Arquitetura

Recuperação de mobiliário leva Palácio da Alvorada de volta aos anos 1960; entenda

Luciane Belin*
28/12/2018 16:45
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Foto: Wikimedia Commons

Antes mesmo do pedido de retirada das obras de arte com imagens sacras feito pela primeira-dama, Michelle Bolsonaro, o Palácio da Alvorada já vinha sendo preparado para receber o presidente Jair Bolsonaro, empossado na manhã desta terça-feira (1º). Isso porque, antes mesmo de ser conhecido o nome do atual Presidente da República do Brasil, a casa que historicamente abriga o mais alto chefe do executivo nacional já passava por recuperações.
Em um processo iniciado em fevereiro de 2017, o Departamento de Documentação Histórica (DDH) da presidência encabeçou uma Comissão de Curadoria que iniciou uma pesquisa de ambientação original para devolver ao Palácio da Alvorada a decoração e mobília originais, conforme projeto desenvolvido pelo arquiteto Oscar Niemeyer e pela filha dele, Anna Maria, que criou a decoração de alguns dos ambientes e assinou o design de peças e obras de arte que hoje ornamentam a edificação.
As idas e vindas de mais de uma dezena de ocupantes, desde então, bem como a ação do tempo e o clima quente e seco de Brasília fizeram com que o prédio passasse por diversas alterações, principalmente com relação à decoração, e geraram desgastes nas peças que compõem o mobiliário.
A intenção do DDH, com esta nova intervenção, foi a de retornar o espaço a seu aspecto inicial, quando habitado por Juscelino Kubitschek, sem fazer, no entanto, nenhuma alteração estrutural. De acordo com a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), “nenhum ambiente do Palácio passou por restauração neste período. Apenas o mobiliário original foi restaurado para a composição do ambiente do período de inauguração”.
Foto: Antonio Lessa/DDH
Foto: Antonio Lessa/DDH
Segundo o diretor do DDH, Antônio Thomaz Lessa Garcia Junior, um orçamento de aproximadamente R$ 200 mil permitiu a localização e restauração de móveis que já estavam fora de uso há décadas. “Com a restauração, tudo o que estava no palácio não adequado ao projeto original do Niemeyer foi ajustado. Todos os móveis mudaram, praticamente, porque foram restaurados. E nós mudamos tudo de uma vez, restauramos todos os móveis e o palácio amanheceu de um jeito e anoiteceu de outro”, conta.
Levar o Palácio de volta aos anos 1960 era o objetivo da equipe envolvida, desfazendo mudanças que já começaram nos governos que se seguiram ao de Kubitschek, desde os militares até o período de redemocratização.
“A parte de baixo do palácio, que é a cerimonial, estava com uma configuração muito parecida com a que tinha sido deixada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. FHC e dona Ruth adquiriram uma série de peças italianas de altíssima linha. Esses mobiliários são Paladini, Poltronas Maralunga, sofás Ico Magistretti, são mobiliários de alta qualidade, mas que não dialogam propriamente com a arquitetura do palácio. Naquele momento, não houve uma recuperação do patrimônio em termos de mobiliário do Alvorada”, detalha.
Como Niemeyer criou o Palácio da Alvorada acreditando, segundo Lessa, que a decoração faz parte também da arquitetura, as mudanças feitas descaracterizaram a proposta. “A arquitetura leve do Niemeyer, toda de vidro, hoje conversa com os pés altos dos móveis. Eles [Oscar e Anna Maria Niemeyer] nunca desenharam os móveis no chão, todos têm pés altos, característicos dos anos 1950, e os pés são sempre dourados. O palácio ganha leveza, porque como ele não tem colunas internas, quando você olha para os ambientes, vê através dos móveis. Então ele ganha uma leveza e uma organicidade que só teve na década de 1960”.

Mapeamento histórico

Foto: Wikimedia Commons
Foto: Wikimedia Commons
Para a remodelação de mobiliário do Palácio da Alvorada, a Comissão de Curadoria acessou as plantas e o inventário de móveis disponíveis na biblioteca oficial do local. “Nós encontramos todos os projetos da Anna Maria Niemeyer no Arquivo Público do Distrito Federal. Por meio do Instituto Moreira Salles, no Rio de Janeiro, conseguimos as fotografias do período Kubitschek, da inauguração do palácio. Então tivemos um documento vivo, fotográfico, de como era o palácio” explica Lessa.
Depois, a equipe começou a buscar os móveis e iniciou o restauro do que foi encontrado. Neste processo, a comissão contou com o acompanhamento de órgãos como o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e o Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional (Iphan), que determinam os procedimentos para garantir o manuseio adequado das peças, da Coordenação de Engenharia da Presidência da República e do Instituto Federal de Brasília (IFB), especializado em Design, que forneceu a mão de obra para o restauro de boa parte das peças.
“O valor que foi gasto com a intervenção no Palácio da Alvorada foi quase todo com material – couros, mármores, tecidos, madeiras -, pois tudo foi feito nas oficinas da presidência e dos museus públicos, do IFB. Nenhum destes espaços têm custo de mão de obra, são servidores à disposição destes órgãos”, justifica o diretor do DDH.
Foto: Antonio Lessa/DDH
Foto: Antonio Lessa/DDH
Dessa forma foi possível, segundo ele, que a recuperação de peças valiosas como uma mesa projetada pelo próprio Niemeyer e avaliada em R$ 300 mil fosse restaurada com um investimento de cerca de R$ 5 mil. “Se fôssemos pagar o restaurador, custaria 10 vezes mais. Mas, usamos o Instituto Federal de Brasília, então não tivemos o custo humano”.
No total, o diretor do DDH estima que as peças restauradas tenham um valor somado de aproximadamente R$ 3 milhões, embora reforce que seu custo é inestimável. “Quando recuperamos o mobiliário do Palácio, estimamos, numa conta muito superficial, móveis no valor aproximado de 3 milhões de reais. Mas como se trabalha com arte, não se preocupa com valores em si. O Palácio é tombado como Patrimônio da Humanidade pela Unesco, então ele não tem preço. A arquitetura do Niemeyer em Brasília não tem preço”.
Ele exemplifica ainda, que algumas peças históricas não possuem valor estimado, já que foram desenhadas especialmente para o Palácio da Alvorada e dali nunca saíram, enquanto outras vieram de Portugal junto com a família real, em 1808. “Nós temos uma aparelho de jantar que está na sala das mulheres, uma sala de jantar pequena, que pertenceu à princesa Dona Carlota Joaquina, isso não tem preço. Eram louças que ela e o dom João VI usavam. O valor nacional é muito alto, mas é impossível estimar um preço”.

