Urbanismo

A explosão de cores de uma Curitiba que já foi psicodélica

Mariana Domakoski*
18/10/2016 21:57
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Fotos: Reprodução/Facebook Curitiba Antiga/URBS

Arte: Robson Vilalba Reis/Gazeta do Povo
Arte: Robson Vilalba Reis/Gazeta do Povo
Curitiba já foi psicodélica. Essa constatação do arquiteto Geraldo Pougy surpreendeu até mesmo Abrão Assad, arquiteto contratado pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) para projetar o fechamento da Rua XV para uso exclusivo de pedestres na década de 1970, além de todo o mobiliário que acompanhou a façanha.
Hoje, um distanciamento de quase 50 anos permite observar que os formatos e as cores do projeto e do mobiliário urbano tinham um quê caleidoscópico, como nos cartazes da contracultura que expunham cores e formas sobrepostas.
Um passeio pelo calçadão da Rua XV na década de 1970 – depois que passou a ser inteiramente dos pedestres – evidenciava essa estética. O teto dos quiosques de flores e bares era roxo, arredondado, formando uma bolha que transformava a luz do sol e criava todo um clima. Roxo também era a cor da cobertura de acrílico dos orelhões. Conjuntos de luminárias estavam ao longo do caminho, com suas cúpulas redondas, parecendo buquês de flores de cabeça para baixo.
Imagem dos anos 1970 mostra uma Rua XV colorida e ousada. Fotos: Reprodução/Facebook Curitiba Antiga
Imagem dos anos 1970 mostra uma Rua XV colorida e ousada. Fotos: Reprodução/Facebook Curitiba Antiga
O bondinho era uma visão de curvas contrastantes. E não era só na Rua XV. Táxis laranjas circulavam por toda a cidade, assim como ônibus vermelhos, verdes e amarelos. Nada de tons pastéis, bege, cinza e preto. Tudo era muito colorido. Ainda observa-se resquícios desta época, como nos ônibus e nos táxis.
De acordo com Abrão Assad, essa psicodelia aconteceu por acaso. “Não era o objetivo. Saiu naturalmente. As características daquele momento de Curitiba tinham muito a ver com o que acontecia no rock, na pop arte. Era a linguagem da época”, recorda.
“As cores dos ônibus ajudaram a diferenciar as linhas do expresso, alimentador, interbairros e ligeirinho. O que eu queria com aquela bolha roxa nos quiosques da Rua XV era a luz que produzia”, afirma, mostrando que as escolhas visavam uma funcionalidade. Mas eram sempre permeadas pela estética do momento. Pougy e Assad amadurecem a ideia de organizar esses apontamentos em um livro.
Abrão Assad: um dos mentores da Curitiba psicodélica. Foto: Arquivo Gazeta do Povo
Abrão Assad: um dos mentores da Curitiba psicodélica. Foto: Arquivo Gazeta do Povo
História
Surgido nos Estados Unidos no fim da década de 1960, o psicodelismo era uma tentativa de materialização do subconsciente. Muitas vezes representava as sensações provocadas por substâncias narcóticas. Aparecia na música na forma de sons nunca antes inseridos no meio das canções, como gargalhadas e barulhos de trem, e na arte gráfica por meio de cores saturadas – com muito uso das secundárias laranja, lilás e verde –, formas orgânicas e sobreposições de elementos, como num caleidoscópio.
No Brasil, apareceu em meio ao tropicalismo, segundo Irã Taborda Dudeque, professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), sendo misturado a características brasileiras.
Intencional ou não aqui em Curitiba, o que salta aos olhos é o fato de a estética psicodélica ter ornamentado um dos símbolos da mudança de comportamento do curitibano: o fechamento da Rua XV para carros, em 1972. Foi uma quebra de paradigma: a terra das araucárias, que até pouco tempo antes crescera baseada no Plano Agache, que visava uma cidade funcional para os carros, passava naquele instante a reservar a sua principal rua aos pedestres. O coração da região central passaria a pulsar ao ritmo de passos.
Táxis da época. Até hoje os veículos carregam o visual colorido. Foto: URBS/Facebook Curitiba Antiga
Táxis da época. Até hoje os veículos carregam o visual colorido. Foto: URBS/Facebook Curitiba Antiga
“O psicodelismo sempre foi considerado uma estética meio rebelde, não era usada pela parte oficial”, afirma Pougy ressaltando a força de tal fato ter acontecido em Curitiba.
Para Dudeque, Curitiba compartilhou a atmosfera de mudanças que reinava na época em boa parte do mundo. Ele lembra que no final dos anos de 1960 ocorreu a última grande revolução comportamental. “Houve um corte muito drástico no que significava ser jovem naquela época. O jovem de 1970 era muito diferente do de 1960. Hoje, não há tanta discrepância. Um jovem deste ano não é muito diferente do de dez anos atrás”, explica. “Em Curitiba, talvez tenha sido uma soma de fatores: a gestão tinha as ideias, havia a liberdade para fazer e o que eles queriam fazer estava na moda”, conclui.
* especial para a Gazeta do Povo

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