Arquitetura

Concórdia: o refúgio dos músicos

Luan Galani
20/05/2015 01:00
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Fachada sóbria e limpa são as marcas da arquitetura alemã da época, bem diferente do ecletismo francês. Fotos: Fred Kendi / Gazeta do Povo | Gazeta do Povo

Um velho ditado diz que “onde dois alemães estão, três clubes são construídos”. Desde a chegada dessa etnia em Curitiba, por volta de 1833, mais de 50 associações diferentes foram criadas. Cada qual com sua própria vocação. O Sport Club Germânia (atual Graciosa Country Club), por exemplo, foi criado para os praticantes de tênis. Já o Weringe Thalia (hoje conhecido como Sociedade Thalia) era voltado para o teatro. O primogênito, porém, foi o Clube Concórdia, fundado em 1887 depois da fusão de duas associações menores. No seu DNA está a música.
Além de ser mais um clube onde a comunidade alemã de Curitiba se reunia para relembrar os costumes da terra natal, o Clube Concórdia, ainda sob o nome de Deutscher Sängerbund (Liga Alemã de Cantores, em uma tradução próxima), era o refúgio dos amantes da boa música, onde famílias inteiras se juntavam para cantar, dançar e tocar seus instrumentos. Em outros momentos, o clube funcionava como o Teatro Guaíra de sua época, com grandes nomes se apresentando em seu palco, como o pianista Walter Gieseking, considerado um dos melhores pianistas de 1952, e o tenor italiano Beniamino Gigli, famoso até hoje por suas apresentações.
O clube era a praça de socialização da comunidade germânica de Curitiba. Como conta o historiador Sergio Odilon Nadalin, professor de imigração alemã na Universidade Federal do Paraná (UFPR), lá eles confraternizavam e até se ajudavam. “A comunidade mantinha uma caixinha de ajuda. Em momentos de necessidade, o primeiro socorro era a própria comunidade. Daí o caráter beneficente das associações alemãs”, explica Nadalin.
Com o passar dos anos, o clube viveu tempos traumáticos. Os conflitos mundiais e as campanhas de nacionalização sob a batuta de Getúlio Vargas fizeram os alemães serem vistos com desconfiança. Ficaram proibidos de falar o idioma natal e tiveram de fechar todas as suas instituições. O medo foi tanto que diversos documentos e atas de reuniões da época foram queimados. A única maneira de manter o clube foi adotar o nome atual e mandar embora todos os funcionários alemães.
O jeito alemão de construir
Não menos interessante é a arquitetura do Concórdia, que hoje integra o Clube Curitibano. A sede foi sendo construída e aumentada aos poucos, por isso o edifício é eclético, uma mistura de vários estilos, tão particular do século 19, como lembra o arquiteto Humberto Fogassa, que está à frente do projeto de restauração da construção.
A arquitetura eclética se caracterizou pela simetria, grandiosidade e riqueza decorativa. Porém, no Concórdia, tudo foi feito ao estilo alemão. Se comparado ao ecletismo francês, por exemplo, a fachada com frisos se mostra mais sóbria e limpa. No interior, destaque para a utilização do sótão ampliado, as folhas metálicas decorativas no teto e os trabalhos em madeira.
Tempo das artes
A partir de 1947, o clube decidiu investir na promoção das artes e, numa jogada de mestre, criou o Salão Primavera, que veio a se tornar um dos mais importantes salões de arte do sul do país. Por mais de 40 anos, passou a ser conhecido para além de seus concertos, orquestras e corais, revelando nomes do cenário artístico paranaense, como João Turin, Alfredo Andersen, Theodoro de Bona e Guido Viaro.
Gaúcha de Passo Fundo, a socióloga Maria Herrmann Destefani, 64 anos, presenciou essa efervescência cultural de perto. Filha do maestro e organista Rodrigo Herrmann, que dirigia o coral da Catedral Metropolitana de Curitiba e integrava alguns grupos do Concórdia responsáveis por organizar as atividades culturais, Maria cresceu na capital paranaense cantando em corais. “Meu pai me iniciou na música. O que me lembro era a riqueza cultural pelo qual passava o clube na época. Foi algo lindo de viver”, confidencia a cantora, que, desde 2000, atua no coral Collegium Cantorum, também sediado no Concórdia. “A música é um elo que nos faz reviver nossas raízes.”
Trabalho em madeira típico dos alemães (chão) e folhas metálicas decorativas no teto
Trabalho em madeira típico dos alemães (chão) e folhas metálicas decorativas no teto
Obras que ganharam edições do famoso Salão Primavera, um dos mais importantes do setor
Obras que ganharam edições do famoso Salão Primavera, um dos mais importantes do setor
Porão do Concórdia: reza a lenda que existem túneis subterrâneos sob o clube. Nada foi comprovado, porém, e os pesquisadores não corroboram a tese
Porão do Concórdia: reza a lenda que existem túneis subterrâneos sob o clube. Nada foi comprovado, porém, e os pesquisadores não corroboram a tese
Maria Herrmann  viveu os tempos de ouro do Clube Concórdia, levou a tradição para frente  e hoje integra o grupo de canto Collegium Cantorum. Foto: Daniel Castellano / Gazeta do Povo
Maria Herrmann viveu os tempos de ouro do Clube Concórdia, levou a tradição para frente e hoje integra o grupo de canto Collegium Cantorum. Foto: Daniel Castellano / Gazeta do Povo

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