Produto e interiores

Design

Mundo cinza: por que o design vem (literalmente) perdendo cor?

Cristina Seciuk
06/02/2023 13:08
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Redução no uso da cor é uma tendência desde 1960 conforme estudo britânico e arquitetura parece seguir no mesmo caminho. | Bigstock

Estudo realizado pelo Science Museum Group, do Reino Unido, comprovou: o mundo está cada vez mais cinza - e mais quadrado - , especialmente dos últimos 50 anos para cá.
O levantamento, encabeçado pela cientista de dados Cath Sleeman, utilizou visão computacional - campo da inteligência artificial que treina computadores para interpretação visual - para explorar mais de 7 mil itens do acervo do museu. Na base de dados, objetos cotidianos ou comuns em categorias como tecnologia fotográfica, medição do tempo, iluminação, impressão, escrita e eletrodomésticos, que foram analisados em sua forma, cor e textura.
Os resultados: a tendência mais notável é o aumento do cinza ao longo do tempo, acompanhado do declínio de marrons e amarelos. Conforme o estudo, a dinâmica observada provavelmente reflete "mudanças nos materiais, como a substituição da madeira pelo plástico". Observou-se também uma redução no uso de cores saturadas a partir da década de 1960.
Gráfico representativo das mudanças na presença de cor nos objetos da década de 1800 (esquerda) a 2020 (direita). Crédito: Science Museum Group Digital Lab/Divulgação
Gráfico representativo das mudanças na presença de cor nos objetos da década de 1800 (esquerda) a 2020 (direita). Crédito: Science Museum Group Digital Lab/Divulgação
Exemplo destacado pelo estudo é a comparação entre um telégrafo de 1844 com um iPhone 3G. A ampla gama de cores na tecnologia mais antiga é notável, especialmente pelo mogno utilizado na construção do objeto, mas as cores também são fruto da sua forma. "Os pilares arredondados refletem a luz e criam sombras", destaca o estudo. Em comparação, o metal e o plástico do iPhone oferecem muito menos variação cromática, além de ostentar formas bastante básicas.
Mais um ponto sublinhado pelos achados da pesquisa: quando agrupados pela inteligência artificial a partir do filtro "forma", quase todos os objetos de décadas mais recentes estão na área que concentra itens cuboides, de maços de cigarros a televisões, de telefones celulares a jogos de computador. Exceções são o já pouco usual telefone de mesa, com a complexidade de seu fio em espiral, e itens translúcidos e de linhas mais fluídas, como garrafas de vidro. Em suma - e independentemente de toda tecnologia embarcada -, um smartphone se parece com uma caixa de lápis de cor que se parece com uma fita VHS e assim por diante.
Fazendo uma ponte entre design de objetos (cuja análise baseia a pesquisa britânica) e interiores e arquitetura, há uma percepção de tendência similar.
Com mais de 20 anos de carreira, 300 projetos assinados e prêmios nacionais e internacionais na bagagem, o arquiteto Guilherme Torres avalia que desde o início deste século vemos "um momento de 'pasteurização' de obras' que nada tem a ver com um estilo.
"Vemos fórmulas aplicadas que fogem completamente do conceito por detrás de suas inspirações. Um pastiche", resume ele. O panorama de interiores não diverge. "Só madeiras claras e uma profusão de cinzas e beges. Uma chatice, tudo com gosto de comida de avião", compara o arquiteto e lança uma hipótese: "imagino que as mídias sociais e seus algoritmos enfatizam o 'senso comum', e com isso a emoção fica excluída".
De acordo com o arquiteto e urbanista, especialista em neuroarquitetura Lorí Crízel, presidente da ANFA (Academy of Neuroscience for Architecture) no Brasil, o bombardeio informacional a que as gerações atuais são expostas tem impacto na questão, especialmente por gerar segmentações. Uma delas é justamente a busca por objetividade.
"Aqui podemos interpolar que hoje estamos praticamente retomando a revolução industrial, porque naquela época trabalhava-se 12h, 14h ao dia e, hoje, estamos voltado a fazer isso. Então, as pessoas começam a se tornar mais objetivas e esta retirada de quantidade de elementos - de cores, de inputs sensoriais - é um facilitador", explica.
De modo similar ao que parece ter ocorrido com itens de produção em massa - como os nossos smartphones ou sofás de formas quadradas, mais fáceis e econômicos de se produzir, - a regra em construção tem convergido mais e mais para a falta de cor. "Quanto mais flexível o ambiente for para que diferentes pessoas se apropriem dele, melhor [em termos de venda e ocupação]; e um dos principais fatores para fazer isso é a isenção da identidade", frisa Crízel.
Ao olhar este panorama mais amplo, Torres concorda que paletas mais ousadas não se aplicam ao mercado imobiliário. "A percepção em relação a cores é algo muito particular, e funciona muito melhor em projetos autorais, desenvolvidos sob medida. O mundo, no geral, vai continuar cinza e bege", lamenta.

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