Arquitetura

Anita dos lambrequins: a avenida que guarda resquícios de uma Curitiba de madeira

Sharon Abdalla
14/05/2018 10:30
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Avenida Anita Garibaldi, no Barreirinha tem grande número de construções de madeira adornadas com lambrequins. Foto: Jonathan Campos / Gazeta do Povo | Gazeta do Povo

Na esquina da Avenida Anita Garibaldi com a Rua Francisco Krainski, uma casa de madeira salta aos olhos em meio às construções vizinhas, de alvenaria, e aos ares de urbanização que a cercam. O sótão, os lambrequins em volta de todo o beiral e o verde das árvores frutíferas cultivadas no quintal fazem dela um exemplar vivo do que a região do Barreirinha foi em seus primórdios: uma área onde os imigrantes poloneses que chegaram à capital se estabeleceram cultivando milho, centeio, batata e trabalhando na fabricação de carroças. A atividade, aliás, estava alinhada ao que a atual avenida representava naquele período, ou seja, um caminho sinuoso que ligava Curitiba a Almirante Tamandaré.
Leni Lima e Gilberto Mafazolli conservam a casa de madeira, e seus lambrequins, com muito empenho e cuidado. Foto: Jonathan Campos
Leni Lima e Gilberto Mafazolli conservam a casa de madeira, e seus lambrequins, com muito empenho e cuidado. Foto: Jonathan Campos
Datada do início da década de 1920, a casa foi construída pelo polonês Francisco Krainski e sua esposa Adelaide, de origem alemã, e serviu de residência do casal e de seus sete filhos por cerca de cinco décadas. O senhor Francisco, inclusive, empresta seu nome a uma das ruas do endereço do imóvel. “Meu avô doou [parte do] terreno para que a rua pudesse sair na Anita Garibaldi”, conta Gilberto Mafazolli, neto de Francisco, ao justificar o “batismo” do logradouro.
Gilberto Mafazolli mostra com carinho a "matriz" de um lambrequim igual ao que adorna a casa construída por seu avô. Foto: Jonathan Campos / Gazeta do Povo
Gilberto Mafazolli mostra com carinho a "matriz" de um lambrequim igual ao que adorna a casa construída por seu avô. Foto: Jonathan Campos / Gazeta do Povo
Herdeiro e atual morador do imóvel, Gilberto é quem mantém viva não apenas a história, mas a própria estrutura da construção. Ao longo dos anos, ele precisou realizar algumas alterações na casa, como a substituição da forração interna original por peças de PVC. Boa parte dela, no entanto, se mantém original e apresenta traços comuns a outras casas de madeira da região – algumas não tão bem conservadas como a do nº 3.601. Entre eles estão o forro de tábuas corridas da varanda, as portas feitas de tábuas pregadas lado a lado e os charmosos lambrequins.
Detalhes dos lambrequins da Anita Garibaldi. Foto: Jonathan Campos / Gazeta do Povo
Detalhes dos lambrequins da Anita Garibaldi. Foto: Jonathan Campos / Gazeta do Povo
“Quando algum deles estraga eu mesmo faço outro, a partir de um molde que tenho, para repor no lugar”, conta Gilberto, que não esconde o orgulho em manter a construção. “Eu adoro a minha casa”, resume.

Traços do passado

Os lambrequins da residência da família Krainski não são os únicos a enfeitar a principal avenida do Barreirinha. Mesmo que em pequena quantidade, outras casas no percurso da Avenida Anita Garibaldi, que continua fazendo a ligação da capital com a cidade da região metropolitana, têm no elemento decorativo seu destaque.
Foto: Jonathan Campos / Gazeta do Povo
Foto: Jonathan Campos / Gazeta do Povo
Ao contrário do que muitos acreditam, e algumas referências bibliográficas indicam, no entanto, a presença dos lambrequins nas construções do Barreirinha (assim como em outros pontos da cidade) não é uma consequência direta da presença dos imigrantes poloneses (ou italianos e germânicos) na região, mas sim uma questão urbana.
“Os lambrequins eram um modismo internacional que virou lei em Curitiba. [Em 1919, o Código de Posturas do município determinava] que as casas de madeira deveriam contar com lambrequins”, explica Irã Dudeque, professor de História da Arquitetura na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).
Detalhe de construção em madeira na Anita Garibaldi. Foto: Jonathan Campos / Gazeta do Povo
Detalhe de construção em madeira na Anita Garibaldi. Foto: Jonathan Campos / Gazeta do Povo
O arquiteto Fábio Domingos Batista também tem na lei um dos fatores que explica a presença do elemento decorativo nas construções em madeira datadas da primeira metade do século passado. Mas vai além ao dizer que a legislação não seria suficiente para, sozinha, garantir tal fato.
“O lambrequim é um elemento da arquitetura eclética. Sua produção em Curitiba se iniciou juntamente com [o movimento de] imigração, uma vez que muitos mestres carpinteiros eram poloneses ou italianos, por exemplo, o que faz com que [eles carreguem] uma referência e uma ligação afetiva [ com estas populações]”, destaca.
Mais do que enfeitar as casas, os lambrequins também exercem uma função de proteção do imóvel. Isso porque as tábuas retangulares, de cerca de 40 cm de comprimento e com desenhos simétricos, funcionam como pingadeiras, direcionando a água da chuva e protegendo o madeiramento do telhado.
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