Decoração

O estilista Ronaldo Fraga desvenda o morar brasileiro

Bruna Covacci
19/03/2016 01:00
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Foto: Antônio More/Gazeta do Povo.

Perfil
O estilista mineiro Ronaldo Fraga, 49 anos, vem revelando o Brasil aos brasileiros desde que estreou nas passarelas, em 1996. Para desenvolver suas coleções, praticamente já conheceu do Oiapoque ao Chuí. Ele acredita que a moda o tornou uma pessoa mais interessante, já que foi o seu trabalho que o levou a diversos cantos, desde um passeio de três meses pelo Rio São Francisco, até o Vale do Jequitinhonha e o agreste Pernambucano. Essa experiência também trouxe muita bagagem para falar da casa dos brasileiros e até da forma de receber em cada cantinho do país: dos nordestinos que, segundo ele, logo o convidam para entrar, aos sulistas, que também mostram sua afetividade. Defensor de que moda, arte e decoração são complementares, ele leva moda para dentro de casa e arte para as suas roupas.
Você sempre fala sobre a escolha da roupa e o quanto ela pode dizer sobre a pessoa. Como isso funciona na decoração da casa?
Tem uma essência na decoração que cria uma conexão, um diálogo muito estreito, entre ela, moda e gastronomia. Embora tenham suportes diferentes de timing e de produção, todas elas funcionam como a escrita pessoal e de um grupo, consequentemente a de um país. Tudo isso está relacionado a um tempo. Se você consegue entender a evolução da humanidade por meio do vestir, da mesma forma você consegue por meio do morar.
Então o morar reflete as mudanças sociais?
Quando eu comecei, na década de 1990, falar em trazer para a moda inspirações brasileiras era motivo de piada. Diziam que o que eu fazia era coisa de carnavalesco. Você não via em nenhuma revista de decoração arte popular brasileira ou materiais nacionais. O chique era trazer para a sua casa o espírito milanês. E quando você vê hoje na capa das principais revistas o morar brasileiro, ou programas de televisão que mostram a utilização de matérias e materiais nacionais ligados a determinada região, é um grande avanço que reflete o momento em que vivemos. Decorrente do fast-fashion, principalmente.
Você defende que o handmade é o novo luxo?
Antigamente o artesanato era visto como coisa de pobre, comprado para ajudar pessoas pobres e que ficava guardado na área de serviço. Hoje, não. Esse produto tem lugar na sala principal e virou sinal de personalidade e identidade. As pessoas não se assustam mais quando você traz o Brasil para o seu dia a dia.
Mas não é todo mundo que tem essa visão.
Pois é. No mundo maravilhoso do Ronaldo realmente as pessoas estão trazendo o Brasil para a sua casa. E é uma verdade se comparado à antigamente. Mas a grande maioria ainda está de olho na casa milanesa. É com muita tristeza que eu vejo esse padrão de blindex verde e porcelanato branco. Ele domina a estética do Rio Grande do Sul até a Região Norte.
Você considera uma casa um elemento vivo?
A casa é uma célula viva que retrata a história de quem mora lá. Da mesma forma que uma pessoa pode resolver raspar o cabelo ou decidir largar o roxo para usar o laranja querendo mudar de ares, uma simples pintura numa parede muda todo o astral do ambiente. Agora, a maioria das pessoas não enxerga o poder que a decoração tem nessa direção. Tem gente que deixa o sofá no mesmo lugar por 30 anos.
E a sua casa em Belo Horizonte, o que tem de Ronaldo?
Compramos essa casa em 2001. Entramos agora com um processo de tombamento, pois trata-se de uma construção Art Déco de 1930, que tem sua formação muito ligada com a história de Belo Horizonte. Nós a restauramos e hoje ela tem a mesma aparência de quando ficou pronta, em 1935. É uma região em que viveram Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade e Noel Rosa, só para citar alguns. Quando entrei lá sabia que era onde eu queria morar. Ela tem cheiro de história. Para mim, a memória dentro de casa tem extrema importância, ou se torna um projeto da Casa Cor: o decorador entra e coloca todos os objetos. Até a foto do porta-retrato, se deixar, é de uma modelo.
Qual é a memória que você traz para casa?
A do país e dos lugares que viajei. Eu sou um colecionador de arte popular brasileira e eu adoro projetar isso para outro lugar. Gosto de muitos artistas brasileiros, em cada lugar que eu vou trago alguma coisa. Agora estou fazendo uma coleção de lustres de escama de peixe e os protótipos já estão iluminando minha casa.
E o comportamento pré-coleções de SPFW?
As coleções, principalmente as etnográficas, em que eu viajei para o lugar e de lá trouxe alguma coisa sempre vão deixar vestígios, como um quadro ou um objeto que eu fiz questão de trazer. Outra coisa é a música, a trilha que vai ser do desfile e todas as músicas relacionadas ao tema são tocadas à exaustão.
Qual a relação dos seus filhos com a casa?
Quando nós a compramos o principal motivo foi a memória afetiva. E ela é definida pelo que se come, a forma com que se come, pelo que se veste, a forma como você mora e a música que se toca. Estávamos criando algo para ser muito rico para a memória dos meninos, Ludovico, de 13 anos, e Graciliano, de 11. Um deles foi bebê para a casa e o outro com três anos. Eles são apaixonados pelo lugar que moramos. Acho que agora estamos num estágio de mudança porque devemos construir uma nova casa. Mas jamais abriremos mão da outra.

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