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Foto feita no dia 24 de abril, um dia após o primeiro turno das eleições francesas, em Henin-Beaumont mostra cartazes das campanhas de Marine Le Pen, da Frente Nacional, e do candidato Emmanuel Macron, do movimento En Marche!: até Macron se rendeu às pautas de Le Pen | JOEL SAGET
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Foto feita no dia 24 de abril, um dia após o primeiro turno das eleições francesas, em Henin-Beaumont mostra cartazes das campanhas de Marine Le Pen, da Frente Nacional, e do candidato Emmanuel Macron, do movimento En Marche!: até Macron se rendeu às pautas de Le Pen| Foto: JOEL SAGET AFP

Marine Le Pen vem crescendo nas pesquisas eleitorais para o segundo turno da França — mas, com a votação marcada já para o próximo domingo (7), a tendência é que seus números não superem o favorito, Emmanuel Macron. Com 41% das intenções de votos nos levantamentos mais recentes, Marine deve conquistar um eleitorado recorde para a Frente Nacional, partido de extrema-direita fundado por seu pai e do qual hoje é a líder. Mesmo se não chegar à presidência, alguns analistas apontam que a FN já pode se considerar vitoriosa: atraiu novos eleitores para a sua causa e dominou o debate de ideias. São as pautas do partido, afinal, que dominaram as discussões na França nos últimos tempos. Conheça alguns dos pontos fundamentais. 

1 - Saída da União Europeia 

A mudança mais radical prometida por Marine Le Pen é o rompimento de qualquer laço comunitário europeu por parte da França. A candidata nacionalista pretende iniciar o processo com o fim do euro no país, retornando a uma moeda própria (que já vem sendo chamada de “novo franco”, em referência à unidade monetária utilizada antes do euro), seguindo para a realização de um referendo sobre a saída francesa da União Europeia. 

Após o Reino Unido ter votado pelo “Brexit”, abalando a coesão interna da UE, um “Frexit” poderia ser a pá de cal no bloco comum europeu – sem os britânicos e os franceses, a UE perderia duas das suas três maiores economias, restando apenas a Alemanha. Marine Le Pen nunca titubeou em apontar a importância que a saída (ela convocaria um referendo nos primeiros seis meses de governo) teria para a realização de seu programa – tanto em termos de controles de fronteira quanto na adoção de medidas econômicas definidas internamente –, e sua convicção fez com que o tema fosse abordado frequentemente nas discussões eleitorais. 

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Em todo o espectro político francês, os candidatos foram convidados a dar suas opiniões sobre a União Europeia, e ninguém ficou imune a um tema que até alguns anos atrás jamais seria colocado sobre a mesa. De fato, Le Pen não foi sequer a única presidenciável a receber uma votação massiva após defender a saída do bloco: quarto lugar no primeiro turno com 19% dos votos, Jean-Luc Mélenchon, candidato da extrema-esquerda, também era crítico da UE e acreditava na necessidade de recuperar uma maior autonomia francesa através de um “Frexit”. 

Ao longo da campanha, Emmanuel Macron se manteve um ferrenho defensor da União Europeia, ainda que com certas mudanças na forma com que ela opera. Diante do crescimento de Marine Le Pen nas pesquisas do segundo turno, o próprio Macron precisou se dobrar à força do FN, adotando um discurso mais duro contra as medidas do bloco comum que, se acredita, estariam prejudicando a França. Se antes sua crítica era tímida, agora Macron passou a defender uma ampla reforma na UE. 

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No último final de semana, o candidato que lidera as pesquisas declarou: “Eu sou pró-Europa (...) mas ao mesmo tempo precisamos encarar a situação, ouvir o nosso povo, e ouvir o fato de que eles estão muito bravos e impacientes, e que a disfunção da UE não é mais sustentável”. Antes considerado um tema intocável, a saída da União Europeia se tornou central: seria uma “traição” ao povo manter a UE funcionando da maneira atual, disse Macron. “E eu não quero fazer isso. Porque no dia seguinte, ou nós teremos um Frexit, ou nós teremos a Frente Nacional no governo”. 

2 - Restrição às vestimentas muçulmanas 

Em um cenário de forte crise migratória na Europa, a campanha de Marine Le Pen também intensificou a já antiga oposição da ultradireita francesa às tradições muçulmanas. Buscando defender o que considera “a alma da França”, Le Pen tem um longo histórico de críticas aos imigrantes que seguem o Islã: em 2010, antes mesmo de chegar à liderança da Frente Nacional, ela causou polêmica no país ao comparar as preces públicas dos muçulmanos nas ruas francesas à ocupação nazista na Segunda Guerra Mundial. 

Entre as principais bandeiras da FN estão as restrições às vestimentas tradicionais – sobretudo o hijab, véu que cobre a cabeça das mulheres em público. Trazidos à tona primeiro por Jean-Marie Le Pen e agora pela filha Marine, esses temas vêm ocupando a política francesa desde a virada do século: usando o secularismo herdado da Revolução Francesa como argumento, os nacionalistas conseguiram a proibição do uso de véus em escolas públicas. Antes disso, a França já havia banido o uso de burcas no país. 

