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Renomado internacionalmente, Antonio Citterio fala sobre a carreira e o futuro da arquitetura e do design

Fernanda Massarotto, especial para HAUS
14/10/2022 13:45
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A definição de cavalheiro é vasta: gentil, cortês e digno. Vasta também é a obra de Antonio Citterio, um dos mais notórios arquitetos, conhecido também como o gentleman do design. E não é por menos. O profissional educado e ponderado estende sua gentileza e elegância em seus projetos. Edifícios e produtos ganham formas nobres e refinadas. Traços surpreendentes que se tornaram marca registrada do trabalho do arquiteto nascido em Meda, tida como berço da indústria moveleira "Made in Italy". Aos 72 anos, e 50 anos de carreira, Antonio Citterio tem contribuído para o sucesso de importantes marcas, como B&B Italia & Maxalto, Flos, Kartell e Vitra. Em uma conversa descontraída com HAUS, o arquiteto fala sobre o seu legado, sua paixão pela profissão e pela sua cidade de adoção, Milão.
Sofá Sity, para B&B, com o qual Citterio venceu o Compasso d’Oro em 1987.
Sofá Sity, para B&B, com o qual Citterio venceu o Compasso d’Oro em 1987.

Uma curiosidade: o senhor nasceu em Meda, a 20 km de Milão, que é conhecida por sua tradição na indústria moveleira. De alguma forma, esse "ambiente" o levou à arquitetura e ao design?

Certamente, o fato de ter nascido em uma cidade que é conhecida por ser o berço da indústria moveleira e cursar um instituto técnico artístico, onde desenhava móveis por quatro a cinco horas por dia, foram fatores fundamentais para a escolha da minha profissão. Acrescento também um dado importante: trabalhei muito no laboratório/oficina do meu pai, que era um artesão-empresário, sempre nesse setor. Isso fez com que eu crescesse em um ambiente onde passei a entender as características e necessidades do que era o design e o processo de produção. A escolha pela faculdade de Arquitetura no Politécnico de Milão foi uma consequência lógica, especialmente na Itália, onde as "fronteiras" entre arquitetura, design de interiores e design industrial não eram muito definidas. Ou seja, é uma característica tipicamente italiana, manter uma abordagem quase idêntica quando o assunto é arquitetura e design. Basta pensar na "escola milanesa" de Caccia Dominioni, Albini e de Giò Ponti.

Na sua opinião, o seu "encontro" com o arquiteto e designer Ettore Sottsass e sua participação dentro do  movimento Memphis, criado pelo próprio Sottsass em 1981, mudou sua trajetória artística? Você pode nos contar um pouco sobre esse período de sua vida? 

Já como aluno do Politécnico de Milão, fui sendo apresentado e convivi diariamente com personalidades que estavam mudando o mundo do design. Conhecer Sottsass e todo o grupo de Memphis foi muito estimulante para minha vida profissional, apesar de termos visões estéticas diferentes. Meu primeiro projeto importante aconteceu exatamente naquele período: o showroom da grife Esprit, em Milão. Foi Ettore Sottsass quem me escolheu como designer e posso afirmar que foi o grande salto profissional na minha carreira.

Há dois anos - infelizmente em plena pandemia - o senhor comemorou seus 70 anos, 50 anos da abertura de seu primeiro escritório de arquitetura, 20 anos de ACPV ARCHITECTS, com sua sócia Patricia Viel e outros associados. Sem falar do lançamento do seu documentário " The Importance of Being an Architect''. Quanto o design, a arquitetura e Antonio Citterio mudaram nestes 50 anos?

Ao longo da minha carreira, o que realmente vi mudar foi a sociedade e, com ela, nossas cidades. É difícil falar de arquitetura sem falar de sociedade. Acredito que a tarefa de qualquer designer e arquiteto seja a de entender as mudanças, as exigências e necessidades das pessoas, buscando sempre uma solução que vá além do presente, mas que mire o futuro. Acredito que quando somos jovens é mais fácil ser criativo, temos uma certa "arrogância" e acreditamos poder sempre criar coisas novas. Nos sentimos livres. Por um lado, lamento ter perdido um pouco dessa ingenuidade dos primeiros anos, mas devo dizer que todas as experiências que tive, de alguma forma, moldaram o arquiteto e designer que sou hoje.
Antonio Citterio e Patricia Viel, sócios na ACPV).
Antonio Citterio e Patricia Viel, sócios na ACPV).

