A casa do Rio Vermelho

Decoração

Antigo lar de Jorge Amado e Zélia Gattai é um mergulho na cultura baiana

Luciane Belin, especial para HAUS
16/02/2023 19:08
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Casa de Jorge Amado e Zelia Gattai em Salvador: um memorial de arte e história | Luciane Belin

O que Tom Jobim, Pablo Neruda, Jack Nicholson e Simone de Beauvoir têm em comum? Todos eles já se hospedaram no mesmo lugar: o quarto de visitas da Casa do Rio Vermelho, em Salvador, que por quase 40 anos foi o lar dos escritores Jorge Amado e Zélia Gattai.
Hoje um memorial em referência e homenagem à vida e história do casal, a casa foi e é um verdadeiro caldeirão cultural que mistura obras de artistas baianos, brasileiros e internacionais. Ali, é possível visitar cada cômodo, conhecer a história da família Amado, assistir a depoimentos e leituras de trechos dos livros dos dois autores e passar horas observando as cerca de 3 mil peças expostas.
Espaços recebem visitantes de todo o país
Espaços recebem visitantes de todo o país
Artistas, amigos e celebridades passaram pelo quarto de hóspedes da casa do Rio Vermelho
Artistas, amigos e celebridades passaram pelo quarto de hóspedes da casa do Rio Vermelho
Além de artesanato originário de diferentes regiões do Brasil e do mundo, a decoração da casa é composta também por móveis, painéis, quadros e esculturas assinadas por importantes artistas e designers que presenteavam ou visitavam o casal. Tudo muito colorido e repleto de brasilidade.
A casa foi dividida em vários espaços, mantendo sempre as características originais, o acervo e documentos importantes, como cartas trocadas com personalidades nacionais e internacionais
A casa foi dividida em vários espaços, mantendo sempre as características originais, o acervo e documentos importantes, como cartas trocadas com personalidades nacionais e internacionais

Cada cômodo, uma história

É impossível conhecer a história da Casa do Rio Vermelho em apenas uma visita. O espaço conta com acesso ao bosque, sala de visitas, biblioteca, duas cozinhas, quarto de hóspedes, suíte do casal e à varanda onde estão expostos centenas de itens de todos os tipos de tamanhos, muitos deles presentes enviados à família.
Objetos colecionados por uma vida inteira estão em exposição.
Objetos colecionados por uma vida inteira estão em exposição.
Peças como uma das máquinas de escrever utilizadas pelo escritor, óculos, manuscritos e muitos livros vão compondo os ambientes com afeto e história. Sapos de cerâmica também estão por toda a parte. “Jorge gostava muito de animais e dizia que cada pessoa tem um animal -- o dele era o sapo. Uma vez ele contou numa entrevista que gostava de sapos e aí as pessoas começaram a presenteá-lo com miniaturas. Um dia, ele procurou meu pai e disse ‘eu não aguento mais sapo, por que todo mundo me dá sapo?’” recorda Maria João Amado, neta de Jorge e Zélia e uma das responsáveis pelo Museu Casa.

Arte como matéria-prima…

Portas de ferro assinadas pelo artista Mário Cravo
Portas de ferro assinadas pelo artista Mário Cravo
Na dissertação de mestrado escrita sobre a participação de Zélia Gattai na composição do museu, a pesquisadora Milena de Jesus Santos cita os destaques da arquitetura do imóvel. A grande grade de ferro da varanda, assinada por Mário Cravo, a porta de vidro e os basculantes do banheiro do quarto do casal pintados por Jenner Augusto e os móveis da sala projetados pelo arquiteto russo Lev Smarcevscki são alguns.
O quarto onde dormiam Jorge Amado e Zélia Gattai, espaço chamado de “Amores e amantes amadianos”, recebe projeções de personagens do autor ilustrados em obras de artistas como Calazans Neto, Carybé e Floriano Teixeira.
O quarto onde dormiam Jorge Amado e Zélia Gattai, espaço chamado de “Amores e amantes amadianos”, recebe projeções de personagens do autor ilustrados em obras de artistas como Calazans Neto, Carybé e Floriano Teixeira.
Outra participação marcante na casa é a do artista multidisciplinar argentino naturalizado brasileiro Hector Julio Páride Bernabó, o Carybé. A pesquisadora cita que o pintor e escultor contribuiu de diversas maneiras: “desenhou as portas vazadas de madeira, ainda presentes nos ambientes (sala principal, bar e biblioteca), forjou o portão de ferro com figuras que separam as varandas, produziu dois conjuntos de azulejos ilustrados com representações de Oxum e armas de Oxóssi [orixás de Jorge e de Zélia] e outro com frutas e bichos que enfeitam a parede da entrada da casa e do bar; também sugeriu e desenhou nas vigas retas uma cabeça de pássaro”.
Motivos dos Orixás de Jorge e Zélia, Oxóssi e Oxum, são marca registrada da casa do escritor que, como deputado, trabalhou pelo direito à liberdade religiosa
Motivos dos Orixás de Jorge e Zélia, Oxóssi e Oxum, são marca registrada da casa do escritor que, como deputado, trabalhou pelo direito à liberdade religiosa
Maria João Amado conta que a casa tem contribuição de praticamente todos os artistas baianos conhecidos dos anos 1960 e 1970, seja artística, seja arquitetônica. “A sereia no topo da sala que é muito admirada por quem visita, por exemplo, é de Mario Cravo. As portas da casa foram um projeto especial do Carybé para serem montadas sem pregos, somente com encaixe, e pensadas para vazar iluminação e ventilação. E o piso com mosaicos de azulejo foi uma sugestão da arquiteta Lina Bo Bardi”, complementa.
Sereia que voa? Tem, sim senhor. Casa reflete o imaginário mágico de Jorge e Zélia
Sereia que voa? Tem, sim senhor. Casa reflete o imaginário mágico de Jorge e Zélia
Piso de pedaços quebrados de cerâmica: hoje um clássico da arquitetura brasileira, mas na casa de Jorge e Zélia, foram ideia de Lina Bo Bardi
Piso de pedaços quebrados de cerâmica: hoje um clássico da arquitetura brasileira, mas na casa de Jorge e Zélia, foram ideia de Lina Bo Bardi