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As questões envolvendo as indumentárias muçulmanas na França se tornaram tão centrais que mesmo Emmanuel Macron, que tem evitado discutir a fundo qualquer política nesse sentido, viu-se obrigado a sair de cima do muro e firmar posição frente a Marine Le Pen. 

No final de março, o tema mais acalorado em um debate televisivo envolvendo os principais candidatos não foi a União Europeia ou a crise econômica, mas suas posições frente ao uso de “burkini” nas praias do país – Macron entende que o assunto não é tema para o presidente, e fala em uma regulamentação em nível municipal. 

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Macron tem sido elogiado pelos que defendem uma França multicultural, por suas afirmações de que “nenhuma religião é um problema na França hoje”, mas sua tendência a evitar abordar o assunto a fundo é vista com relutância por líderes muçulmanos no país – que temem uma virada durante o governo para acomodar as pressões nacionalistas, cada vez mais poderosas. O ex-presidente Nicolas Sarkozy é apontado como exemplo de mudança de opinião: durante seu mandato (2007-2012), defendeu o hijab; após perder a reeleição, passou a se opor ao véu na tentativa de recuperar espaço político. 

3 - Fim dos abatedouros halal 

Outras tradições muçulmanas também têm sido alvo das políticas impulsionadas pela Frente Nacional. Além do vestuário, o partido pretende acabar com os abatedouros que produzem carne halal, aquela que é feita dentro da forma ritual permitida pelo Islã. A FN estima que cerca de 90% da produção de carne na região de Paris ocorre seguindo o método halal, a fim de não arriscar uma perda de mercado. 

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O argumento de Le Pen é que o abate religioso incorre em crueldade animal: de acordo com a tradição, eles devem estar conscientes no momento em que são sangrados para a morte. A Frente Nacional defende, ainda, que as escolas públicas possam servir carne de porco em suas refeições – cujo consumo é proibido por mais de uma religião – sem precisar oferecer uma alternativa. A medida vem sendo implementada por várias prefeituras francesas desde 2015, muitas delas governadas não pela FN, mas também por membros do partido conservador moderado Os Republicanos (cujo candidato à presidência, François Fillon, declarou apoio a Macron), e gera desconforto em muçulmanos e na comunidade judaica. 

4 - Maior controle imigratório 

O projeto político da Frente Nacional pretende endurecer definitivamente o processo de entrada na França, bem como de obtenção da cidadania no país. Marine Le Pen defende a limitação da entrada de novos imigrantes a 10 mil por ano e quer impedir que aqueles em situação irregular no país possam legalizar a sua situação. 

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A França ainda é um dos países da Europa mais receptivos à naturalização de estrangeiros nascidos em seu território, situação que atrai imigrantes: diferentemente da maioria dos vizinhos, onde prevalece o direito de sangue (jus sanguinis), com a cidadania acessível apenas a filhos de cidadãos locais, na França ele coexiste com o direito de solo (jus soli), embora com algumas restrições – os nascidos em solo francês, se filhos de estrangeiros, precisam estar residindo no país ao completar 18 anos para garantir a obtenção da cidadania. Le Pen pretende restringir ainda mais a legislação, e já declarou que a nacionalidade francesa deve ser “ou herdada ou merecida”. 

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Este é um dos pontos em que Emmanuel Macron se mostra mais irredutível às pressões dos nacionalistas, prometendo manter as fronteiras do país abertas dentro da comunidade europeia e disposto a analisar rapidamente a situação daqueles que pedem asilo na França. Ainda assim, sua campanha já reconheceu a necessidade de controles fronteiriços mais rígidos, com processos de checagem e visto semelhantes aos defendidos pela direita. 

5 - Volta da pena de morte 

Entre os tópicos que a Frente Nacional recolocou no debate público, a volta da pena de morte é aquele que Marine Le Pen menos conseguiu avançar. Se as questões imigratórias e relativas à União Europeia acabaram se mostrando bem-sucedidas no sentido de pautar os adversários, a pena capital acabou sendo deixada de lado pela Frente Nacional, como parte da estratégia de “des-demonização” do partido. 

A última execução ocorrida em solo francês se deu em 1977, por guilhotina, e a lei foi abolida quatro anos mais tarde. Atualmente, a pena capital é proibida pela Constituição francesa, e também barrada por diferentes acordos internacionais de direitos humanos dos quais o país é signatário. A longa campanha da FN pela restituição da pena de morte a converteu no único grande partido do país a defender a volta desse tipo de punição, mantendo-a presente no imaginário popular mesmo quatro décadas após ter sido aplicada pela última vez: segundo as pesquisas mais recentes, em abril de 2016, cerca de 48% dos franceses ainda apoiam a volta da pena capital para “crimes mais graves”. 

No passado, Le Pen defendeu a realização de um referendo para a restituição da pena de morte. No entanto, buscando um eleitorado mais jovem, Marine apresentou uma plataforma modificada em fevereiro deste ano, revendo posições da Frente Nacional em temas como casamento homoafetivo e aborto, e deixando de lado a pena capital em prol de uma maior abrangência da prisão perpétua, que hoje só é aplicável na França em alguns casos de terrorismo, homicídio qualificado, liderança em tráfico de drogas, ou traição à pátria.

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