Entrevista

Design

Matteo Ingaramo fala sobre inovação e conexões Brasil-Itália no design e na arquitetura

Sharon Abdalla e Cristina Seciuk, de São Paulo
31/10/2023 19:23
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Matteo Ingaramo em evento no Brasil. | Guto Campos

Já consolidado no calendário nacional dos setores de arquitetura e design, o Archtrends Summit, realizado pela Portobello, reuniu em setembro nomes de peso para discutir e apontar caminhos para o presente e o futuro do setor. Na edição de 2023, o evento contou com curadoria da POLI.DESIGN, instituição da Politecnico di Milano com foco em inovação, representada pelo professor da entidade, Matteo Ingaramo.
Em entrevista exclusiva a HAUS, Ingaramo foi enfático ao apontar como o design e a arquitetura atuam como importantes indicadores econômicos e sociais de um país e o papel que cabe aos profissionais do setor em liderar e facilitar mudanças e evoluções neste sentido. Comentou ainda sobre a conexão “genética” que une o design italiano e o produzido em terras brasileiras e alertou que a inovação é, sim, necessária, mas que não deve ser realizada a todo custo. Confira a entrevista na íntegra!

Comente sobre a parceria entre a POLI.DESIGN e a Portobello. O que ela significa e como vê a aproximação Brasil-Itália? 

A POLI.DESIGN foi fundada no Politecnico di Milano como um sistema de consórcio que conectava [a instituição] às indústrias e também às associações de profissionais de design italianas. Este foi o começo. Depois de 20 anos de existência, a POLI.DESIGN começou a se conectar com situações análogas em todo o mundo. Na América do Sul, isso foi algo espontâneo. Aconteceu uma conexão com algumas cidades e marcas daqui, algumas delas conectadas diretamente com o setor de arquitetura e design de móveis, e outras mais técnicas, de design industrial. Começamos colaborando com empresas. Nossa experiência ficou bem cultural, porque há muitas conexões na forma de fazer design e de [gerir] as empresas aqui e na Itália. [...] E aqui nos conectamos com a Portobello. Pensamos em colaborar culturalmente e o Archtrends é isso: a difusão cultural com a proposta de focar mais na evolução cultural da arquitetura no Brasil, que não é uma promoção cultural e comercial pura. E, para nós, essa foi uma ideia fantástica, porque os arquitetos estão buscando conhecimento, contemporaneidade, direções para mudar a qualidade projetual deles.

Pode falar mais sobre essas conexões e similaridades entre o design feito no Brasil e na Itália? 

Há duas características principais que são comuns: a primeira é um design culto… a cultura da arquitetura e do design aqui é bem elevada. Conectar a arquitetura socialmente e intelectualmente é uma atitude bem italiana, e aqui também foi e ainda é. Provavelmente é ainda mais aqui do que na Itália (sic), onde ele se desenvolveu mais no sentido econômico do que social. Esse é o primeiro ponto.
O segundo é que a arquitetura e o design sempre foram conectados: arquitetos sendo designers e designers sendo arquitetos. E isso aconteceu porque as indústrias, as empresas italianas são de um tamanho médio, familiares e com decisores que têm coragem suficiente para fazer pesquisa, para arriscar a marca deles para [sair] na frente. E aqui também há essa cultura. Essas são as duas razões principais da conexão quase genética da sociedade brasileira à cultura do design italiano, sobretudo no setor de mobiliário, de acabamento… Outros setores são mais tecnocratas, mais focados na engenharia, e aí a ideia da estética, de um design efêmero, de qualidade, é menor nas empresas brasileiras, sendo mais presente nas italianas. Mas nos setores de empresas arquitetônicas, há muita afinidade, sim.

Você pontuou a questão do papel do design e da arquitetura para o desenvolvimento econômico e social. Na história da Itália isso é marcadamente presente. Como vê a relação destes setores como motores para o desenvolvimento de uma nação, ainda mais em países emergentes, como o Brasil?

Arquitetura e design são sempre provas, indicadores da qualidade social e da situação econômica porque são a expressão de uma sociedade. Isso sempre aconteceu e ainda vai acontecer. Há países em que a cultura social e de design estão no DNA, como é o caso da Itália - ela é um valor, faz parte da "marca" Itália. Mas na China ou na América do Sul, onde há países dinâmicos econômica e socialmente, com muitas mudanças, acelerações e paradas bem rápidas, arquitetos e designers podem fazer a diferença, porque são… não líderes, mas integradores. Pessoas capazes de colocar o design no contexto para facilitar o processo da mudança. O designer, o arquiteto é um integrador, mais do que um líder. Tem um papel bem grande para integrar, colaborar e implementar a inovação tecnológica e a evolução social. [...] Aqui no Brasil isso pode ser ainda mais poderoso como fenômeno porque aqui há muitas direções da evolução social e econômica.

Quando falamos em inovar no design e na arquitetura, estamos falando somente sobre novos materiais? Que outras características e conceitos são contemplados? 