… e como produto

A própria compra da Casa do Rio Vermelho é produto da arte. A compra foi feita pelo casal com o dinheiro obtido com a venda dos direitos de filmagem do livro "Gabriela, Cravo e Canela" para a Metro-Goldwyn-Mayer, em 1961. Depois, virou tema de um livro de Zélia Gattai, que se chama, inclusive, “A Casa do Rio Vermelho”.
 “Os amados sabores de Jorge” é a cozinha que simboliza a paixão do escritor pela gastronomia brasileira, especialmente a baiana.
“Os amados sabores de Jorge” é a cozinha que simboliza a paixão do escritor pela gastronomia brasileira, especialmente a baiana.
Antes, a residência pertencia ao pianista alemão Sebastian Benda. “Zélia contava que o pianista chamava a residência de Casa Sonata, e achava lindo aquilo. Depois de um tempo, recebemos a visita dos filhos e da viúva desse pianista no museu e eles nos contaram que, na verdade, a casa se chamava Fermata, que é uma palavra italiana para o símbolo que indica a pausa entre os sons em uma partitura. É igualmente lindo, acho que ela ia amar conhecer essa história”, conta Maria João.
Assim como “Os amados sabores de Jorge”, a “Cozinha de Dona Flor” foi preparada por Paloma Amado, filha do casal de escritores e autora do livro “A comida baiana de Jorge Amado”.
Assim como “Os amados sabores de Jorge”, a “Cozinha de Dona Flor” foi preparada por Paloma Amado, filha do casal de escritores e autora do livro “A comida baiana de Jorge Amado”.
Localizada na Rua Alagoinhas, 33, a Casa do Rio Vermelho tem este nome em referência ao bairro onde se situa, um dos mais agitados da capital baiana. Jorge e Zélia viveram juntos no local entre 1963 e 2001, quando Amado faleceu. Zélia, por sua vez, continuou ali até 2003 e faleceu cinco anos depois, em 2008.
Antes que a família se mudasse para o novo endereço, a construção passou por uma reforma assinada pelo arquiteto baiano Gilberbet Chaves. Depois, o imóvel foi reformado pela Prefeitura de Salvador, numa intervenção que contou com as participações da Fundação Casa de Jorge Amado, da família do casal e do arquiteto e cenógrafo Gringo Cardia, responsável pela curadoria do museu, inaugurado em 2015.
Onde antes havia uma piscina está o “Lago dos sapos”, uma espécie de ranário, com sapos e rãs que tanto fascinavam o escritor
Onde antes havia uma piscina está o “Lago dos sapos”, uma espécie de ranário, com sapos e rãs que tanto fascinavam o escritor
Instalada em um terreno de mais de 2 mil metros quadrados, a construção divide espaço com um bosque com 22 espécies de plantas, recém-catalogadas por uma equipe de biólogos da Universidade Federal da Bahia. É ali, também, que descansam Zélia e Jorge: as cinzas de ambos foram depositadas no jardim, próximo ao banco onde costumavam sentar-se para conversar, sob a sombra de uma mangueira.

Serviço

A Casa do Rio Vermelho fica na Rua Alagoinhas, 33, em Salvador, e pode ser visitada de terça-feira a domingo, das 10h às 18h (entrada até às 17h). Os ingressos custam R$ 20,00 inteira e R$ 10,00 meia, com entrada gratuita nas quartas-feiras.

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