Arquitetura

Coletivos: insurgência urbana

Daliane Nogueira
13/05/2015 01:00
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Horta comunitária no Tatuquara envolve moradores e grupo de voluntários. Fotos: Fred Kendi / Gazeta do Povo | Gazeta do Povo

“Tudo está a um passo, um braço ou a um grito de você.” É assim que o jardineiro e gestor ambiental Ademar da Silva Brasileiro, conhecido como “mago jardineiro”, explica a capacidade de mobilização que a proposta da jardinagem libertária pode promover. Há 28 anos ele defende que a revitalização de áreas degradadas com a plantação de árvores, flores ou hortas é uma forma de fazer com que as pessoas tomem para si a responsabilidade pelo espaço onde vivem.
E é esse mesmo pensamento que move outros grupos de pessoas que se unem em torno de um propósito comum. São os coletivos urbanos, que cada vez mais ganham espaço e relevância. Eles vão se conectando, trabalhando juntos, por terem interesses parecidos. Brasileiro, por exemplo, mantém atividades com diferentes movimentos em Curitiba. A aproximação com o grupo “Jardinagem: territorialidade, temporalidade, ato político”, idealizado pela arquiteta e artista visual Faetusa Tezelli, se deu em forma de oficinas para moradores de bairros onde foram plantadas hortas coletivas, como no Jardim Bela Vista, no Tatuquara.
A área onde estão os canteiros era depósito de lixo e estava tomada pelo mato. A ideia da revitalização começou há pouco mais de dois meses, quando a técnica ambiental Iracema Bernardes Pereira, que já conhecia a comunidade por conta de um trabalho que desenvolveu para a Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohab), uniu-se à Faetusa para realizar a horta com os moradores.
“Muitas pessoas que moram no entorno têm ligação com o interior do Paraná e já tinham uma aproximação com a terra. A implantação da horta trouxe o resgate de memórias e transformou um espaço negativo em uma área positiva e que colabora para a segurança alimentar das famílias”, comenta Faetusa. O projeto é financiado pela Fundação Nacional de Artes (Funarte) e o envolvimento dos moradores é incontestável. A dona de casa Aparecida Gomes da Silva conta que o local tornou-se ponto de encontro dos moradores. “Acabamos nos reunindo aqui e conversando sobre melhorias para outros pontos do bairro”, diz.
Laboratório de cidadania
“Essas organizações que agem positivamente, sem ferir as instituições, apresentam novas alternativas para cidade, são uma expressão de cidadania e uma forma de interferir no conjunto social”, opina o professor do curso de Ciências Sociais da PUCPR, Lindomar Boneti. Ele aponta ainda que a mobilização dos coletivos desperta a ação do poder público. É o que aconteceu, em certa medida, com o grupo que propõe a preservação do bosque da Casa Gomm, nos fundos do shopping Pátio Batel.
Em junho de 2013, quando houve a divulgação de que uma rua seria aberta, cortando o bosque ao meio para desafogar o trânsito que o shopping geraria, 12 pessoas promoveram uma mobilização para chamar atenção para a destruição do bosque. O grupo, que mantém uma página no Facebook com o nome “Salvemos o Bosque Gomm”, foi ganhando mais adeptos, ocupando o espaço e promovendo atividades como oficinas com crianças, troca de brinquedos, tai chi chuan, entre outros.
A principal vitória foi o anúncio da prefeitura, em junho do ano passado, da oficialização do Bosque como área de conservação ambiental. O parque ainda não foi implantado oficialmente e o grupo mantém a ocupação, conservação e limpeza, além da agenda de atividades.
“A experiência no Bosque Gomm é um laboratório de cidadania a céu aberto. Queremos realmente criar um símbolo para multiplicar outras iniciativas”, resume o pedagogo Luca Rischbieter, um dos integrantes do movimento, que ressalta a visita de pessoas de outros pontos da cidade no local.
