Modelo multifamily

Arquitetura

Os dilemas da locação

Marcos Kahtalian*
01/09/2023 18:41
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Quase todos os brasileiros passarão em algum momento de suas vidas (às vezes para sempre) pela locação de um imóvel residencial. E quase sempre os locatários entenderão o aluguel como uma situação provisória, até que consigam comprar seu imóvel próprio. À despeito do que possam argumentar em contrário cálculos de retorno bem-intencionados, o imóvel próprio é percebido como fator estabilizador, como segurança, como uma conquista de bem-estar que vai muito além da mera aquisição econômica. Mais que um investimento financeiro, é um investimento de vida.
Grande parte desse sentimento do locatário provém não apenas do histórico instável da economia de nosso país e da ideologia da casa própria, mas da intensa sensação de insegurança que o imóvel alugado gera no locatário. Explico melhor.
Em diversas pesquisas que fazemos, locatários manifestam o desconforto com o fato de saber que num dia podem acordar sabendo que terão que ir embora, findo o contrato, pela decisão de venda do imóvel ou pelo reajuste impagável do aluguel. Além disso, a manutenção do próprio imóvel alugado envolve muitas vezes decisões lentas e negociadas entre as partes. Há depreciação do ativo, mas não dos preços locados, que sempre se reajustam. Sente-se que se “perde dinheiro” alugando um imóvel, e por isso a transitoriedade da opção. Muda-se muito de endereço; nem sempre para melhor.
Para atender essa demanda de locação, de uma forma mais estruturada, é que nos últimos anos vem aumentando no país o número de empresas que passam a ver a locação residencial como um negócio em si, de longo prazo e de grande demanda. São as empresas que se dedicam ao que se costuma chamar de segmento “multifamily”; ou seja: organizações que administram um prédio inteiro de forma profissional, provendo serviços residenciais aos moradores. Estes podem manter a locação no mesmo endereço de forma longa, tendo garantida qualidade de assistência, manutenção, facilidades de cobrança e de serviços ao morador, dispensa de fiadores e outros atributos que são tão criticados por quem aluga. Afinal o condomínio inteiro tem uma administração única, e há interesse do gestor na preservação do negócio. Sai o pequeno proprietário que muitas vezes não investe no imóvel; entra o grande proprietário que busca agregar qualidade na prestação de serviços, como uma forma de fidelizar o morador.
Essa forma de moradia administrada da locação é o principal mercado habitacional, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, um mercado de centenas de bilhões de dólares. Os desenvolvedores, ao invés de vender seus imóveis, decidem ficar com os condomínios, para alugá-los e gerar renda permanente. É o mesmo que fazem investidores individuais, porém agregando uma gestão profissional do prédio, com imóveis mobiliados ou semimobiliados. Esse mercado só não se desenvolveu aqui no país pela ausência de crédito específico para essa produção, e sobretudo pelas altas taxas de juros. Quando, há poucos anos antes, as taxas de juros eram mais baixas, houve um movimento de empresas nessa direção. Agora este movimento inicia uma retomada.
Alguém poderá dizer, com certa ironia, que se trata da mesma coisa que sempre se fez, apenas trocando pequenos poupadores por grandes empresas e que isso não seria garantia segura de melhora para quem aluga. É evidente, claro, que um maior impacto no mercado só se fará sentir quando e se houver maior volume de oferta estruturada. É um longo caminho.
Mas o fato é que justamente para reconfigurar esse setor, e essa percepção frequentemente negativa da locação, que essas empresas de multifamily procuram investir. E esse é um passo importante no mercado.
Afinal a opção de locação ou a necessidade dela, de forma permanente ou transitória, deveria ser encarada como aquilo que é, uma prestação de serviços habitacionais adequada para garantir uma boa moradia para o inquilino. E assim reduzir o sentimento de insegurança e a via crucis que significa para muitas famílias a contratação e permanência de um aluguel residencial. O aluguel não precisaria ser apenas algo passageiro e negativo, mas uma possibilidade de escolha, se assim for o desejo da família.
Não podemos esquecer que, como na compra do imóvel próprio, a primeira necessidade a ser suprida é o sentimento de segurança que um teto confere. Sobretudo num país em que tantos não conseguem ainda ter uma moradia digna, vale pensar em novas formas de atender as famílias, não apenas com a compra, mas também com a locação. É o que podemos esperar do segmento de multifamily, nesse novo ciclo de crescimento.
*Marcos Kahtalian é sócio-fundador da Brain Inteligência Estratégica

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