
Depois do aço e do concreto, a vez da pedra, da argila e dos materiais naturais. Com boa parte das falas retratando a preocupação com o meio ambiente e com os reflexos da prática e das escolhas arquitetônicas sobre ele, os fazeres tradicionais a partir de materiais locais têm sido evocados por diversos dos palestrantes que integram a programação do palco principal do UIA2021RIO, evento que segue até esta quinta-feira (22) de forma 100% digital.
O africano Diébédo Francis Kéré foi o primeiro a exaltar os potenciais da arquitetura construída com técnicas e materiais locais, no domingo (18), no que foi acompanhado pela alemã Anna Heringer e o indiano Bijoy Jain, que palestraram nesta segunda (19) e terça-feira (20), respectivamente.
Residente na Áustria, a arquiteta alemã multipremiada e com trabalhos expostos no Museu de Arte Moderna de Nova York (Moma) é reconhecida por projetos construídos em conjunto com as comunidades onde serão inseridos, como forma de promover a justiça social e a harmonia com a natureza.
"Quando pensamos em fontes de energia alternativas, sempre pensamos em solar, eólica, entre outras. Mas, para mim, a energia humana e o artesanato são uma importante fonte de energia, uma fonte de energia crescente, e podemos utilizá-la, porque todo mundo quer ser útil."

Foi o que aconteceu, por exemplo, no projeto da METI School. Utilizando terra do local para a fundação e bambu, os trabalhadores e até mesmo as crianças contribuíram para a construção da escola, que tem estrutura firme e resistente às intempéries, incluindo chuvas de monções.
"É um material tão inclusivo. Tivemos crianças, pessoas com deficiências, idosos, homens e mulheres trabalhando conosco. E não dá para fazer isso com todo tipo de material, pois alguns demandam ferramentas, outros são tóxicos. Mas com a lama, é uma sensação maravilhosa pôr as mãos neste material, sobretudo mentalmente, pois reduz muito o nível de estresse", avalia a arquiteta. "E, para mim, a lama é a campeã em se tratando de materiais de construção sustentáveis. É o único que você pode catar do chão, reciclar quantas vezes quiser e, sem qualquer perda de qualidade, retorná-la ao solo de onde veio e plantar um jardim em cima", complementa.

O barro também é a principal matéria-prima do projeto assinado pela arquiteta para o edifício Anadaloy, voltado ao atendimento de pessoas portadoras de deficiência em Rudrapur, Bangladesh.
Com um volume que parece dançar sobre o terreno, o prédio é acessível e convidativo à movimentação do corpo e à interação com a estrutura, especialmente no que se refere aos "esconderijos" projetados para as crianças que frequentam o local. Além de todas as qualidades técnicas e de conforto, o prédio ainda apresenta uma estética inusitada, na qual a coloração decorrente da secagem das paredes faz delas únicas.

"Não acredito em uma única estratégia que possa ser aplicada somente a 1/3 da população mundial porque não podem pagar pela tecnologia necessária. Eu acredito que somos um só planeta só, uma humanidade, e só porque talvez, como alemã, eu possa pagar, isso não me dá o direito de consumir mais recursos do que em Bangladesh, por exemplo. Então, ao tomar uma decisão de design, a multiplico na minha cabeça pela população mundial. Pode ser uma decisão pequena. [Mas] o mundo não vai mudar com uma grande decisão, ele vai mudar com muitas decisões pequenas que tomamos, que dão poder a nós para termos um impacto", finaliza.
Mais do que o que é sustentável, o que é local
O arquiteto Bijoy Jain, diretor do Studio Mumbai, sediado na Índia, premiado com a Medalha Alvar Aalto 2020 e com uma menção especial pela Bienal de Arquitetura de Veneza de 2010, também é adepto do uso dos materiais locais nas construções que levam sua assinatura.
Antes do que uma preocupação ambiental, no entanto, para o profissional a opção por eles tem mais a ver com o aproveitamento dos recursos abundantes e da mão de obra disponível localmente. "Não é uma questão de afinidade. Eu poderia usar outros recursos, como robótica e inteligência artificial. Mas isso é mais contextual aquele local, geografia, àquelas pessoas. Estou interessado na questão da antropologia, como embutir essas outras camadas, outros aspectos que não são necessariamente a natureza de se construir prédios", pondera.

Para ilustrar, ele apresenta o projeto de uma casa na qual para a fundação foram utilizadas apenas pedras e argila, sendo ao restante da construção acrescentado os tijolos. Outro exemplo é o do Ganga Maki Textile Studio, em Bhogpur, Índia, uma construção que traz telhado em mármore, material abundante na localidade onde foi erguido, o que faz com que o custo da matéria-prima nobre seja muito baixo no local.
"Há um senso de completo, e não tem nada a ver com sustentabilidade. Tem mais a ver com a natureza em si, em como nós vivemos em um lugar. A comunicação com uma geração que ainda não conhecemos, assim como as gerações que nos antecederam falam conosco hoje. É a ideia de que as coisas podem ser construídas para transferir o espírito, pensamentos", avalia. "A manifestação do projeto é um artefato que vive e respira, que tem algo embutido profundamente em seu DNA", finaliza o arquiteto indiano.