Voltando um pouco ao documentário… é verdade que, às vezes, as entrevistas também eram realizadas no carro enquanto o senhor dirigia devido à sua agenda sempre cheia. O senhor gostou do resultado?

Fiquei muito feliz com o resultado porque os diretores puderam contar nosso trabalho de uma forma completamente diferente dos documentários de arquitetura aos quais estamos acostumados. Eles conseguiram mergulhar no nosso dia a dia e nos seguiram em todos os lugares; portanto, até uma viagem de negócios se tornou perfeita para falar sobre outras viagens que moldaram minha carreira e meu pensamento. Quase uma viagem dentro de uma viagem.

O senhor declarou:  "arquitetura e design são de fato duas almas que coexistem em mim". Se tivesse de quantificar quanto de arquiteto e designer coexistem no senhor, qual seria a porcentagem? 

Como declarei anteriormente, cresci em uma cultura em que as fronteiras entre arquitetura e design de produto não eram tão rígidas: isso quer dizer que eu, como profissional, ofereço soluções para problemas com diferentes graus de complexidade, seja na arquitetura como no design, mas sempre com o mesmo rigor. Então, eu diria que sou 50% designer, 50% arquiteto.

Podemos afirmar que, hoje, a arquitetura e o design estão cada vez mais sustentáveis? Como?

Nos últimos anos, certamente começamos a tomar consciência da vulnerabilidade do meio ambiente e, por consequência, do homem. Devemos pensar que qualquer projeto arquitetônico deve ter um fim e para isso deve ser concebido para que seus materiais sejam reciclados ou reaproveitados no futuro. Isso é algo já acontece com as peças de design. Hoje é fundamental começar a incluir na arquitetura, mais e mais, essa filosofia sustentável.

Já que estamos falando de sustentabilidade, o senhor pode nos explicar como funciona  o ACPVLab, o departamento de design generativo criado pelo seu escritório de arquitetura há alguns anos?  

O ACPVlab é um departamento interno que se ocupa de pesquisa e inovação aplicados aos nossos projetos. Cada uma de nossas obras gera uma imensa quantidade de dados que combinados com a inteligência artificial nos permitem criar um design generativo. Ou seja, inserindo uma série de parâmetros de desempenho, são elaboradas uma quantidade de alternativas que devem ser avaliadas para que possamos escolher a melhor solução a ser aplicada. Só assim seremos capazes de responder com eficácia às exigências de uma sociedade em constante mudança. Por exemplo, nos últimos tempos, temos nos dedicado a construir edifícios administrativos e estamos desenvolvendo soluções e padrões que possam responder às necessidades atuais e futuras de quem neles trabalham.

O senhor nasceu em Meda mas frequentou o Politécnico e escolheu Milão para viver e trabalhar. Quais são seus lugares favoritos na cidade? 

Antes de mais nada, quero dizer que não consigo me ver em outra cidade, há sempre algo de novo por aqui. Milão me ensinou sobre ter sobriedade, não ter a pretensão de ser protagonista. Por exemplo, gosto muito do bairro onde moro, Brera. Adoro sair pelas ruas e explorar o que há de novo, apreciar as lojas que convivem em harmonia com as galerias de arte e museus. Vou a pé até meu escritório e passo pela Galleria Vittorio Emanuele e pela movimentada Piazza Duomo. Mas o verdadeiro espírito milanês se observa mesmo é nas ruelas do centro que ainda mantêm a autêntica atmosfera milanesa.
Projeto de renovação da praça pública na 1221 Avenue of the Americas,  em Manhattan, Nova York.
Projeto de renovação da praça pública na 1221 Avenue of the Americas, em Manhattan, Nova York.

E já que estamos falando de Milão, o seu escritório de arquitetura está se ocupando de vários projetos que darão uma nova "cara arquitetônica" à cidade, como a Torre A2A, Porta Nuova Gioia, Symbiosis na estação de Porta Romana e Porta Ticinese. Como será a Milão do futuro? 

Espero que seja uma cidade cada vez mais altruísta. Projetamos obras com essa intenção até porque esse sempre foi o espírito de Milão para nós. Mas, acima de tudo, será uma cidade cada vez mais digital e a arquitetura também será permeada por novas tecnologias que nos ajudarão a coletar dados. É fundamental que o projeto da cidade se torne cada vez mais comunicado e divulgado e que todas as soluções de design saibam responder com eficiência aos desafios do futuro.

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