Para o colunista Guilherme Fiuza, só se consegue promover de fato a expansão da sociedade minimizando a taxação.
Para o colunista Guilherme Fiuza, só se consegue promover de fato a expansão da sociedade minimizando a taxação.| Foto: Divulgação

No Brasil, o mercado informal segue acumulando números expressivos. Apenas em 2018, a Receita Federal apreendeu R$ 3,1 bilhões em mercadorias. Essa é apenas uma pequena parcela do que é vendido irregularmente no país. De acordo com estudo feito pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) em parceria com o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Ibre), a informalidade movimentou no último ano R$ 1,173 trilhão.

Um eixo expressivo da informalidade é o mercado ilegal, que tem no contrabando e descaminho de produtos uma importante participação. Segundo o Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP), o país perdeu R$ 193 bilhões em 2018 para o mercado ilegal, somando prejuízos à indústria e impostos que deixaram de ser arrecadados.

Em entrevista especial ao projeto #dentrodalei, produzido pela Gazeta do Povo em parceria com o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), o colunista Guilherme Fiuza comentou estes indicadores e apontou possíveis soluções para o comércio irregular que movimenta estradas, portos e grandes cidades em todo o país.

Com mais de 30 anos de carreira, Fiuza já passou por alguns dos maiores veículos de comunicação do Brasil, como O Globo, Época e Jornal do Brasil. Hoje, é colunista da Gazeta do Povo.

Na literatura, Fiuza ganhou destaque com "Meu nome não é Johnny", cuja adaptação para o cinema rendeu a ele o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro de 2009 na categoria Melhor Roteiro Adaptado. Sua bibliografia ainda inclui "3000 dias no bunker", "Amazônia, 20º andar", "Bussunda: a Vida do Casseta", "Giane – Vida, arte e luta", "Não é a Mamãe: Para Entender a Era Dilma", "O Império do Oprimido" e "Manual do Covarde". Acompanhe a entrevista exclusiva:

Em 2018, só a Receita Federal apreendeu R$ 3,1 bilhões em produtos contrabandeados. Mesmo assim, estima-se que os mecanismos de repressão conseguem pegar uma parcela muito pequena do que entra no Brasil. Precisamos achar outras maneiras de combater o contrabando?

Um trabalho de investigação e repressão ao mercado ilegal depende da força das instituições de combate. O que a gente viu no Brasil nos últimos anos, por conta especialmente da Operação Lava-Jato, foi um fortalecimento de algumas dessas instituições, especialmente da Polícia Federal.

A impressão é que [deve existir] um combate em duas vertentes. Uma é a continuação do fortalecimento dessas instituições, que passa pela questão macro de resolver o problema fiscal do país. O Brasil oscila muito no aspecto do crescimento e estamos numa encruzilhada para atacar ou não esse problema de maneira consistente e aprofundada – com as reformas da previdência, administrativa e outras questões que vão ter impacto no caixa do país. Assim, tem como aparelhar mais as instituições que o Estado precisa operar, como a polícia e o Ministério Público, para ampliar as equipes de investigação.

A outra vertente seria a da cultura da busca pela informalidade. Em um país que tem um imenso convite à sonegação e ao drible das instituições de Estado por conta do absurdo que é a questão tributária, a burocracia e as questões envolvendo a legalidade, há uma espécie de convite à informalidade. É preciso atacar essa cultura da informalidade e do contrabando e reformular a tributação e o ambiente de negócios.

Não adianta imaginar que só na base da polícia vai se combater o mercado ilegal. Precisa também de uma mudança cultural (...) e de "convidar" os que estão escapando da legalidade para negócios mais viáveis.

Guilherme Fiuza, colunista da Gazeta do Povo

Você acha que um novo modelo tributário pode ter bons resultados no combate ao contrabando?

Com certeza. Porque a excessiva tributação é um dos convites à ilegalidade. E em momento algum estou justificando qualquer tipo de infração, mas o mercado também é um monstro, não é absolutamente racional e civilizado. Então, o excesso de taxas em certos ambientes onde há menos esclarecimento, menos princípios e menos fiscalização, empurra as pessoas [para a ilegalidade].

Para Guilherme Fiuza, sobrecarga de tributação não faz bem aos negócios e não gera mais riqueza ao país.
Para Guilherme Fiuza, sobrecarga de tributação não faz bem aos negócios e não gera mais riqueza ao país.| Divulgação

Não adianta imaginar que só na base da polícia vai se combater o mercado ilegal. Precisa também de uma mudança cultural, de [bons] exemplos e de "convidar" os que estão escapando da legalidade para negócios mais viáveis.

