Arquitetura

Após anos de abandono, casarão da Ferragens Hauer é restaurado e destinado ao uso público

*Camila Machado
21/01/2019 09:57
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A equipe da defensoria no prédio já reformado. Foto: Divulgação.

“Vermelho. O edifício da Rua José Bonifácio, número 66, sempre foi pintado dessa cor”, conta a arquiteta Ivilyn Weigert. A informação foi descoberta por meio de um processo chamado prospecção estratigráfica — quando se tira camada por camada de tinta de uma parede, até a sua base —, durante a obra de restauração do Ferragens Hauer, centenário imóvel do Centro.
Datado de 1898, 121 anos depois ele está mais ruborizado do que nunca. Majestoso, colado à Catedral da Praça Tiradentes, abandonou a sua vocação de comércio local para servir à cidade de outra forma, no papel de sede da Defensoria Pública do Paraná. O órgão mudou-se para lá há pouco mais de trinta dias.
“A Defensoria tem um papel de acolhimento ao cidadão. Na nova casa essa tarefa está sendo cumprida de forma mais digna. Há espaço e, quando há filas, todos ficam para dentro do imóvel, protegidos da chuva, do frio ou do calor. Ficou tudo mais apropriado”, explica Erick Le Palazzi, diretor do Centro de Atendimento Multidisciplinar da Defensoria Pública. A instituição antes tinha sede na Rua Cruz Machado, esquina com a Rua Muricy.
A antiga casa de ferragens, no Centro, foi fundada em 1898. Foto: Acervo Casa da Memória/FCC
A antiga casa de ferragens, no Centro, foi fundada em 1898. Foto: Acervo Casa da Memória/FCC

Belle Époque

As mãos de tinta, pintadas no auge da Belle Époque, foram o que restaram ao imóvel depois de um incêndio em 1998. As janelas de madeira-de-lei, o telhado, os adornos aristocráticos, a escadaria imponente, o piso: quase tudo pegou fogo nos três andares do edifício.
Os anos que se seguiram foram de longos processos judiciais até o leilão do Ferragens Hauer. O novo proprietário nunca se identificou, mas tinha como tarefa resgatar o prédio. A obra de restauração durou de 2012 a 2015.
“Eu lembro do cheiro do espaço, era forte, muito ruim”, disse Leandro Nicoletti Gilioli, arquiteto e um dos nomes do projeto de restauração. É que o local, de tão abandonado, virou ‘banheiro público’ do centro histórico. “O mato estava alto e quase não se reconhecia nada na parte interna, tivemos que refazer do zero”, explica.
O prédio, durante a reforma: restauração durou três anos. Foto: Acervo DPPR.
O prédio, durante a reforma: restauração durou três anos. Foto: Acervo DPPR.
O desafio de reconstruir o edifício foi compartilhado com Ivilyn. O ar bucólico das ruínas pós-incêndio fez com que a arquiteta fizesse uma viagem pelo tempo. “O primeiro passo para a preservação do patrimônio é conhecê-lo. Foi instigante descobrir como tudo funcionava ali, décadas antes. Identificamos as fundações e, com o que restou das paredes, tentamos entender como funcionava a dinâmica da ferragem: dava para identificar onde era a loja – na esquina; e o depósito do comércio, ao fundos. No primeiro piso ficava a residência da família e, provavelmente, no último, as dependências dos funcionários. Uma configuração muito comum à época”, esclarece.
O Ferragens Hauer foi fundado pelos alemães Francisco e Augusto Hauer e o sucesso do comércio de rua perdurou por pelo menos 60 anos.

Não caiu

A prioridade número um dos arquitetos na restauração do prédio da família Hauer estava em mantê-lo em pé. “As paredes do edifício estavam escoradas com andaimes de madeira. O risco de queda era eminente e nos tirava o sono”, confessou Gilioli.
“O senso comum associa um prédio restaurado a uma atividade cultural, a exemplo do Paço da Liberdade. Mas não precisa ser assim. A pluralidade de serviços é que traz vida aos centros urbanos. O Hauer ocupado pela Defensoria é a prova disso”. Ivilyn Wiegert e Leandro Nicoletti Gilioli, arquitetos. Foto: divulgação
“O senso comum associa um prédio restaurado a uma atividade cultural, a exemplo do Paço da Liberdade. Mas não precisa ser assim. A pluralidade de serviços é que traz vida aos centros urbanos. O Hauer ocupado pela Defensoria é a prova disso”. Ivilyn Wiegert e Leandro Nicoletti Gilioli, arquitetos. Foto: divulgação
Por esse motivo, o primeiro passo para iniciar a obra foi reconstruir a laje interna dos andares, com a intenção de consolidar as paredes externas, gerando uma nova estrutura em concreto armado. “Uma característica das construções do final do século 19 é a ausência de pilares ou vigas de sustentação. As paredes foram erguidas em ‘alvenaria estrutural’, de forma que uma segura a outra. Por isso a preocupação”, explicou Ivilyn. Deu certo. Seis meses depois a estrutura em madeira foi retirada.
Já na face que dava para a rua, foram recolhidos os elementos decorativos, restaurados alguns e replicados outros. “Os balaústres decorativos da fachada pesam mais de cem quilos. Tudo foi feito com muito cuidado”, lembrou Gilioli.
Superados os detalhes técnicos, outros vieram.  Lidar com a pressão imobiliária e com as exigências do patrimônio foram alguns percalços superados pelos arquitetos. “Quando pensamos no projeto, não sabíamos qual função teria o edifício. Por isso, criamos em cima de algo que pudesse ser flexível, com divisórias leves que permitissem uma reformulação da parte interna sem comprometer o arcabouço histórico”, explicaram.
Foto: Acervo/DPPR
Foto: Acervo/DPPR
O Edifício Hauer tem 4,5 mil metros quadrados e, o último andar, uma vista privilegiada do Centro e dos fundos da Catedral Metropolitana, na Praça Tiradentes. O valor das obras de restauro não foi informado.

Nova função

Ocupado pela Defensoria Pública do Paraná, o térreo do Ferragens Hauer está incumbido de atender o público nas ações ordinárias do órgão. Espalhados pelos andares ficam os gabinetes dos defensores, demais escritórios e também espaços para atendimento ao público com horários marcados. O último pavimento, ainda em reforma, pretender abrigar um auditório, que vai receber palestras, reuniões e congressos.
*Especial para a HAUS.

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