crianças felizes na horta da escola
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O ensino em período integral, antes uma alternativa encontrada apenas nas escolas da rede pública, tem sido comum nas instituições de ensino privado por conta da participação feminina cada vez maior no mercado de trabalho. Não só a sociedade, mas a educação escolar também precisou se ajustar ao novo cenário.

Segundo dados do Censo Escolar, em 2018 aproximadamente 2,5 milhões de crianças do Ensino Fundamental estavam matriculadas em período integral no Brasil, um índice de 9,4% do total.

Tomada de decisão

Fernanda Carneiro, mãe de Francisco (2) e Isabela (4), nunca cogitou a possibilidade de abandonar o trabalho ou contratar alguém para atender as crianças. “Muitos pais carregam o sentimento de culpa por estarem ‘terceirizando’ a maternidade e a paternidade ao deixar os filhos o dia todo na escola”, observa. Dese os quatro meses de vida, seus filhos e sua enteada Mariana (9) frequentam a escola Infância Feliz em período integral.

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Ao colocar na balança tudo o que envolve essa decisão, Fernanda diz que o mais importante é se sentir realizada e com a autoestima elevada para poder oferecer às crianças uma convivência saudável e de qualidade. Para ela, outro ponto decisivo foi perceber o desenvolvimento dos filhos a partir das atividades desenvolvidas na escola, onde recebem ainda refeições balanceadas e têm a oportunidade de socializar com outras crianças.

 Deixar de trabalhar ou contratar alguém para cuidar dos filhos não faziam parte dos planos de Fernanda Carneiro, que optou por matricular seus filhos em uma escola com período integral. O desenvolvimento e a capacidade de socialização de seus filhos foram as grandes vantagens percebidas por ela nesse tipo de educação. (Foto: arquivo pessoal)
Deixar de trabalhar ou contratar alguém para cuidar dos filhos não faziam parte dos planos de Fernanda Carneiro, que optou por matricular seus filhos em uma escola com período integral. O desenvolvimento e a capacidade de socialização de seus filhos foram as grandes vantagens percebidas por ela nesse tipo de educação. (Foto: arquivo pessoal)

Para a analista comercial Adriana Gomes e o engenheiro Rogério Bogacz, a educação em período integral era a única opção possível quando Andrey (8) nasceu. “Optamos pela escola porque não tínhamos ninguém de confiança para deixar cuidando dele”, relembra.

Desde que ingressou no Ensino Fundamental, há quase três anos, Andrey estuda no Colégio Bom Jesus Internacional Aldeia. Segundo a mãe, mesmo o tempo gasto diariamente no trajeto de casa, em Curitiba, até a escola, localizada em Campo Largo, compensa o investimento. “A qualidade didática, o ambiente e o acolhimento às crianças foram quesitos que pesaram muito na nossa decisão. Como ele fica mais tempo na escola do que em casa, precisa ser um lugar legal, bonito e agradável”, explica.

Remédio necessário

Para a psicopedagoga e mestre em Educação Laura Monte Serrat Barbosa, a educação integral ganha espaço atualmente devido à nova dinâmica que a sociedade foi construindo ao longo do tempo.

"É uma alternativa a mais que encontramos para que nossos filhos se ocupem e fiquem em segurança, já que não existe a possibilidade de terem mais tempo de convivência com as famílias.” - Laura Monte Serrat Barbosa, pscicopedagoga e mestre em Educação

Laura classifica o ensino integral como “um remédio necessário” que precisa ser dosado adequadamente para permitir a evolução do estudante em todas as suas dimensões. Segundo ela, as horas a mais que o estudante passa na escola devem incluir atividades que estimulem o desenvolvimento da sensibilidade, da estética, da ética, das relações sociais, da convivência grupal e ainda outros aspectos que antes eram estabelecidos no espaço familiar.

