Arquitetura

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Curitiba, patrimônio e a importante, porém difícil tarefa de preservar imóveis históricos

Helena Carnieri, especial para HAUS
02/06/2023 21:43
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Escola de Patrimônio, em Curitiba, contribui para a formação e valorização da história arquitetônica curitibana. | Cido Marques

Quem tem casa com lambrequim, gradil torneado ou outro detalhe arquitetônico que remeta a outras eras sabe que, por trás dos suspiros melancólicos dos passantes, está a dificuldade em manter tudo inteiro e atraente.
Graças ao trabalho de arquitetos, pesquisadores, técnicos em patrimônio e poder público nas últimas quatro décadas, Curitiba é uma das referências em preservação de patrimônio histórico. E o pulo do gato é o trabalho diário com donos de imóvel - uma janela arrumada aqui, uma mão de pintura ali e evita-se gastos muito maiores com restauro.
“Às vezes, a troca de uma telha evita uma grande obra de restauro, pois a manutenção frequente é inversamente proporcional ao custo de uma obra que já se deixou deteriorar. Somente o uso conserva”, explica a professora da UTFPR (Universidade Federal do Paraná), Giceli Portela, arquiteta especialista em patrimônio histórico.
Apesar de o município contar com benefícios fiscais para donos de imóvel de interesse de preservação, as chamadas UIPs, é preciso incentivar o uso dessas possibilidades. “Nosso principal desafio é o trabalho diário de convencer os proprietários da importância de preservar o imóvel, e utilizar os mecanismos como incentivo fiscal e potencial construtivo para isso”, pontua o coordenador da Escola de Patrimônio da Fundação Cultural de Curitiba (FCC), Marcelo Sutil.
O resultado desse esforço são os mais de 600 imóveis preservados hoje como patrimônio cultural na cidade, entre propriedades privadas e bens públicos. Mais da metade fica na região central, entre o setor histórico, a Praça Tiradentes, rua XV de Novembro e entornos.
“Atualmente, são edificações reconhecidas aquelas do período do ecletismo, como o que vemos no centro histórico da cidade, na rua XV, e monumentos como a Catedral, o Paço da Liberdade etc. Há também os representantes do patrimônio moderno, obras da primeira metade do século 20 de autores importantes, como Vilanova Artigas, Frederico Kirchgässner, Rubens Meister e tantos outros”, enumera Giceli.
Outro exemplo do esforço em preservar e educar para a preservação é a Escola de Patrimônio, criada pela Prefeitura de Curitiba para a pesquisa de imóveis e capacitação técnica de funcionários públicos e comunidade em geral, por meio de cursos e atividades formativas.
Edifício Van Gogh: um dos exemplares do patrimônio arquitetônico modernista de Curitiba.
Edifício Van Gogh: um dos exemplares do patrimônio arquitetônico modernista de Curitiba.
Há, ainda, ações muito positivas da atividade privada, como a recém-lançada Casa da Arquitetura de Curitiba, que documenta imóveis modernistas com um acervo de mais de 100 obras registradas, datadas das décadas de 1930 a 1990.

Esforço contínuo para proteger o patrimônio

Curitiba pode não ser pioneira ou a cidade mais ativa do país na preservação de seu patrimônio, mas sem dúvida é uma referência nacional pelo trabalho de formiguinha ao orientar proprietários, um trabalho técnico de grande valor. Pelo viés da lei, a primeira grande ação efetiva veio com a criação do Setor Histórico, em 1971. “O setor histórico surgiu para preservar esse grande conjunto arquitetônico que temos em Curitiba, principalmente do século 19 e início do 20, e que inclui ainda a Igreja da Ordem, atualmente em restauro e que data do século 18, assim como a casa em frente, Romário Martins", esclarece Sutil.
Também nos anos 1970, o governo do estado do Paraná passou a listar imóveis históricos em Curitiba e Região Metropolitana, chegando a cerca de 500 imóveis, sendo 300 na capital.
Vista da região central de Curitiba, que concentra boa parte dos imóveis tidos como de interesse de preservação na cidade.
Vista da região central de Curitiba, que concentra boa parte dos imóveis tidos como de interesse de preservação na cidade.
O decreto que instaura as Unidades de Interesse de Preservação surge em 1979, mas cai em 1984. Com proteção legal frágil, o que foi mantido naquela época pode ser considerado mérito de técnicos do patrimônio em seu trabalho de corpo a corpo.
Em 1982, a Lei nº 6.337 criou o que ficou conhecido como “Lei do Solo Criado”, que permite a venda de potencial construtivo, ou seja, comercializar o que poderia ser construído na área do imóvel a ser preservado. Existe ainda o desconto no IPTU para UIPs, que vai de 50 a 100%. E em 2016, Curitiba ganha sua lei de tombamento municipal, que prevê uma série de análises até o efetivo tombamento.
Ao longo desse período, pode-se dizer que a população assumiu a importância de manter sua própria memória. “Ela não é apenas arquitetônica, mas inclui o saber fazer, seja a argamassa, o torneado dos gradis, ou seja, o conhecimento aplicado à construção”, defende Marcelo Sutil. “Nesses últimos 40 anos de trabalho podemos dizer que boa parte da população passou a valorizar seu patrimônio.”
Para Sandra Magalhães Corrêa, a arquiteta do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Curitiba é exemplar não só por contar com tais instrumentos legais, mas também por rever essas regulamentações com certa periodicidade.

