Entrevista

Design

Marca curitibana exalta e impulsiona a arte e o design brasileiro e manual

Nathalie Oda, especial para HAUS
23/01/2023 19:50
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A curadoria de Ticiana Martinez, com foco no respeito pelos materiais, pelos artistas brasileiros e pelas técnicas, estimula o mercado de design curitibano. | Ricardo Perini

Um ponto de conexão, de conhecimento e de criação, a Ôda Design é espaço em Curitiba para estimular o “olhar de design e arte”, como sugere a sigla em seu nome. Ticiana Martinez é sócia-fundadora, responsável pela curadoria dos itens expostos e, desde 2016, mantém na cidade um local que reúne todas as vertentes do design, com DNA 100% brasileiro.
Administradora por formação, a empresária hoje representa muito do desenvolvimento do design curitibano e da transformação do segmento desde a abertura da loja. Com uma percepção apurada para o novo, para o belo e para o disruptivo, a curadora aposta no negócio como uma forma de fomentar o mercado e disseminar a paixão pela arte. Na marca, a valorização da manualidade e o reconhecimento da produção brasileira andam lado a lado com a conexão de todas as pontas do negócio, do cliente ao artista. Esse elo é o reflexo da identidade da idealizadora, que traz referências de vivências e experiências próprias, enraizadas em seu olhar.

Como começou sua relação com o design?

Eu acho que não só o design, mas as artes se comunicam e se conversam. Sempre que as pessoas perguntam quais as minhas inspirações e referências para fazer a curadoria, eu digo que me inspiro muito na música, na literatura e em lugares que às vezes não são tão óbvios, mas nos levam àquele lugar do olhar, da beleza, fora as questões técnicas. Eu tenho um repertório dentro da minha casa, dentro da minha família, que é voltado à arte, ao design e à moda. A minha mãe é formada em Jornalismo, mas sempre gostou desse universo, eu nasci imbuída nesse lugar onde essas expressões eram muito latentes.
Comecei a pesquisar em 2014 sobre esse universo do design brasileiro, desse trabalho manual vindo genuinamente com a manualidade do Brasil. Incomodava-me um pouco a questão dos importados e a falta de procedência que esses produtos tinham. Eu estava também vivendo uma fase de procura pelo meu apartamento, a minha nova casa.
Quando eu procurava esse tipo de trabalho, eu não encontrava em um lugar só. Em São Paulo, já existiam lugares assim. Eu percebi essa lacuna de oportunidade aqui em Curitiba e, em 2014, eu comecei a pesquisar e entender quem seriam os artistas com quem eu iria trabalhar e de que maneira eu iria montar esse projeto. Em 2016, abri a loja.
Sócia-fundadora da Ôda Design, Ticiana Martinez apresenta curadoria de design desde 2016.
Sócia-fundadora da Ôda Design, Ticiana Martinez apresenta curadoria de design desde 2016.

Como foi o seu processo de desenvolvimento para ampliar o olhar para essas inspirações e possibilidades do dia a dia?

Primeiramente, esse repertório que vem da infância e, depois, essa necessidade pessoal de pesquisar muito o mercado. Além de viajar para conhecer marcas, trabalhos, pessoas. Isso vai te trazendo muito repertório. Eu passei a me envolver muito com pessoas do mercado de design. A própria Feira na Rosenbaum, que trouxemos em 2017/2018. Fui buscando essas conexões para poder alimentar meu repertório. Hoje, acredito muito nessas inspirações que vêm de um lugar não tão óbvio, um filme, a natureza. Sempre com um olhar voltado para o negócio, voltado para o que funciona. Acho que essa é uma fórmula que dá certo. Não posso só colocar ali trabalhos que eu ache incríveis, mas que não vão vender. Eu preciso ter esse equilíbrio entre o olhar da curadoria e o olhar para o negócio.

Quais experiências e viagens você diria que mais influenciaram sua carreira?

Inicialmente foi o contato com a Feira na Rosenbaum, em 2015. Abriu-me um universo. Quando a encontrei, vi que era naquilo que eu queria trabalhar. Uma reunião de marcas que estavam iniciando, apresentando seu trabalho de qualidade. A feira me influenciou bastante. Depois, eu fui buscando referências voltadas para esse design mais trabalhado no mercado. A conexão com os Irmãos Campana também foi uma referência que mudou muito o meu olhar. As próprias feiras SP-Arte, a Made, realizada pelo Waldick Jatobá, que para mim é uma referência muito grande na América Latina. Essas conexões me ajudaram a montar um pouco desse olhar. Hoje, eu trabalho essa questão, mas eu também trabalho muito a qualidade, a técnica utilizada, o uso dos materiais, as inovações, o processo produtivo. Foi algo que eu aprendi com o mercado e que tem uma importância significativa quando você está fazendo uma curadoria.

