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Hannah Baker (Katherine Langford): abordagem sobre o suicídio não segue as recomendações da Organização Mundial da Saúde | Beth Dubber/Netflix
Hannah Baker (Katherine Langford): abordagem sobre o suicídio não segue as recomendações da Organização Mundial da Saúde| Foto: Beth Dubber/Netflix

“Olá, é a Hannah. Hannah Baker.”

São as palavras iniciais de despedida da protagonista de “13 Reasons Why”, série produzida pela Netflix que estreou no final de março. Baseada no livro homônimo de Jay Asher (2007), no Brasil lançado com o título “Os 13 Porquês” (Ática, 2009), a história, em uma visão romantizada, reflete sobre o efeito que palavras e atitudes têm em adolescentes — período em que invariavelmente ainda muitos deles ainda não têm o preparo necessário para lidar com os percalços da vida.

Hannah deixa gravações em fitas K7 (sim, em 2017!), listando as 13 motivações que a levaram ao suicídio. Cada motivo corresponde a um episódio e, enquanto o colega Clay Jensen ouve as fitas, acompanhamos as trajetórias da protagonista e dos alunos da Liberty High School.

Apesar de uma estrutura narrativa supostamente promissora, “13 Reasons Why” é perigosa para adolescentes e não muito atraente para adultos. Veja os motivos abaixo:

1 – Enredo tolo

O livro foi inspirado parcialmente por um familiar de Asher que tentou cometer suicídio. Já a ideia de usar gravações em fita veio de uma visita a um cassino em Las Vegas, onde usou um guia em formato de gravação de áudio.

Assim, Hannah é uma adolescente que decide se suicidar por causa das atitudes dos seus amigos e colegas de escola. A história é contada pelo ponto de vista de dois adolescentes, a própria Hannah e Clay, garoto por quem ela se apaixonou, mas, por causa de seus dramas pessoais, não conseguem desenvolver um relacionamento.

Já a fórmula da “versão Netflix” é um emaranhado de clichês: problemas genéricos, atores jovens e descolados e trilha sonora indie. Tudo extremamente tolo, mas que aparenta certa densidade — que só cola em pessoas com 13 anos de idade.

2 – Dialoga exclusivamente com seu próprio nicho

O público jovem pode encontrar um misto de suspense e melodrama no seriado. Mas há um limite de paciência para uma história excessivamente repetitiva e para o truque narrativo já escancarado no título – o que também mostra que, por toda sua falta de estrutura e inabilidade de execução, “13 Reasons Why” depende da identificação emocional com o telespectador para segurá-lo.

“Seu apelo é provavelmente limitado à faixa etária daqueles cujas vidas são retratadas; ficaria surpreso se desse certo com adultos do mesmo jeito que é claramente esperado com adolescentes” – The Guardian.

3 – Os episódios duram mais tempo do que deveriam

Há claros problemas estruturais, que tornam tudo extremamente irritante após dois ou três episódios. Diferentemente do livro — e da atitude de qualquer adolescente deste planeta —, o Clay da série escolhe não ouvir as fitas em sequência.

Para estender o drama, ele ouve uma gravação por vez enquanto confronta os outros personagens. Sem saber a história completa, embora elas estivessem nas fitas o tempo todo.

“Não existe nenhum motivo pra quase todos os 13 episódios ultrapassarem 50 minutos de duração. O livro é tão enxuto que nem mesmo capítulos de meia hora teriam sido uma expansão significativa do seu universo. A história de Hannah Baker foi tão esticada que deixa transparecer suas falhas” – The Ringer.

Bastava Clay fazer com as fitas o que a maioria das pessoas faz com os seriados: uma pequena maratona e tudo seria resolvido. Mas os 13 capítulos do livro de Asher foram transpostos para 13 intermináveis horas nas quais as dimensões emocionais de Hannah e novos episódios de bullying ganham um caráter de anúncio público, longo e enfadonho.

“Não faz sentido algum, a não ser como uma ferramenta do enredo. E você vai se pegar, assim como os antagonistas de Clay, gritando com ele para que escute logo o resto das fitas” - New York Times.

