Arquitetura

A casa em Curitiba que desafiou a arquitetura alemã

Luan Galani
24/01/2017 20:55
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Casa moderna com flertes claros ao art déco irritou a comunidade alemã da época. Fotos: Daniel Castellano/Gazeta do Povo | Gazeta do Povo

“Nunca pensei em morrer numa casa”, diz o dentista e contratenor Paulo Mestre, 54, que costumava mudar de residência como quem troca de meia. “Mas aqui até que não é de todo mau”, brinca. Agora ele e o designer gráfico e artesão Emerson Koslowski, 44, sossegaram. Efeito da casa que compraram há cinco anos e da qual não arredam o pé: a antiga residência Bernardo Kirchgässner, projetada pelo arquiteto alemão Frederico Kirchgässner para seu irmão em 1936, logo depois de sua primeira obra que deu o que falar na esquina das ruas Jaime Reis e Portugal, no Alto São Francisco.
Registro antigo da casa Kirchgassner
Registro antigo da casa Kirchgassner
Bem menos comentada, a casa rosa das Mercês, logo ali no início da Visconde de Nacar, vai muito bem, obrigado. Os novos moradores bancaram o restauro do imóvel e, sob comando da arquiteta Giceli Portela, descobriram que a casa já havia sido vestida de amarelo, rosa e verde. “Resolvemos manter as mesmas escolhas do passado”, justificam. E no lado de dentro transformaram os espaços em um mimo só, potencializando qualquer poesia que o espaço já tivesse. A casa ganhou alma própria com tudo que a dupla gosta de colecionar: pratos ornamentados, obras de arte, mobiliário retrô e ingressos de teatro.
O espaço é uma grande galeria de arte para todos os gostos: tela de Artestenciva e coleção de pratos ao fundo.
O espaço é uma grande galeria de arte para todos os gostos: tela de Artestenciva e coleção de pratos ao fundo.

Diferente de todas as outras

Ela segue a mesma linguagem da primeira casa levantada por Kirchgässner, considerada por muitos como uma das primeiras residências modernistas do país: sem telhado, portas de correr, janelas nos cantos, canos metálicos no guarda corpo. Mas mesmo assim, ainda recai em “alguns deslizes do art déco”, como aponta o arquiteto Key Imaguire Junior.
Sala celeste logo na entrada com vestes retrô e elementos originais na janela.
Sala celeste logo na entrada com vestes retrô e elementos originais na janela.
Justamente por ser um exemplar de transição da década de 1930, uma época de múltiplas linguagens. “Moderno é ter várias escolhas formais: inserir na casa algumas virtudes, como o pensar em toda a questão de infraestrutura para água, esgoto, luz, telefone e os demais objetos que acompanham a modernidade”, lembra a arquiteta Elizabeth Amorim de Castro, que leciona na UFPR e recentemente tem se dedicado a estudar os edifícios desta mesma década.
Detalhes do ateliê no pavimento subterrâneo: lambrequins, arte pop e coleções.
Detalhes do ateliê no pavimento subterrâneo: lambrequins, arte pop e coleções.
Apesar de hoje ser vista como uma construção bastante amena, ela foi radical para a época. “Imagina nos anos 1930, em uma Curitiba essencialmente germânica, em que a bandeira nazista estava pendurada no edifício Garcez. Havia regras de como tinha que ser a arquitetura. Era proibido na Alemanha de 1935 fazer casa sem telhado, com cobertura plana. E foi o que o Kirchgässner fez”, sentencia o arquiteto e historiador Irã Dudeque.
O que deixou a comunidade germânica de Curitiba irritada. A construção era alheia às doutrinações nazistas, que pregavam a grandeza da nação e encantavam outros imigrantes. O que o arquiteto alemão fez foi “um pequeno farol contra a barbárie”, completa Dudeque, em seu livro Espirais de Madeira: uma história da arquitetura de Curitiba.

Confira mais fotos da casa:

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