Turismo arquitetônico

Arquitetura

Rota do Enxaimel (SC) reúne o maior número de casas construídas com a técnica alemã fora da Europa

Monique Portela, especial para HAUS*
28/09/2022 12:41
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Casas com treliças em madeira que sustentam paredes de tijolos aparentes. Quem visita Pomerode, em Santa Catarina, pode experienciar a autêntica e tradicional arquitetura germânica ao longo de um trajeto de 16 km. É a Rota do Enxaimel, itinerário turístico que reúne o maior número de casas construídas com a técnica milenar fora da Europa. Ao todo, são 50 casas em diferentes níveis de preservação, todas tombadas a nível estadual, federal ou municipal.
Utilizada na região até a década de 1930, a técnica construtiva enxaimel usa vigas de madeiras encaixadas e pinos também em madeira para criar a sustentação da casa. Depois, uma massa feita de areia, barro, cal, água e mais três fibras, que na antiga Pomerode geralmente era esterco, crina e rabo de cavalo, assentam os tijolos. O fundamento é feito em pedra bruta, e as casas contam com pé-direito alto e aberturas que permitem a passagem de ar, mantendo-as sempre frescas.
 Na Nugali, fábrica de chocolates que faz parte da Rota do Enxaimel, é possível conferir uma exposição com diferentes tipos de encaixe da técnica enxaimel.
Na Nugali, fábrica de chocolates que faz parte da Rota do Enxaimel, é possível conferir uma exposição com diferentes tipos de encaixe da técnica enxaimel.
Na estrutura, números romanos indicam a sequência da montagem do esqueleto. Tudo pensado para uma necessidade da época: a mobilidade. “A casa é desmontável. Caso meu avô não gostasse daqui, se ele achasse uma colônia melhor, ele desmontava e levava a casa junto”, exemplifica Rogério Siewert, presidente da Associação Rota Enxaimel, que preserva a casa da família construída com a técnica milenar em 1913. “Essa casa foi construída sem pregos, sem ferro, sem cimento, sem energia elétrica, sem combustível e sem dinheiro”, aponta.

Modernização

Para desmontar a casa, os primeiros tijolos da linha são destruídos, para que os próximos sejam retirados à mão, um por um. “Se quiséssemos nos mudar, teríamos que levar a telha, o tijolo e a madeira, fazer nova massa e os pinos”. A casa de Rogério, construída em 1913, foi desmontada em 2015 para a retirada das vigas deterioradas pelo tempo. A reconstrução da casa, que em outras épocas demoraria um ano, demorou apenas três meses. “Cada tijolo que está aqui foi colocado no mesmo lugar”, afirma Rogério.
 Construída em 1913, três gerações da família Siewert moram na casa enxaimel. Na foto, Wendelin, Rogério e Mateus Siewert.
Construída em 1913, três gerações da família Siewert moram na casa enxaimel. Na foto, Wendelin, Rogério e Mateus Siewert.
Antes, a principal madeira utilizada em todas as casas, tanto para a estrutura quanto para o assoalho, era a canela-preta, madeira nativa da Mata Atlântica e que hoje está em extinção. No teto, a madeira era pintada de branco para amplificar a luminosidade em uma época em que não havia energia elétrica. Hoje, as casas que necessitam de restauro trocam a canela-preta pelo araribá, jacarandá e peroba.
 Casa enxaimel antiga, com mais de 100 anos, que não passou por reformas ou remontagem recentes.
Casa enxaimel antiga, com mais de 100 anos, que não passou por reformas ou remontagem recentes.
Durante o trajeto, é possível notar que algumas casas enxaimel têm a fachada tradicional ocultada por reboco. Rogério explica que a prática começou entre os anos 1940 e 1950, quando a técnica tradicional deixou de ser utilizada. Assim, inspirada pelas novas construções, alguns moradores resolveram modernizar a fachada ocultando os traços enxaimel. Mas isso ocorre apenas na frente da casa — basta dar a volta para notar, novamente, os blocos de tijolo e as treliças em madeira.
 Casa enxaimel com fachada em reboco, símbolo de modernização entre os anos 40 e 50.
Casa enxaimel com fachada em reboco, símbolo de modernização entre os anos 40 e 50.

Preservação do enxaimel

Como as casas da Rota do Enxaimel foram tombadas, os proprietários podem restaurá-las, desde que preservem suas principais características. É o caso da Casa da Truta, restaurante situado em uma casa enxaimel datada de 1927 que foi remontada em 2017, e o Rancho Lemke, uma das mais antigas do bairro Testo Alto. Construída em 1875, a casa nunca foi reformada, mas passou por uma pintura recente. Ali, mora a quinta geração da família Lemke, enquanto o rancho ao lado tornou-se um restaurante que serve gastronomia típica alemã.
 A Casa e Rancho Lemke estão entre as construções mais antigas do bairro Testo Alto, em Pomerode. A casa data de 1875, o rancho, afirma o proprietário, é ainda mais antigo.
A Casa e Rancho Lemke estão entre as construções mais antigas do bairro Testo Alto, em Pomerode. A casa data de 1875, o rancho, afirma o proprietário, é ainda mais antigo.
Em frente às casas enxaimel à beira da estrada, um trecho de pavimentação de paralelepípedos quebra a continuidade do asfalto. Isso porque o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) tem como regra que, em frente às casas, é necessário pavimentar com materiais que permitam a permeabilidade do terreno, o que não é o caso do asfalto.
 A Casa Radünz permite que visitantes conheçam uma casa enxaimel por dentro. A construção é de 1932.
A Casa Radünz permite que visitantes conheçam uma casa enxaimel por dentro. A construção é de 1932.
Outra construção de destaque é a Casa Radünz, construída em 1932. Diferentemente das demais casas da rota, que ainda abrigam moradores ou estabelecimentos comerciais, a Casa Radünz tornou-se um museu. É aberta à visitação e preserva em seu interior tanto os móveis quanto a planta típica: sala e quarto na parte da frente da casa, cozinha na parte de trás. No quintal, é possível conferir uma casinha que serve como defumador de carnes, utilizado até hoje pela proprietária Iracema Radünz.
 Atrás da Casa Radünz, um defumador de carnes ainda é utilizado pelos proprietários.
Atrás da Casa Radünz, um defumador de carnes ainda é utilizado pelos proprietários.

Rota do Enxaimel

A Rota do Enxaimel foi criada em 2000 com o objetivo de fomentar o turismo na região, abrangendo restaurantes, hotéis, casas de visitação, campings, trilhas e outros comércios. Mas até 2019, a média anual de turistas girava em torno de 10 mil. Para dar "novo gás" ao projeto, sete moradores se organizaram e criaram, em 2021, a Associação Rota do Enxaimel.
Há um ano, a associação firmou uma parceria com a Viacredi e o Sebrae-SC, que proporcionaram treinamento e qualificação aos microempresários da região. Como resultado, o fluxo de turistas aumentou 10 vezes em Pomerode, atingindo a marca dos 100 mil visitantes. Hoje, a Associação Rota do Enxaimel conta com 26 associados, e reforça seu compromisso com a preservação da história da técnica enxaimel.
*A repórter viajou a convite da Viacredi.

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