O design contemporâneo brasileiro, aquele mais focado na criação de móveis e utensílios para casa, despontou como coisa séria no final da década de 1980, quando começaram a borbulhar produções revigorantes dos irmãos Campana e da Claudia Moreira Salles, por exemplo, três dos profissionais mais celebrados do país, que foram para além do que fazia a turma moderna, de ícones como Joaquim Tenreiro, Sergio Rodrigues e Jorge Zalszupin.

Em 2022 a cena contemporânea tupiniquim está ainda mais madura, ousada e múltipla, sendo admirada pelo mundo todo por sua bossa, que, além de propor soluções e funcionalidades, hoje também pode ser arte, ferramenta de transformação da realidade de comunidades que vivem à margem e até denúncia.

A fim de mostrar esse patchwork da produção contemporânea do design verde e amarelo, HAUS selecionou quatro designers de Curitiba ou radicados na região que têm criações respeitadas a nível internacional, e que representam os principais talentos de hoje. Mas, para também dar voz aos designers em ascensão, a reportagem pediu que cada um dos estúdios veteranos elegesse um profissional ou escritório jovem que, na opinião deles, será o futuro do design nacional. Confira!

O ateliê de design de mobiliário é conduzido pela designer e arquiteta Julyana Hilgenstieler, 34 anos, nascida em São Bento do Sul e radicada em Curitiba há 15 anos, e a arquiteta Nicole Liz de Carvalho Salvatierra, 27 anos, natural da capital paranaense. O nome do estúdio vem da junção de uma das sílabas comuns aos sobrenomes das profissionais (HilgensTIEler e SalvaTIErra), que é Tiie: “A molécula que nos une no propósito de fazer um design autêntico e acolhedor, criando peças com sensibilidade e que contem histórias”.

Em apenas dois anos e meio de existência sob esse nome, a dupla feminina já é conhecida por peças minimalistas e contemporâneas, que despertam memórias e geram identificação com os usuários. Sempre valorizando os materiais em suas conformações mais próximas do natural, destacando as texturas e cores de origem. O ateliê se aliou à indústria e a grandes marcas, como a Tok&Stok, para desenvolver mobiliários em escala, mas que ainda tivessem o cuidado com o detalhe. Para 2023, prometem novas experimentações com materiais inabituais nas suas criações, como vidro e corda náutica.

O artista visual têxtil nasceu na cidade de São Paulo, mas vive em Curitiba desde que tinha 14 anos. Formado em Informática, Cinema e Design de Interiores, desde 2019 Alex se dedica exclusivamente à tapeçaria e à experimentação têxtil, depois que começou a bordar e acabou se apaixonando pelo processo. Ao longo desses últimos anos, criou peças de diferentes texturas e acabamentos e expôs em feiras importantes. Recentemente, criou um painel com 13 metros de comprimento por 2,30 metros de altura no showroom da Colormix, na Alameda Gabriel Monteiro, durante a Semana de Design de São Paulo, a DW! 2022, em um mix inédito de tapeçarias assimétricas com mármores, brincando com o quente e o frio, a maciez e a rigidez, o delicado e o bruto, o leve e o pesado, a sombra e a luz.

A obra surge de descobertas pessoais de Rocca a respeito das características da arquitetura, da arte e do design africanos, dialogando com o movimento afrofuturista, que utiliza narrativas de ficção para projetar um amanhã de protagonismo negro. Outro trabalho de destaque e atual é uma de suas tapeçarias que vestiu a atriz Taís Araújo em uma produção de capa para a revista Bazaar Brasil. A aposta do artista é o escritório Tiie Design, com o qual lançou uma coleção de mobiliário durante a última Mercado Arte Design, a MADE, em São Paulo.

