seu artesanato - à direção do Museu de Arte Contemporânea (MAC), Vivern é um dos principais nomes da escultura no mundo. Ou, como dizem os modernos, “tridimensionais”.

Suas obras estão presentes em numerosos acervos e coleções internacionais. Alguns exemplos são o IBM, Fujitsu, Seoul Museum of Art (SEMA); Seoul, Korea, Museum Kunst Station Klein Sassen, Fulda, Alemanha; Parco delle Sculture, Itália, Taiwan, China, Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), Museu de Arte Contemporânea do Paraná, Museu Oscar Niemeyer (MON), Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS), Museum Open Air “Les Géants du Nideck”. Oberhaslach, França, entre outros.

Magro, alto, de olhos melancólicos e gestos que lembram David Niven, ator britânico falecido em 1983, símbolo de elegância e classe, Vivern é naturalmente elegante. De fala baixa e mansa, está sempre disposto a rir ou improvisar - como quando pegou um cordão de pinceis de parede no Museu Alfredo Andersen e vestiu como um colar. Prestes a completar 74 anos, o artista ainda é um menino.

Escadaria, obra da coleção particular de Alfi Vivern | Foto: Arquivo pessoal
Escadaria, obra da coleção particular de Alfi Vivern | Foto: Arquivo pessoal

Talvez seja o olhar de criança a explicação que faz com que ele enxergue o que ninguém mais vê: de um bloco de basalto, um ovo, um pássaro ou uma escadaria retorcida. O que Vivern desvenda é o mistério que reside no interior de cada pedra. Porque as pedras contêm segredos que não se revelam às pessoas comuns. Ele é o heroi que paga resgate à pedra e liberta a forma aprisionada em seu interior.

DA CALLE FLORIDA PARA A PRAÇA ZACARIAS

Como artista, seu pensamento é poético, etéreo. E antes de falar de sua relação com a cidade, lembra de um trabalho realizado para a Itaipu Binacional, onde existia uma frase do escritor José Saramago: “Trabalhar com as mãos engrandece o mundo”.

Vivern trabalhava como office-boy numa agência de publicidade em Buenos Aires quando saiu para executar um de suas tarefas na Calle Florida, a rua comercial mais conhecida da capital argentina – e onde estava a porta do local que iria determinar sua trajetória de vida: o Instituto Di Tella – o centro da vanguarda artística argentina.

Alfi adentrou o Di Tella e ficou encantado com as cores, formas, relações e instrumentos daquele local. “O Di Tella abriu minha mente”. De lá, só saiu como artista quando o espaço fechou em 1970. O fechamento do Di Tella impulsionou a migração de vários artistas locais. Com o Movimento Tropicalista em alta no Brasil, Vivern foi atraído para Salvador, onde abriu seu primeiro ateliê. Acompanhado de alguns amigos, foi parar no Festival de Inverno de Ouro Preto, em Minas Gerais, onde ouviu falar de Curitiba.

Em 1975, aos 27 anos, o artista chegou a Curitiba em 1975. Com um grupo de artistas populares, instalou seu “escritório a céu aberto” na Praça Zacarias. Lá, vendia seus trabalhos em resina. O material era uma novidade e seu manuseio era dominado por pouquíssimas pessoas. Entre eles, Vivern cita Stella Sandrini – ou Teca – amiga que conheceu em Buenos Aires e que, tanto quanto ele, tem grande importância no campo das artes e na gestão cultural da cidade.

Curiosamente, na diagonal da Praça Zacarias estava o Museu de Arte Contemporânea, onde viria a atuar como gestor décadas mais tarde. Certo dia, ao atravessar a rua em direção ao MAC, onde estava instalada a exposição de Francisco Stockinger (Traun, 7 de agosto de 1919 — Porto Alegre, 12 de abril de 2009), ou “Xico Stockinger”, um artista plástico austríaco, naturalizado brasileiro. Junto à mostra, um cartaz anunciava um curso de quinze dias com o Stockinger.

Vivern decidiu apostar suas fichas no curso: “Xico era um professor incrível e exigente, com uma voz característica, esganiçada. Em um dos exercícios, enquanto passeava entre os alunos, lastimava para quem quisesse ouvir ‘que não estava gostando das obras pois a maioria projetos eram imitações de seus próprios trabalhos. Sendo assim, nenhum deles estava aprendendo nada’”, relembra.

Eram touros, guerreiros, figuras que representavam cópias da arte de Stockinger. Entretanto, ao ver o trabalho de Vivern, Xico parou e o parabenizou pela originalidade: “Alfi, parabéns, você foi o único que fez algo diferente”, relata o artista, referindo-se a um pássaro com um ovo, “algo realmente diferente”, como ele mesmo diz.

Talvez isso tenha o encorajado. Na sequência, o artista conseguiu abrir um espaço e montar seu primeiro ateliê em Curitiba e, em 1980, passou a atuar como professor no Centro de Criatividade de Curitiba, ao lado de Elvo Benito Damo. “E olha como a vida é curiosa: em 2007 eu recebo um telefonema. Era o Jair Mendes me convidando a dirigir o MAC, o mesmo museu que ficava na frente da Praça Zacarias onde eu vendia meus artesanatos”.

<a href="https://www.construtoralaguna.com.br/" target="_blank" rel="noreferrer noopener" aria-label="As diversas tribos que presenteiam Curitiba em seus 329 anos. (abre numa nova aba)">As diversas tribos que presenteiam Curitiba em seus 329 anos.</a>
As diversas tribos que presenteiam Curitiba em seus 329 anos.

Na prática, porém, ele entrou em pânico. Nunca tinha trabalhado com gestão. O tempo mostrou que Jair Mendes estava certo e a gestão de Alfonso Luis Bianchi Vivern foi importantíssima para a história de Curitiba e para o ensino das Artes Visuais, com inúmeros projetos envolvendo as universidades, exposições, o restauro do acervo das obras em papel do museu, entre outras iniciativas.

CAMPO MAGRO, CAMPO QUEIMADO

Apesar de sua conexão profissional e afetiva com Curitiba, atualmente Vivern reside em Campo Magro, na Região Metropolitana de Curitiba, onde tem espaço para realizar seus trabalhos. Recentemente, o ateliê do artista e de sua esposa, Maria Di Bellas, também escultora, foi atingido por um incêndio.

Graças à solidariedade de amigos, foi possível reconstruir uma parte do galpão, mas a recuperação de materiais, objetos e instrumentos de trabalho não foi completa. Mas assim é a vida e Vivern persiste. “No final, o importante é amar a pedra, é você se sentir parte dela e é por meio da arte que eu descubro uma nova trilha e vejo que o meu país, mesmo, é o Brasil. E minha cidade é Curitiba”, completa.