4 – A trama se desenvolve muito lentamente para então tudo acontecer em três episódios

“É chocante e mais uma consequência da embriaguez do streaming: passamos tanto tempo em um estado que é difícil mudar para outro” – The Ringer.

Era inevitável que o livro se tornasse uma série de 13 episódios, mas isso tem consequências sofríveis. Por oito ou nove episódios, pouco ou praticamente nada acontece, para então, repentinamente, o ritmo narrativo ganhar intensidade: ele sai de conflitos pequenos para um grande melodrama — incluindo um acidente de carro fatal, overdoses e abuso sexual.

“Existe também um problema escandaloso de duração, pegando um romance de 288 páginas e estendendo até muito mais do que ele pode oferecer. Com a trama se arrastando tanto, os atores de ‘13 Reasons Why’ se encontram gritando diálogos não convincentes em cenas redundantes que dão rodeios eternos” – Washington Post.

5 – Várias situações não fazem sentido

Muitos problemas que a personagem aponta são causados por outros dramas adolescentes e, se invertermos o ponto de vista, ela pode ser a causa da angústia de outros personagens, antes e depois de sua morte.

Os momentos de confrontação duram um piscar de olhos: colegas argumentam que o que Hannah diz é mentira, e tudo acaba por aí. A forma reativa — e não ativa — com que a escola lida com problemas como bullying e suicídio é quase infantil. As campanhas são ridículas e não são aprofundadas; em dado momento, um personagem se irrita com um dos cartazes, o arranca e, novamente, tudo acaba ali.

“São tensões adolescentes reais que uma série poderia retratar com sucesso, mas são trivializadas instantaneamente quando comparadas com as injustiças de negar uma conclusão para pais em luto e proteger um criminoso, que a série sabota sua própria empatia” – The Ringer.

6 – As motivações de Hannah

Alguns motivos catalisadores para Hannah se matar beiram a futilidade. Sua melhor amiga não é mais sua melhor amiga. O professor da escola não entendeu seus problemas. Um garoto a beijou e depois espalhou para o resto da escola que eles fizeram mais do que isso.

Seria o inferno se Hannah tivesse 13 anos, não 17. São experiências de quase todos os adolescentes do mundo e Hannah não é diferente de nenhum deles. Mas ela culpa colegas, professores, a escola, o mundo e nunca considera que talvez ela possa estar errada. Até que ponto a verdade de Hannah Baker é a verdade absoluta?

“Com algumas exceções óbvias e esmagadoras, a maioria dos nomes na lista de Hannah apenas fizeram o que o colégio os ensinou: quando você se torna mais popular do que um amigo, deixe ele para trás. Quando a sua paixão por alguém ameaça te expor, jogue a culpa nela” – The Ringer.

7 – Excesso de drama

Clay escuta as gravações e se emociona. Suas reações são cheias de acusações, culpa, arrependimento e raiva. A história toda tenta ser melancólica, triste e devastadora, mas exagera tanto que o resultado final extrapola isso e quase nada soa real.

“Seja o que for que ‘13 Reasons Why’ acerta nas tendências adolescentes ao melodrama é enfraquecido conforme a série derrapa no tom e na acuidade emocional. Os personagens raramente parecem reais, talvez porque a história em si é limitada” – Washington Post.

8 – Apatia e superficialidade

Hannah espera que outras pessoas leiam sua mente, que ajam como ela quer. Quando ela e Clay se aproximam, ela o afasta sem qualquer motivo palpável. O garoto gosta dela e quer ajudá-la, mas ela o repele e depois, claro, o culpa.

Ela conversa com um professor, mas não o escuta. É mais fácil culpar os outros, como ela mesmo mostra no início de suas gravações: “eu contarei a história da minha vida – mais especificamente, por que ela acabou. E se você está ouvindo esta fita, você é um dos porquês”. E, no fundo, nada disso aconteceria se seu amor fosse correspondido.

“Assim como um enredo que sugere que o amor de um bom garoto poderia ter resolvido tudo, isso acrescentou à sensação de desconforto que permaneceu em mim – tem mais coisas sobre garotos do que garotas, apesar da vida arruinada de uma menina ser o centro” – The Guardian.

9 – Estereótipos

“13 Reasons Why” bate compulsivamente nas mesmas teclas — jovens tentando escapar dos problemas que podem chegar até eles devido ao suicídio —, e para isso repete exaustivamente estereótipos já consagrados.