Há uma raiz tecnológica na minha experiência de pesquisador sobre materiais, sobre a relação entre o pensamento do projeto e a realização [dele], que é um fenômeno bem difícil de ser gerenciado. Transformar uma ideia em algo realizado é difícil, mas ainda mais difícil é oferecer o resultado ao usuário. E a inovação é o maior risco que você pode correr, porque ali é tudo novo. Eu pesquiso inovação, mas tenho medo da inovação. Eu sempre falo para os meus estudantes que precisamos ter medo da inovação porque ela é algo necessário.

Você já desenvolveu trabalhos de pesquisa-ação com grandes indústrias, como Cartier, Red Bull, entre outras. Qual é o papel destes players para a promoção da inovação e do design? 

Na minha experiência, meus parceiros foram estes porque na estrutura de uma empresa grande há espaço para se fazer pesquisa deste tipo. É uma pesquisa, um investimento que nem sempre gera payback. Uma empresa grande tem estrutura para absorver isso, então, normalmente este tipo de pesquisa acontece em grandes empresas.
Na cultura industrial ainda falta um pouco de confiança no design como ferramenta para inovar. Sempre há o pensamento de que ele é efêmero, complementar, que é a etapa final do processo inovativo. As pequenas e médias empresas ainda estão bem focadas no dia a dia, no apagar o fogo, e esse é um fenômeno cultural-empresarial que coloca as pequenas e médias empresas fora do processo inovativo. Eu trabalhei muito mais com pequenas e médias empresas do que você pode imaginar, mas o processo foi mais difícil e, muitas vezes, parou antes da conclusão porque a empresa não tem recursos suficientes para arriscar. E é como eu sempre falo para os meus estudantes: o design é perigoso. [...] A margem inovativa da indústria está sendo reduzida a cada dia. E, se a indústria é pequena, pode ser que a competitividade da empresa seja encontrada no “design inovation”. Então, ele tem que ser um investimento nas empresas, este é o paradigma. Grandes empresas podem [investir] porque são grandes. Pequenas e médias empresas precisam arriscar mais, mas precisam fazer isso de forma metodologicamente correta, gerenciada, com especialistas que não são só acadêmicos - eu, por exemplo, sou pesquisador, não gerenciador. [...] Há consultorias… no Brasil há muitos que fazem isso, mas esse tipo de experimentação da inovação é um fenômeno ainda pequeno e que precisa crescer como forma [de a empresa] ser mais competitiva, de transferir valor ao usuário. Isso é o design.

Você diz que muitas empresas ainda veem o design como uma etapa final e não dentro do processo inicial da inovação. O que falta para isso?                            

Sendo bem crítico, é a cultura do risco. Na empresa contemporânea a cultura do risco é não correr risco. A cultura da empresa industrial, historicamente, era arriscar pouco. Agora não é assim. Cultura gerencial, cultura da inovação, focada mais na economia, na cultura da margem, e não na inovação do valor intrínseco. Este é um problema. Outro é o de custo, de preço, de valor percebido. Quando o valor é percebido claramente, aí pode criar margem. Há empresas que a criam, a Portobello é uma delas… Quando o valor é percebido, qualquer cliente paga. A estética é um desses valores, a qualidade de vida, o valor da marca, entre outros. Falta uma cultura econômica sobre isso e também tem que ser falado que o designer tem suas responsabilidades. Nossa propensão a sermos bem artísticos, criativos, a ficarmos em uma elite cultural é um problema, um problema que não existia no começo da nossa profissão. A profissão do designer, do arquiteto, são profissões técnicas, com uma relação direta entre o pensar e o fazer. E deveria ser assim ainda hoje. Fácil falar, difícil fazer (sic).
E há uma última coisa, que é a de que nem sempre a inovação é necessária. Há modelos de negócios bem fortes, seguros, por que mudá-los? Essa ideia de que a inovação precisa ser feita sempre não é justa. Inovação é algo que tem que ser feito quando se precisa.

Vamos falar sobre o tema do Archtrends deste ano: “O que está dentro importa”. O que está dentro do design e da arquitetura? 

É um tema abrangente, é disso que eu gostei. Criar caixinhas na arquitetura é algo que não pode acontecer. Há novas direções intelectuais da profissão, novas estratégias empresariais… o summit veio para colocar novas ideias e provocações nas mentes dos arquitetos e dos empresários para que eles comecem a pensar de forma nova, porque realmente estamos atrasados. Sempre pensamos que temos ferramentas suficientes, mas não evoluímos o pensamento. E agora precisamos disso. [E estimular isso] é um dos papéis das grandes empresas, que têm margem para investir, e este é um investimento em inovação.
O tema [engloba questões como] sustentabilidade, mudanças sociais, econômicas, novas tecnologias… Minha interpretação do tema é essa: que tudo isso colabora para aumentar a entropia do sistema. Como não temos a solução, acho bem corajosa pelo menos a consciência da mudança necessária. Para nós, da POLI.DESIGN colaborar neste evento era dar um sinal de que não só aprovamos, como somos parceiros dessa discussão.

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