A fotógrafa e designer gráfica curitibana Fernanda Pompermayer, 29 anos, é a mente criativa por trás do estúdio que agora tem sua base em Perdizes, São Paulo. Há apenas dois anos decidiu se aventurar pela cerâmica em razão da pandemia, que não permitiu que ela retornasse para a Europa, onde morava havia três anos. “Foi só em 2020 que iniciei na cerâmica, quando eu tive vontade de explorar o mundo material. Começou com pratos e foi para vasos, luminárias, mesinha lateral, mesa de centro, banquinho etc”, confidencia a artista.  Desde então, cria objetos sem moldes e sem regras. São produtos coloridos, geralmente em tom pastel de rosa e laranja, pintados com a técnica japonesa nerikomi, um processo manual de modelagem, separação e coloração da argila.

“Dentro do meu ateliê estou sempre flertando entre utilitário e escultórico, é um processo experimental onde eu testo limites do material. Dentro da minha prática eu exploro a colagem, que é algo que sempre esteve presente independentemente da interface que estou atuando. Criar formas, cores, texturas sempre foi algo que me motivou, passar isso para cerâmica é sempre uma surpresa, nunca sei exatamente o que vai sair do forno”, resume. Ela acaba de voltar de uma exposição em Nova York, onde teve 50 peças expostas em uma casa galeria.

Paulista radicado no Paraná, o arquiteto e designer é aclamado por conferir formas atemporais à madeira e às pedras naturais, e conceber produtos bem resolvidos de linhas simples e elegantes. Garcia já foi eleito pela Wallpaper um dos 20 melhores escritórios de arquitetura em ascensão do mundo e integra também a seleta lista do Design Milk dos melhores estúdios que representam o design brasileiro na atualidade.

Ele já colaborou com o escritório de Marcelo Rosenbaum e com o escritório do premiado Isay Weinfeld. Suas últimas criações são os bancos Simples, que, como o próprio nome diz, partem de linhas puras, mas que se diferenciam pela altura e orientação do assento. Os dois modelos são compostos por três pés de madeira maciça torneados com acabamento em meia-esfera e assento de madeira macia com bordas arredondadas. O mais baixo tem a face arredondada para cima, que sugere descontração por estar perto do chão. O outro, com a face plana para cima, convida a sentar, mas também pode ser utilizado como mesa de apoio, trazendo a versatilidade do móvel contemporâneo.

Outra concepção recente do designer é a coleção Rituais, um conjunto de 10 objetos monolíticos do dia a dia, como vasos, incensários, castiçais, pesos de papel e aparadores de livros, todos produzidos a partir de símbolos que se mantém desde os rituais dos povos tradicionais e originários. O objetivo é resgatar os rituais domésticos para parar, observar, criar tempo, conectar-se com o íntimo, experimentar a clareza e silêncio do mergulho em si mesmo. Os objetos são feitos de mármore e exploram processos de cortes, intersecções, subtrações sobre a elementaridade da esfera, guiados pelas formas, proporções e expressões dos materiais. A indicação de Garcia vai para o Studio Rocha, da jovem talentosa Fernanda Pompermayer.

Natural de Antonina, no litoral do Paraná, Marcel Fernandes é o artista que assina peças contemporâneas em cerâmica de alta temperatura. A pequena produção resgata o fazer artesanal, resultando em peças únicas e afetivas, para quem busca exclusividade e identidade. Antes de se dedicar exclusivamente à arte, Marcel trabalhou por 14 anos na administração financeira de portos. Sua pesquisa busca abarcar as mais diversas possibilidades de utilização da argila. “Por isso, aqui experimento muito, não somente por meios sensíveis, como a cerâmica, poesia ou a fotografia, mas através de formas racionais de se entender a matéria: composição química, elementos, fórmulas e referências técnico/científicas”, explica o artista. Atualmente ele está desenvolvendo peças utilizando um mineral ígneo que existe em Antonina, chamado pegmatito.

