Estilo & Cultura

O dia que Curitiba parou para jogar xadrez

Luan Galani
06/09/2016 22:39
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Fotos: Acervo pessoal de Juarez Machado e Fernando Zequinão/Gazeta do Povo

Pouquíssima gente sabe, mas nossa cidade já foi dona do xadrez mais encantador que o mundo já viu. Peças gigantes de pouco mais de um metro e meio esculpidas a partir de tubos de PVC. No lugar do clássico preto e branco, times azul e laranja. Verdadeiras esculturas contemporâneas que no início da década de 1970 esbanjavam ares futuristas.
A genialidade veio do catarinense Juarez Machado, um dos mais brilhantes artistas plásticos brasileiros, que criou as peças a pedido do então prefeito Jaime Lerner. “Nem sei jogar xadrez. Mas achei a ideia do Lerner bacana. Como não havia tecnologia disponível na época, fiz tudo no dente”, relembra o artista aos 75 anos.
Com o jogo em mãos, era vez de elaborar um tabuleiro. O desafio ficou com Abrão Assad, arquiteto mundialmente respeitado pelo projeto de fechamento da Rua XV de Novembro, que concebeu um espaço rebaixado de petit-pavé na parte de trás do Paço Municipal, atual Praça José Borges de Macedo.
A inauguração foi um evento dos grandes. Na mesma época o mundo tinha acabado de assistir ao “jogo de xadrez do século” entre o norte-americano Bobby Fischer e o soviético Boris Spassky, que deram faces mais humanas à queda de braço da Guerra Fria. O episódio inspirou a prefeitura a trazer dois campeões brasileiros de xadrez para duelar.
Foto histórica do jogo de xadrez entre dois campeões brasileiros que marcou a inauguração do tabuleiro atrás do Paço da Liberdade, na Praça José Borges de Macedo, nos anos 1970. Foto: Acervo pessoal de Juarez Machado
Foto histórica do jogo de xadrez entre dois campeões brasileiros que marcou a inauguração do tabuleiro atrás do Paço da Liberdade, na Praça José Borges de Macedo, nos anos 1970. Foto: Acervo pessoal de Juarez Machado
Os competidores eram o hexacampeão paranaense Mauro de Athayde e o campeão brasileiro Henrique da Costa Mecking, também conhecido como Mequinho, de acordo com o Clube de Xadrez de Curitiba. Eles disputaram o jogo, em escala normal, sob uma pequena barraquinha, enquanto outras pessoas movimentavam as peças gigantes simultaneamente para que o público pudesse acompanhar a competição.

Passagem relâmpago

Apesar do sucesso, “foi um espetáculo de uma noite só”, como caçoa Machado. As peças permaneceram à disposição do público na praça, mas eram pesadas demais para qualquer um movimentá-las. Ganhar rodinhas também não ajudou muito. Sem falar que o tabuleiro de petit-pavé não era dos mais regulares e passou a acumular água da chuva. A ação de vândalos foi a gota d’água e as peças encontraram abrigo no Centro de Criatividade do Parque São Lourenço.
O arquiteto Key Imaguire Jr. fotografou em slide as peças na época em que estavam na praça. A beleza escultórica e a água acumulada  no tabuleiro chamam atenção. Foto: Key Imaguire Jr./Acervo pessoal
O arquiteto Key Imaguire Jr. fotografou em slide as peças na época em que estavam na praça. A beleza escultórica e a água acumulada no tabuleiro chamam atenção. Foto: Key Imaguire Jr./Acervo pessoal
Por décadas elas ficaram esquecidas. Até que outro catarinense as socorreu. O renomado escultor Elvo Damo, do Atelier Livre de Escultura, dedicou-se a partir de 1999 a restaurar as 32 peças. Por motivos técnicos, conseguiu recuperar somente uma peça de cada tipo. “Depois de pegar muita chuva e sol, o material ressecou e rachou. Estava muito avariado. Salvar algumas das peças foi a melhor possibilidade que eu vi na época”, testemunha. Pouco tempo depois as seis peças sobreviventes de um total de 32 voltaram para os depósitos da Fundação Cultural de Curitiba (FCC).

Onde foram parar

O xadrez teve um impacto tão grande que por muitos anos um dos exercícios de composição dos cursos de Arquitetura da cidade foi projetar um jogo de xadrez. O arquiteto do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) Reginaldo Reinert foi um desses alunos. Ao elaborar o projeto de revitalização do Passeio Público, que está pronto, mas ainda não saiu do papel, a proposta dele é devolver o xadrez de Juarez Machado para a paisagem urbana.
O jogo faria parte do caminho dos enxadristas, que seria realocado para um deque na beira do lago. “É pela qualidade simbólica que as peças representam. Fazem parte de uma estratégia de devolver o espaço público ao público”, defende.
A HAUS foi atrás do xadrez e, com a ajuda da FCC, descobriu que somente duas peças sobreviveram ao vai e vem pelos galpões. Estão abrigadas na Casa da Memória. Triste, como reconhece seu criador. Mas ele propõe: “Se Curitiba quiser, eu posso refazer o xadrez”. E aí, Curitiba?
As únicas duas peças remanescentes do xadrez de Juarez Machado estão na Casa da Memória. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
As únicas duas peças remanescentes do xadrez de Juarez Machado estão na Casa da Memória. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo

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