Você poderia pegar os personagens de qualquer filme adolescente ambientado no ensino médio e inseri-los na trama, as características seriam as mesmas: o adolescente popular? O vilão, claro. O intocável? O filho do policial, obviamente. Há ainda o jovem rico com uma casa enorme para festas, o nerd sem traquejo social, a líder de torcida, góticos, latinos rejeitados e, bem, a lista é infinita.

10 – É sadismo televisivo

Prevenção do comportamento suicida não é uma tarefa agradável, uma vez que vários distúrbios mentais se associam a ele. Então imagine uma série que se proponha a abordar racismo, mostrar o quão errado ele é, mas só fizesse afrodescendentes se sentirem mal. Ou algo que colocasse a homofobia em pauta, mas ofendesse gratuitamente homossexuais. É isso que “13 Reasons Why” faz: você já teve depressão? Relembre como foi horrível e se deprima novamente.

“São 13 episódios que duram 13 horas intragáveis – um rodeio passivo-agressivo, de escrita pobre e atuações constrangedoras, entregando tanta sabedoria ou compreensão sobre depressão, bullying e suicídio quanto velhos programas educativos que hoje em dia são debochados por serem muito bregas” – Washington Post.

11 – Idealização

O relato sereno de Hannah nas gravações, o tom que ela confere a sua narrativa particular, apenas aponta ao inevitável: para o seriado, o suicídio é uma resposta esperada diante de todo aquele sofrimento, de todas aquelas desilusões. Como se não houvesse uma alternativa. É aqui que diversas recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre como tratar o tema são ignoradas pela série, como a principal e mais óbvia delas: “destacar as alternativas ao suicídio .

A visão romantizada ainda vai além: para o seriado, quando as pessoas não fazem o que delas esperamos, podemos culpá-las por nossas escolhas e atitudes.

“A aspereza condicionada de jovens inseguros pode ser prejudicial e até mesmo fatal, mas pode ser superada por conexões pessoais. Suicídio é um assunto difícil de ser abordado sem ser reducionista ou sensacionalista: deveríamos esperar um retrato sensível e emocionante das suas causas” – The Ringer

12 – Exposição desnecessária e gratuita

O ato final, o suicídio de Hannah, é desnecessariamente detalhado. É tão realista que funciona como um tutorial sobre como colocar fim a vida em uma banheira. Antes mesmo do episódio há uma aviso, quase uma confissão de culpa: “este episódio contém cenas que alguns espectadores podem considerar perturbadoras e / ou podem não ser adequadas para públicos mais jovens”.

“É um conceito inacreditável e egoísta, um exemplo de uma adolescente que fantasia como todos vão reagir quando ela se for. A história me parece ingênua, e até mesmo perigosa, no seu entendimento de suicídio, incluindo uma cena grotesca de Hannah abrindo seus pulsos em uma banheira” – Washington Post.

Além disso, há outras cenas claramente pensadas para chocar. Lógico, pode-se argumentar que a realidade é desta forma, mas em um contexto social em que o suicídio é um problema de saúde pública, não é necessário expor nenhum gatilho a eles.

“É uma pena que um programa tão preocupado com os efeitos catastróficos da misoginia não consiga evitar algumas falhas próprias: a decisão de retratar estupro de modo gráfico, e não apenas brevemente, foi obviamente com a intenção de insistir que testemunhemos a sua brutalidade; pessoalmente, pendeu mais para o lado da gratuidade” – The Guardian.

13 – A ameaça de uma segunda temporada

O seriado se empenha em manter certa dualidade entre Hannah ser heroína ou vilã, uma personagem que gere empatia, seja confiável, o que transforma todo o processo em algo cruel: enquanto Hannah está morta, Clay leva a história adiante. Há um eco constante entre passado e presente e enquanto a conclusão da história de Hannah é inflexível, as tentativas para criar um gancho para uma segunda temporada são constrangedoras.

“‘As coisas tem que melhorar’, um estudante implora no final, mas considerando seu desfecho relativamente aberto, com uma aparente segunda temporada preparada, não parecem existir muitas chances disso acontecer” – The Guardian.

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