Muitos desafios para preservar no futuro

Nem tudo são flores na área do patrimônio. Para Fábio Domingos Batista, professor de Teoria e História da Arquitetura na FAE Centro Universitário e da especialização em Patrimônio Histórico da UTFPR, existe um uso excessivo da desapropriação de imóveis por parte da prefeitura mesmo quando estão em uso, o que traria risco de esvaziamento no longo prazo. “Não é feita uma discussão participativa com a sociedade”, critica. Ele também cita a necessidade de reformas que não se restrinjam ao pavimento térreo dos imóveis, comuns no centro da cidade. “Deveria haver incentivo para se ocupar o edifício inteiro nos imóveis de uso misto, pois isso traz mais vida para essas áreas.”
A manutenção da própria Escola de Patrimônio é outro ponto em discussão. Inicialmente fruto de um convênio firmado entre a Fundação Cultural de Curitiba (FCC) e a UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná), em dezembro de 2019, como parte do programa Rosto da Cidade, a parceria tem validade até dezembro de 2023, e não há certeza sobre sua continuidade.
"O convênio foi firmado com a ideia de ter a casa na Praça Garibaldi como espaço para desenvolvimento de um curso de especialização internacional franco-brasileiro. Infelizmente a FCC ocupou as salas destinadas ao curso com uma repartição pública e ele teve que ser acomodado em vários lugares da cidade. Havia também um acordo de intercâmbio de alunos e servidores para atividades educativas na França, mas a FCC enviou somente servidores. Sendo assim, a UTFPR entendeu que não há intenções de apoio a este curso e foi buscar outros parceiros, pois o curso é de vulto internacional, certificado pela ENSA Paris - Belleville e segue com muita procura de pessoas interessadas em se capacitar", conta, em nota, a professora Giceli Portela, da UTFPR. Também por meio de nota, a Fundação Cultural de Curitiba afirma que "apesar de não fazer parte do convênio, a FCC, como forma de contribuição, cedeu espaços como a Capela Santa Maria, o Cine Passeio e o Memorial Paranista para a realização de aulas [do curso de especialização em Patrimônio, Arquitetura e Cultura (PARC)], bem como também apoiou a vinda de alguns professores para a especialização."
À lista, Sandra Magalhães Corrêa, do Iphan, acrescenta regiões com proprietários de diversos imóveis, cujo interesse é a exploração comercial, os que estariam superocupados, caracterizando habitação vulnerável, e outros proprietários, com dificuldade financeira, que não têm condições de manter suas propriedades. “Considero primordial gerar incentivos para a habitação no centro histórico, para que [os imóveis] estejam sempre em uso. Habitar o centro para que ele mantenha a multifuncionalidade que é característica dessas áreas da cidade é manter a qualidade urbana", defende.
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Nota oficial enviada pela Prefeitura de Curitiba
"A Escola de Patrimônio, resultado de um convênio firmado entre a Fundação Cultural de Curitiba e a UTFPR em dezembro de 2019, como parte do programa Rosto da Cidade. Em 2021, cerca de um ano depois, foi criado o curso de especialização em Patrimônio, Arquitetura e Cultura (PARC). Apesar de não fazer parte do convênio, a Fundação Cultural de Curitiba, como forma de contribuir, cedeu espaços como a Capela Santa Maria, o Cine Passeio e o Memorial Paranista para a realização de aulas, bem como também apoiou a vinda de alguns professores para a especialização. O convênio da Escola de Patrimônio com a UTFPR tem validade até dezembro de 2023, mas está sendo discutida sua continuidade."
Nota oficial enviada por Giceli Portela, da UTFPR
"O convênio foi firmado em 2019 com a ideia de ter a casa na Praça Garibaldi como espaço para desenvolvimento de um curso de especialização internacional franco-brasileiro. Infelizmente a FCC ocupou as salas destinadas ao curso com uma repartição pública e o curso teve que ser acomodado em vários lugares da cidade. Havia também um acordo de intercâmbio de alunos e servidores para atividades educativas na França, mas a FCC enviou somente servidores. Sendo assim, a UTFPR entendeu que não há intenções de apoio a este curso e foi buscar outros parceiros, pois o curso é de vulto internacional, certificado pela ENSA Paris - Belleville e segue com muita procura de pessoas interessadas em se capacitar."

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