“O pegmatito é uma rocha ígnea intrusiva, ou seja, o magma se solidifica no interior da Terra e durante sua formação o arrefecimento é muito lento, permitindo o crescimento de minerais mais puros. Além, da utilização desse mineral na composição da massa cerâmica e também na esmaltação das peças, tenho iniciado uma pesquisa com argilas locais, buscando fortalecer essa conexão com o lugar onde moro, através de sua paisagem e materialidades. Inclusive, uma das peças resultantes de pesquisa com materiais locais, no caso uma com pó de ostras, integra a coleção do Rosewood São Paulo, na Cidade Matarazzo”, conclui.

A designer de produto paranaense tem como alma do seu estúdio a junção do design com o artesanato e como essa união pode favorecer a economia local e a valorização cultural do Brasil. Por isso, Ana trabalha apenas com mão de obra local e de pequeno porte, produzindo as peças de forma artesanal. Um de seus trabalhos mais recentes é com mulheres artesãs de Cerro Azul que dominam o trabalho manual com a fibra do milho – supergostosa, macia e leve de pegar e olhar – na Coleção Calma, linha de vasos utilitários e esculturais.

“O conceito foi inspirado no formato da montanha, do morro, que são locais sinônimos de calma, de solitute. São peças separadas que, quando se juntam, representam esse complexo maior”, explica. E agora a designer explora o vime com cinco artesãos de Santa Felicidade, em Curitiba. A matéria-prima de qualidade vem de Santa Catarina e até do Chile, e ganha vida como poltrona com estrutura de alumínio, vasos escultóricos e luminárias. A ideia surgiu da relação da designer com o vime, que está presente na família desde a vinda de seus antepassados da Itália, que trouxeram grandes cestos produzidos com o material da Europa. Ana indica como ateliê para ficar de olho o Studio Marcel Fernandes.

O estúdio de marketing e design foi fundado há apenas um ano por Michele Farran, 33 anos, natural de São Paulo e radicada em Curitiba desde os 7 anos de idade. Michele é formada em Cinema, estudou Moda e depois se encontrou no Design.

“A nossa linguagem é altamente adaptativa. Temos clientes das mais diversas vertentes e temos que encontrar a voz adequada para cada um deles. Eu acredito que ser designer, ainda mais nesse mundo tão acelerado como é o digital, é encontrar a voz certa para a personalidade de cada marca. A Cidadã, como marca em si, é poética, mas é clara. Temos uma visão forte de onde queremos chegar e quem somos hoje. Temos valores fortes e temos a certeza que crescer junto com nossos parceiros é muito melhor do que crescer sozinho”, conta Michele.

A Cidadã tem muitos projetos atualmente em desenvolvimento, como uma série em vídeo com a Dsgnselo, que será lançada em novembro, que aborda a relação do artista e designer com seu ambiente de trabalho, e o projeto da loja do MON com a Ôda Design, criando um diálogo entre peças da curadoria Ôda e catálogos que estão à venda no MON.

A marca brasileira de artigos de iluminação foi criada pelo designer Alberth Murta depois de uma longa vivência no mundo da moda. Com sede em Curitiba, a empresa dialoga com diversas influências para apresentar produtos elegantes, leves e despretensiosos a partir de processos de pesquisa técnica e conexão humana, característica que traz muito significado para as criações. Entre suas últimas linhas de luminárias decorativas, está a coleção Rito, inspirada no sincretismo estético mineiro, que tem Inhotim, o maior museu a céu aberto do mundo de arte contemporânea, e, ao lado, as cidades históricas com icônicas igrejas barrocas.

“O resultado é uma coleção que conversa com um universo onírico, diverso em referenciais ritualísticas, mas com uma linguagem contemporânea”, descreve Murta, salientando que, pela primeira vez, a marca deixa o minimalismo para trazer uma linha cênica, permeada por elementos simbólicos, oscilando pelo universo das formas arredondadas, cônicas e curvas, indo além do preto e branco, com sálvia, porcelana e cerâmica. A indicação de talento de Murta vai para o estúdio Cidadã, uma boutique de marketing e design originária de Curitiba, mas presente também em São Paulo, em Portugal e na Espanha.