Relíquias históricas

Foto: Antonio Lessa/ DDH
Foto: Antonio Lessa/ DDH
De acordo com a Secom, foram restaurados mesa, aparador, sofás, poltrona, cama de casal, cômoda e criado mudo com design de Anna Maria Niemeyer; escrivaninha de Jorge Zalszupin; poltrona, cadeiras, camas de casal e de solteiro de Sergio Rodrigues; poltronas de Karl Heinz Bergmüeller; e mesas de canto de Florence Knoll.
Entre as obras de arte, duas de Di Cavalcanti – Múmias e Músicos – passaram por procedimentos de conservação. Além desse, há outros exemplos: xilogravuras de Maria Bonomi, pinturas de cavalete, vasos chineses e obras em suporte de papel.
Além das obras restauradas, passaram a integrar os ambientes do Palácio da Alvorada peças doadas por artistas consagrados, como Amilcar de Castro, Juarez Machado, Carlos Zimmermann e Stella Sandrini, cuja somatória de obras agrega um valor estimado de aproximadamente 3 milhões de reais, segundo Lessa.
Foto: Antonio Lessa/DDH
Foto: Antonio Lessa/DDH
“O palácio é contemporâneo ao neoconcretismo, de que o Amilcar de Castro é um grande representante brasileiro, e nós não tínhamos nenhuma obra neoconcreta. A fundação Amilcar de Castro doou uma escultura carranca da década de 1970 avaliada em 1 milhão de reais. A escultura hoje fica na galeria que liga a biblioteca à sala de estar e ela foi colocada com aprovação do Iphan, do Ibram e dos órgãos de cultura que compõem a Comissão de Curadoria”.
Além de incorporar novas peças, a reestruturação de mobiliário do Palácio da Alvorada permitiu o resgate de peças como um sofá que, segundo Lessa, havia sido desmontado e deslocado há anos para a academia de ginástica a Granja do Torto, casa de descanso da presidência. “Estava sem os pés e com as espumas embutidas. Nós não tínhamos ideia do que ele era, identificamos pela dimensão. Como os móveis do Palácio são muito grandes, eles sempre ficam muito grandes para qualquer espaço, porque foram pensados para um ambiente palaciano”, revela.
Depois de identificar a peça, a equipe do DDH visitou a reserva técnica do Palácio da Alvorada, local onde ficam as obras que estão fora de uso, e resgatou as partes restantes da mesma. “Encontramos as molas, encapadas com espuma de ganso, encontramos os estofamentos de latex original e os buracos dos pés. O IFB, especializado em design, recompôs o móvel com a planta original”.

Por dentro do Palácio

Inaugurado em 30 de junho de 1958, o Palácio da Alvorada já passou por restaurações de estrutura em diferentes momentos, sendo que a mais recente aconteceu entre dezembro de 2004 e março de 2006, durante o governo Lula e então sob supervisão do próprio Niemeyer.
Foto: Wikimedia Commons
Foto: Wikimedia Commons
A residência oficial do presidente da república é composta por um subsolo onde está um auditório com capacidade para 30 pessoas, Sala de Jogos, Almoxarifado, Despensa, Cozinha, Lavanderia e a Administração do Palácio. No térreo, estão os salões utilizados pelo Presidente da República para compromissos oficiais de governo e, no primeiro andar, fica a parte residencial do Palácio, onde se encontram quatro suítes e salas íntimas.
De acordo com Lessa, a maior parte do acervo de obras de arte e peças de design pertencente à presidência, cerca de 90%, fica no piso térreo, onde foram feitas as mudanças mais significativas.
Embora não tenha status de museu, o Palácio da Alvorada é uma grande galeria de arte viva. No piso térreo, estão as obras de artistas que já faleceram, enquanto, por política, as obras de artistas ainda vivos ficam na ala íntima do prédio. Para garantir a conservação adequada, o local é supervisionado por diferentes entidades especializadas.
“O Palácio não tem ambiente museológico, mas tem peças museológicas. Então, adotamos condutas de conservação baseadas em protocolos internacionais. Fazemos frequentemente medições de temperatura, evitamos ambientes que não têm temperatura controlada, submetemos obras de arte a avaliações periódicas, temos protocolos de restauração das obras, frequentemente vistoriamos o acervo, existe um mapa e um protocolo de colocação das obras. Isso foi o DDH quem fez”, explica.
Caso o novo presidente e primeira dama decidam realizar alguma alteração, esta deverá se concentrar no segundo andar, na área íntima, e as peças retiradas serão encaminhadas para a reserva técnica do Palácio da Alvorada, um local controlado, com ambientação adequada à garantia de manutenção necessária a cada uma delas.
*Especial para Haus.

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