Muitas das suas referências vêm do nosso país. Você costuma viajar pelo Brasil para trazer um pouco da amplitude da nossa cultura?

As viagens que eu faço são tanto para fora, quanto para dentro do Brasil. As técnicas são universais. Eu já me questionei também sobre isso e me vem sempre o pensamento de que o trabalho é 100% brasileiro, mas muito em função de ser manual, autoral. E a manualidade acontece em todos os lugares do mundo. Eu já tive vontade de trazer uma curadoria da América Latina, voltada para a manualidade de artistas argentinos, mexicanos e uruguaios. Eu me inspiro muito pelas técnicas nas viagens. Minha viagem para Minas Gerais foi muito enriquecedora. Lá é um lugar que tem muito a entregar de lastro, da ancestralidade de técnicas e sua preservação.
Peças exaltam a manualidade, o trabalho local e autoral.
Peças exaltam a manualidade, o trabalho local e autoral.

A Ôda valoriza muito o “feito à mão”. Como você acha que esse mercado e a percepção do público mudou desde o início da marca?

Nós vivemos um boom de entendimento sobre esse mercado. As pessoas passaram a agir em favor do local. Não estou falando só do nosso segmento, mas percebi um movimento de valorização do entorno. As pessoas passaram realmente a olhar para esse lugar e acho que a própria pandemia acabou trazendo essa necessidade de ajudar o entorno. Nesses últimos anos, o mercado teve essa conscientização principalmente pela mídia e pelo jornalismo, que tiveram a função de disseminar essa importância. Aquilo que era pertencente a um grupo, passou a ser comum a todos pelo exercício de falar sobre o tema. O local cresceu e isso está no pensamento das pessoas. E acho que isso vai estar sempre conosco. É uma evolução, né?

Podemos dizer que o autoral nem sempre é único?

Essa discussão do autoral rende. Nem sempre é único, até porque quando o artista está criando, ele usa um repertório mental de referências. A referência dele pode vir de infância, de experiências. Pode estar no subconsciente de algo que ele viu, vivenciou. Eu acho que nem sempre é único, mas que tem as questões únicas também. A humanidade trabalha nesse movimento de ir para frente. Eu acredito no repertório de referências que estão na nossa mente e que quando o criativo busca aquilo, não vem em uma forma, mas em uma energia que impulsiona o trabalho dele.

Você comentou que a Ôda é 100% brasileira. Qual a representatividade dos artistas curitibanos?

Iniciamos o trabalho da Ôda com um número bem expressivo de artistas locais. Sempre comento que a Ôda é um trampolim para as marcas que passam por ela e esse sempre foi o meu objetivo. No início, a gente tinha muitas. Hoje, eu tenho menos nomes de Curitiba, porque a gente contribuiu muito para a evolução dessas marcas. Muitas delas se formaram e ficaram maduras, como o exemplo da Ana Penso. Ela ainda trabalha conosco, mas já tem o estúdio dela com atendimento próprio.
Eu sinto que contribuí muito para o mercado local crescer e andar sozinho, sem a necessidade de eu impulsionar comercialmente. Nós temos o entendimento dessa responsabilidade, de ter sempre esse espaço na loja para novas marcas.

Tem todo um desprendimento de vocês também então, certo?

Tem. Não é tão simples assim (rs), mas a gente sabe dessa responsabilidade. Se você for ver o Instagram da marca, eu não estou lá. Eu, minha pessoa física. Não estou lá ativa, porque eu acredito que a Ôda, apesar de ter muito da minha energia e da minha equipe, ela é um organismo vivo, latente, que é a soma de todos nós. A soma da equipe, dos designers, dos clientes, dos arquitetos. E ela é única, ela está acima de nós. É importante que a gente tenha esse desprendimento, porque é necessário. Temos que respeitar isso. Não é o que eu quero, é o que é necessário para a Ôda se manter ativa, viva, pulsante.

Para finalizar, você tem projetos futuros que possa compartilhar com a gente?

Esse ano, vamos retomar o que tínhamos de energia antes da pausa. Com esses dois anos meio quietos, estamos um pouco impacientes com isso (rs). A gente tinha uma outra edição da Feira na Rosenbaum para trazer. Na última edição, nós tivemos cinco mil pessoas em três dias. Foi um projeto de muita responsabilidade, uma ativação grande no mercado. E com a pandemia isso foi estacionado. Então, esse ano provavelmente vamos reativar um grande projeto nesse formato. Eu gosto de dar essa entrega para o mercado, para a cidade.
Além disso, em 2022, a Ôda me deu também a oportunidade de ir para uma nova casa, o que mostra a evolução e a maturidade da empresa. Agora, estamos fazendo a reforma da casa Ôda. Isso representa também um novo formato em questão de atendimento, disposição de produto e conexão. Vai ser bem interessante.

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