Uma das últimas intervenções foi a criação de uma horta urbana que contou com a participação de Ademar Brasileiro e do grupo idealizado por Faetusa. O biólogo Diogo Coneglian, envolvido nos cuidados com a horta, reforça que o grande intuito é que as pessoas se apropriem do conhecimento gerado pela iniciativa e multipliquem hortas urbanas pela cidade.
Arte e envolvimento
Para além da contemplação e do entretenimento, a arte também pode ser uma eficaz ferramenta de ressignificação do espaço urbano. Em Curitiba, uma dessas iniciativas é o projeto Motion Layers, ação de street art que prevê a criação de quatro murais públicos de escala monumental, dois já realizados, um em execução e outro previsto para este ano, feitos com stencil, em fachadas de edifícios.
Os artistas, Celestino Dimas, idealizador do projeto, Artstenciva e Leandro Cinico atuam de forma colaborativa. Para Dimas, dentre os vários objetivos da realização, como a densidade conceitual, os desafios logísticos e técnicos. O impacto social é o grande motivo dessa atuação. “A escala monumental das pinturas está alinhada ao crescimento e verticalização da cidade. Precisamos trazer mais sensibilidade para o cotidiano, precisamos de respiros, de intervalos, de momentos de contemplação e reflexão, precisamos exercitar a imaginação. Essas obras servem para isso. Revitalizar a paisagem para revitalizar o cotidiano”, afirma Dimas.
Proposta parecida aconteceu na realização da Praça de Bolso do Ciclista, no bairro São Francisco. O artista participou, em parceria com outros cicloativistas, como Jorge Brand, hoje assessor da Coordenação de Mobilidade Urbana da Secretaria Municipal de Trânsito (Setran), dos mutirões que deram origem à praça, inaugurada em setembro do ano passado.
Ambos faziam parte do coletivo de artistas e agentes culturais Interlux. “A praça foi uma intervenção real em meio a uma série de ações de conscientização”, comenta Brand, lembrando que a área de 127 m², era um terreno abandonado da prefeitura e foi recuperado a partir do trabalho do coletivo e de outros cidadãos.
Na avaliação de ambos, a praça tornou-se um espaço de utilização pública, sobretudo dos ciclistas. “A praça é ocupada por grupos diversificados. Claro que existe depredação eventual, como em qualquer lugar livre. Mas, nesse sentido, continuaremos com mutirões periódicos, sempre abertos à participação de quem quiser somar. A praça é um ícone vivo. Quanto mais exemplos assim, mais pessoas terão oportunidade de gostar e cuidar da cidade. É contagioso”, resume Dimas.
Horta comunitária no Tatuquara.<br>Foto: Fred Kendi / Gazeta do Povo.
Horta comunitária no Tatuquara.<br>Foto: Fred Kendi / Gazeta do Povo.
Horta comunitária no Tatuquara<br>Foto: Fred Kendi
Horta comunitária no Tatuquara<br>Foto: Fred Kendi
Horta comunitária no Tatuquara
Horta comunitária no Tatuquara
Praça de Bolso do Ciclista, bem no centro da cidade, foi resultado de uma ação conjunta de ativistas e comerciantes
Praça de Bolso do Ciclista, bem no centro da cidade, foi resultado de uma ação conjunta de ativistas e comerciantes
Praça do Bolso do Ciclista
Praça do Bolso do Ciclista
Mural do projeto Motion Layers
Mural do projeto Motion Layers
Mural do projeto Motion Layers
Mural do projeto Motion Layers
Intervenções artísticas e exercício de cidadania no Bosque Gomm
Intervenções artísticas e exercício de cidadania no Bosque Gomm
Bosque da Casa Gomm
Bosque da Casa Gomm
Bosque da Casa Gomm
Bosque da Casa Gomm
Intervenção da Casa Labirinto no Bosque Gomm
Intervenção da Casa Labirinto no Bosque Gomm

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