Arquitetura

A união entre planejamento e grafite promoveu uma revolução urbana em bairro decadente

André Nunes*
21/09/2017 22:30
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Bairro sombrio de Miami virou polo efervescente de cultura por meio da arte. Crédito: Divulgação

Com o planejamento certo e um objetivo comum que una interesses comerciais e culturais variados é possível dar vida nova a um bairro e gerar experiências únicas que atraiam as pessoas, sem depender tanto do poder público para que isso se torne realidade. É o que aponta o administrador americano Joseph Furst – um dos responsáveis pela renovação do bairro de Wynwood, em Miami, pela qual se tornou referência mundial em revitalização urbana. Ele esteve em Curitiba para duas palestras sobre bairros humanizados, em sua primeira vinda ao Brasil.
Furst é diretor administrativo da Goldman Properties para o distrito de Wynwood, empresa do ramo imobiliário especializada em empreendimentos de renovação urbana desde o final dos anos 1960 (como no Soho, em Nova York). Em passagens pelo Engenho da Inovação, a convite da Agência Curitiba, na noite de terça-feira (19), e pelo auditório da Associação Comercial do Paraná (ACP), na manhã de quarta (20), o americano relatou sua experiência a convite da divisão cultural do Consulado Geral dos Estados Unidos em São Paulo e de seu consultor, Cezar Borsa.
Foram abordadas ainda as relações entre a iniciativa privada do projeto e o poder público, além das formas de engajar comerciantes e a comunidade criativa de Miami a investirem no até então degradado bairro de Wynwood.
“Há dez anos, quem passava pelo Wynwood via um cenário de abandono, prédios erguidos nos anos 1950 e 1960 que pareciam parados no tempo. Hoje, o bairro se transformou no segundo destino turístico mais visitado de Miami por pessoas de todo o mundo. Isso só é possível quando interesses variados se unem em torno de um objetivo comum que não dependa tanto de recursos do poder público para ser realizado”, detalha Furst, que atuou em múltiplas áreas do projeto, desde o desenvolvimento financeiro até o marketing.
Bairro sombrio de Miami virou polo efervescente de cultura por meio da arte. Crédito: Divulgação
Bairro sombrio de Miami virou polo efervescente de cultura por meio da arte. Crédito: Divulgação

Experiências únicas

Entre as características necessárias para o sucesso de um empreendimento como Wynwood, Joseph Furst aponta a necessidade de se atrair comerciantes e pessoas para ocupar os espaços abandonados, utilizando incentivos fiscais e até mesmo cedendo espaços, num primeiro momento. “Fizemos isso, por exemplo, com o coworking que se instalou em Wynwood e com os primeiros cafés e padarias. Ao investir para atrair o comércio ao local, nos tornamos sócios de seus empreendimentos. E a escolha não foi aleatória: tinham que ser os melhores naquilo que ofereciam”, aponta o administrador.
“Os consumidores americanos, e acredito que também os brasileiros, não saem mais de casa para compras básicas. Tudo é feito online e entregue a domicílio. Para alguém sair de casa, é preciso que seja para ir a um local atrativo que proporcione experiências únicas. Da mesma forma, não podemos pensar em ocupar espaços comerciais da mesma maneira que vinha sendo feito até 20 anos atrás. As cidades estão em constante evolução”, pontua.

Graffiti e identificação local

Uma das armas para transformar Wynwood e levá-la de um cenário sinistro a um polo efervescente de cultura foi a arte de rua de centenas de artistas que transformaram, e continuam transformando diariamente, a fisionomia antes deprimente das ruas. Furst garante que a identificação com a cultura local é fundamental no processo de revitalização de uma área urbana.
“É preciso ser autêntico com a identidade do bairro. No caso de Wynwood, usamos a arte urbana como maneira de expressão, não apenas nos murais, mas também nas sinalizações de trânsito. Em 2009, juntando esses elementos e buscando autenticidade, criamos o projeto Wynwood Walls, que justamente celebra o graffiti e é um dos pontos mais visitados da cidade”, afirma.
Entre as obras, há trabalhos dos brasileiros OSGEMEOS e Eduardo Kobra.

Confira outros pontos da entrevista exclusiva que Joseph Furst concedeu para  HAUS

Como foi a relação entre o poder público e a iniciativa privada no projeto em Wynwood?
Essa é a pergunta mais frequente que me fazem sobre o projeto. Nos Estados Unidos, as coisas acontecem de um jeito peculiar. Em Wynwood, particularmente, o poder público e a administração municipal se envolveram apenas na questão legal, do zoneamento do bairro, de forma que fosse possível realizarmos a revitalização dos prédios e a atração do comércio e de atividades culturais para lá. Isso levou três anos para acontecer. Infelizmente, ou felizmente para o projeto, pode-se dizer que ninguém ligava muito para a região de Wynwood, por isso não tivemos muitas dificuldades burocráticas.
Todo o desenvolvimento do projeto partiu da iniciativa privada, encabeçado pela Goldman Properties, unindo as associações de moradores e comerciantes em torno de um objetivo comum que pudesse convergir os esforços e transformá-lo em realidade. Com isso, transformamos um lugar cinza e desolado em um bairro vivo e vibrante, em constante modificação.
Obviamente, nós dependemos de serviços públicos, como segurança, limpeza e transporte, mas tentamos oferecer ao máximo as nossas próprias soluções inovadoras para essas questões, tendo como base também os impostos e receitas gerados em Wynwood.
Como conseguiu engajar a comunidade criativa para abraçar o projeto?
O cenário de Wynwood era bem simples, independente do que cada iniciativa quisesse realizar, tentamos atrair para o local os melhores e únicos em suas áreas de atuação, setor a setor, como padarias, cafés, restaurantes, food trucks e espaços de coworking. Acreditamos que é preciso criar experiências únicas aos consumidores para atraí-los aos locais, já que muitos serviços que antes ocupavam espaços físicos nas cidades, hoje são adquiridos online. O americano dificilmente sai de casa para comprar algo se pode fazê-lo pela internet e receber a entrega, no máximo, no dia seguinte. Por isso, criar esse senso se experiência com o bairro é importante para não só revitalizar uma área, mas mantê-la ativa e viva, em permanente transformação.
O mesmo em relação à arte urbana e ao graffiti. No início dos anos 2000, as galerias urbanas e estúdios de arte começaram a dar espaço ao graffitti e aos murais. Começamos com três ou quatro artistas locais, de Miami, que pintaram murais de alta qualidade. O projeto Wynwood Walls celebra o graffiti desde sua criação, em 2009. Hoje, é um dos pontos mais visitados de Miami por pessoas de todo o mundo. Nossa missão é que o bairro seja referência mundial em inovação, inclusão, artes e cultura.
Existe uma cultura nos Estados Unidos em renovar bairros degradados e periferias ou é algo que vem sendo estimulado ao longo dos anos?
Nos últimos vinte anos, temos visto um crescimento das grandes cidades americanas e um processo em que “o que é velho é novo”, “o que é datado é descolado”. Além disso, muitas pessoas estão voltando a produzir trabalhos feitos a mão. Acredito que é um processo de renovação e mudança que só tende progredir conforme a geração de millenials for envelhecendo e tendo seus filhos.
Espero que essa nova geração tenha ainda mais familiaridade e ligação com o conceito de cidades e bairros renovados que estamos criando agora, assim como com as experiências únicas proporcionadas por esses ambientes.

*Especial para a Gazeta do Povo.

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