De acordo com Edgard Cornacchione, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e PhD em Educação pela University of Illinois (USA), não basta ampliar o tempo de permanência do aluno na escola para melhorar o nível do ensino. É necessário qualificar esse tempo. “Em uma mesma hora de aula de matemática em condições ou instituições diferentes, podemos ter resultados e impactos muito distintos, em função da proposta educacional e recursos para o seu desenvolvimento”, comenta.

Cornacchione afirma que, a exemplo do que vem acontecendo em outros países, ampliar o tempo de contato com os processos educacionais formais, planejados e supervisionados tende a elevar a qualidade do desenvolvimento do estudante. Mas ressalta que, para isso, é necessário que exista alinhamento curricular, capacitação docente, adequação da infraestrutura, além de levar em consideração fatores particulares do estudante. “Em resumo, melhores escolas e melhores ambientes escolares tendem a conseguir aproveitar mais e melhor a modalidade de ensino integral”, enfatiza.

Qualidade no tempo que passam juntos

Até meados de 2018, a empresária Deborah Rosseto Zanon Russo nunca tinha cogitado a alternativa do período integral para os filhos Cauã (8) e Lara (5). Pela manhã, os dois a acompanhavam para a empresa e à tarde iam para a escola. “Mas era tudo muito tumultuado. Estávamos juntos, mas não era um tempo de qualidade”, relata.

Apesar da sua resistência inicial, Deborah decidiu fazer uma experiência e, mesmo depois de iniciado o ano letivo, ela fez a mudança na grade curricular das crianças e ficou surpresa ao perceber os resultados.

 Antes de matricular seus filhos Lara (5 anos) e Cauã (8 anos) numa escola em período integral, Deborah Rosseto Zanon Russo tinha mais tempo com eles, mas reconhece que não era um tempo com qualidade. (Foto: arquivo pessoal).
Antes de matricular seus filhos Lara (5 anos) e Cauã (8 anos) numa escola em período integral, Deborah Rosseto Zanon Russo tinha mais tempo com eles, mas reconhece que não era um tempo com qualidade. (Foto: arquivo pessoal).

Alunos do Colégio Bom Jesus Lourdes, Cauã e Lara assistem às aulas das disciplinas regulares no período da manhã e à tarde fazem atividades extracurriculares, como judô, xadrez, além de terem sempre um horário destinado aos estudos e às tarefas de casa. “Hoje passamos menos tempo juntos, mas agora conseguimos curtir esses momentos. Bem diferente do que acontecia antes, quando as crianças chegavam da escola e ainda tínhamos que auxiliar nas lições. Eram poucas as oportunidades para brincar com eles ou assistir a um filme em família”, comenta a empresária.

Infraestrutura

Atividades esportivas, de lazer ou para a prática de experiências dependem da infraestrutura que a instituição de ensino oferece. E esse é um dos pontos que os especialistas chamam a atenção dos pais na hora de definir onde irão matricular os filhos. “Se a escola tem a intenção de oferecer uma educação integral, certamente precisa de espaços diferenciados, que não somente as salas de aula”, enfatiza a psicopedagoga Laura Monte Serrat Barbosa.

LINK Tecnologia como recurso de aprendizado

São estruturas como quadras poliesportivas, pátios, salões, cozinha experimental, oficinas, jardim, hortas e outros ambientes que podem ser explorados pedagogicamente. “Se a escola possui apenas salas de aula para que os alunos fiquem um período a mais e não explora outros espaços, certamente seu programa corre o risco de tornar este tempo mais enfadonho para o aprendiz”, argumenta.

Edgard Cornacchione destaca que, na perspectiva das escolas, a modalidade de educação integral é recomendada quando a instituição assegura os recursos, os agentes educativos – administradores, coordenadores, professores, funcionários – e a infraestrutura em torno de uma proposta específica e que faça sentido para a comunidade em que está inserida.

Ele salienta que, para os estudantes e suas famílias, a educação integral é indicada para aqueles que estão dispostos a alcançar mais do que a modalidade alternativa oferece. “Um estudante ficar mais tempo na escola que não possui um plano e recursos adequados, sem a devida orientação e participação familiar, pode representar um processo ineficiente em termos de educação integral”, observa.