Não tenho dúvida que o Brasil, por conta desses eternos tropeços na sua administração central, acaba recorrendo à tributação excessiva. Porque o governo não tem caixa e ninguém quer fazer um planejamento de redução tributária para não perder a arrecadação num primeiro momento. Mas numa boa reforma tributária você terá, no momento seguinte, um aumento de arrecadação porque vai diminuir a sonegação. Só se consegue promover de fato a expansão da sociedade minimizando a taxação. Não existe outro caminho.

Também no ano passado o Brasil perdeu R$ 193 bilhões para o mercado ilegal, somando os impactos na indústria e na tributação. De que forma isso afeta a economia? Quão sério é o problema do mercado ilegal no país?

Hoje em dia, a economia informal é tão ampla que uma parte do crescimento do país se dá de maneira informal. Não é que todos esses recursos estejam perdidos, que vão sumir da sociedade. Então não tem como virar uma chave e fazer desaparecer toda a informalidade, porque uma parte da sociedade e até das riquezas estão se movendo nesse universo indesejável.

Não tem como virar uma chave e fazer desaparecer toda a informalidade, porque uma parte da sociedade e até das riquezas estão se movendo nesse universo indesejável.

Guilherme Fiuza, colunista da Gazeta do Povo

Essa sobrecarga de tributação não faz bem aos negócios, não gera mais riqueza. Só engorda uma máquina central que está servindo para criar, por exemplo, fundos partidários multimilionários. Então o raciocínio é: "Eu não quero ir para a formalidade para dar dinheiro para um fundo partidário que vai ficar sustentando aqueles picaretas".

Então, se trouxer [o comércio para a regularidade] de uma forma saudável, sem sobretaxar, vai facilitar o desenvolvimento desses próprios negócios, a produtividade, os meios que eles têm de gerar riquezas.

Um ponto que considero muito importante é: que exemplo de respeito à lei e às instituições nós temos tido nos últimos tempos? Essa referência está muito frágil. O que a gente viu, principalmente no período [dos governos] do PT, foi quase uma chantagem emocional de um grupo político que desperta uma comiseração, um sentimento de que ele será bondoso e generoso com quem tem menos, e se desvinculou do compromisso de respeitar as leis e agir dentro das instituições. E o que o Sergio Moro conseguiu, liderando a operação Lava-Jato, foi um nível de perseverança institucional que o Brasil não conhecia.

Nessa guerra política no Brasil de hoje, a gente está falando de legalidade versus ilegalidade. O país precisa de uma mudança cultural que é acreditar que se possa cumprir as leis, que não se vai cumprir as leis em vão.

O ministro Sergio Moro criou um grupo de estudos sobre a regulação de impostos dos cigarros fabricados no Brasil, para assim evitar consumo de cigarros contrabandeados. Na sua opinião, essa iniciativa é promissora?

Sim. É só ver o que aconteceu com o Al Capone. A Lei Seca não diminuiu o consumo de bebida, ao contrário: ela incentivou a formação da maior máfia da história. Claro que são questões diferentes, porque o cigarro não é proibido, mas [com a alta taxação] ele é virtualmente proibido. Cria-se um monstro porque dá uma oportunidade de negócio para o criminoso e para a indústria informal.

O país precisa de uma mudança cultural que é acreditar que se possa cumprir as leis, que não se vai cumprir as leis em vão.

Guilherme Fiuza, colunista da Gazeta do Povo

As premissas não estão corretas nesse combate, tanto no aspecto tributário quanto ideológico. Achar que vai assustar a indústria e as pessoas e, com isso, combater a existência do consumo, não acontece. Não acontece com o álcool, com o cigarro, com nenhuma droga, com nada. O caminho é sempre tornar a sociedade mais saudável e mais esclarecida. É preciso trazer as informações necessárias e a sociedade tem que ganhar poder para fazer as suas escolhas.

O cigarro já é um produto mais caro. O consumo em diversos ambientes já é proibido. Então já tem várias formas de coibir esse consumo. Proibir, de fato ou virtualmente, com estigmatização das pessoas que fumam e uma carga tributária surrealista, não vai surtir efeito nem de saúde, nem econômico.

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(Esta entrevista foi editada para maior brevidade.)