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O cancelamento digital decorrente da expressão de opiniões conservadoras tem alcançado uma nova fronteira: sistemas de pagamento online, como PayPal, sites de crowdfunding e até bancos estão cancelando ou restringindo a atividade de usuários, sob alegação de propagarem “desinformação” e “discurso de ódio”.
O cancelamento digital decorrente da expressão de opiniões conservadoras tem alcançado uma nova fronteira: sistemas de pagamento online, como PayPal, sites de crowdfunding e até bancos estão cancelando ou restringindo a atividade de usuários, sob alegação de propagarem “desinformação” e “discurso de ódio”.| Foto: Bigstock

Depois das já conhecidas suspensões de conteúdos e perfis por plataformas de redes sociais, o cancelamento digital decorrente da expressão de opiniões conservadoras tem alcançado uma nova fronteira: sistemas de pagamento online, como PayPal, sites de crowdfunding e até bancos estão cancelando ou restringindo a atividade de usuários, sob alegação de propagarem "desinformação” e “discurso de ódio”. Até mesmo o YouTube, que mudou seu sistema de monetização depois de uma piada politicamente incorreta por parte de um canal em 2017, vem desmonetizando conteúdos com base em viés político.

No mês passado, o PayPal encerrou a conta da Free Speech Union (União da Liberdade de Expressão), organização que defende acadêmicos críticos de gênero e pessoas que perderam seus trabalhos por expressar opiniões. A plataforma também baniu a conta do fundador da organização, o jornalista Toby Young, e seu site de notícias e opinião, o Daily Skeptic, sem explicações claras. Young foi informado que suas contas foram fechadas por violar a “Política de Uso Aceitável” do PayPal, mas não recebeu uma lista de transações proibidas ou ilegais.

“Se o PayPal tivesse encerrado apenas uma dessas contas, é concebível que poderia ser porque violou a Política de Uso Aceitável da empresa. Mas fechou as três contas com poucos minutos de diferença, sugerindo que há uma razão mais sinistra. Suspeito que seja porque, na realidade, o PayPal não valoriza a liberdade de expressão e o diálogo aberto ou as pessoas e organizações que defendem esses princípios”, disse ao jornal britânico The Telegraph. “Retirar serviços financeiros de dissidentes e não-conformistas e daqueles que se atrevem a defendê-los é a nova linha de frente na guerra em curso contra a liberdade de expressão”, completou.

Young declarou suspeitar que o fechamento pode ser uma resposta a reclamações de ativistas de direitos trans. Isso porque, a organização, que tem dois anos de existência, pediu recentemente ao governo que garanta que as crianças não sejam doutrinadas nas escolas, por meio da “teoria radical de gênero”.

Cancelamento parecido pelo PayPal sofreu o biólogo americano Colin Wright, após defender "calmamente durante anos a posição (aparentemente controversa) de que o sexo biológico é real, existem apenas dois sexos, e as diferenças entre machos e fêmeas às vezes importam".

Ele conta que, em abril, recebeu um e-mail da plataforma em que costumava receber doações de apoiadores, dizendo: “Você não pode mais fazer negócios com o PayPal. Após uma revisão, decidimos limitar permanentemente sua conta, pois houve uma alteração no seu modelo de negócios ou sua empresa foi considerada arriscada". O informe acrescentava que seus fundos estavam sendo retidos por até 180 dias.

Wright também foi cancelado pela loja de varejo online Etsy, onde vendia itens como canecas, pôsteres e adesivos. A alegação do site foi que suas mercadorias promovem, apoiam ou glorificam o ódio ou a violência contra grupos protegidos”. O biólogo e outros cancelados pelo PayPal migrou para o Donorbox, uma plataforma de doação que, segundo ele, passou a ser atacada pela esquerda como “um paraíso de financiamento para extremistas anti-LGBTQ”.

No momento do cancelamento, um terço dos 9,5 mil membros da Free Speech Union tinham suas taxas recorrentes processadas pelo PayPal. Cerca de duas semanas depois, Toby Young foi informado de que suas contas na plataforma foram restauradas.

“Talvez se o PayPal restaurar as contas de todas as outras pessoas e organizações que desplataformou por razões políticas e prometer não fazer nada disso novamente, eu possa reconsiderar. Enquanto isso, ainda estarei dedicando todas as minhas energias para pressionar o governo a aprovar uma lei que refreie empresas como o PayPal, para que outras pessoas com opiniões políticas não woke não tenham que suportar o que eu passei”, escreveu para a The Spectator.

No último fim de semana, o PayPal publicou atualizações em sua política, proibindo usuários de utilizar o serviço para atividades como “o envio, postagem ou publicação de quaisquer mensagens, conteúdo ou materiais” que promovam desinformação. A novidade entra em vigor em 3 de novembro, com multa de US$ 2,5 mil para cada violação. A empresa justificou para o portal de notícias Bloomberg que o aviso trata apenas de “informações incorretas”. “O PayPal não está multando pessoas por desinformação e essa linguagem nunca teve a intenção de ser inserida em nossa política”, disse um porta-voz, por meio de comunicado.

Contas encerradas sem explicação 

Em maio de 2019, um grupo de clientes conservadores denunciou o fechamento de suas contas bancárias pelo JPMorgan Chase, maior instituição financeira dos Estados Unidos. Segundo o jornal New York Post, os ativistas conservadores Enrique Tarrio, Joe Biggs, Laura Loomer e Martina Markota tiveram suas contas encerradas “sem explicações satisfatórias”, com poucas semanas de diferença entre eles.

Apoiador de Donald Trump, Tarrio é chefe da organização Proud Boys (Meninos Orgulhosos), que se definem como “antiguerreiros da justiça social”. Em 2021, ele foi preso sob a acusação de queimar uma faixa do Black Lives Matter. Dois anos antes, teve a conta no JPMorgan encerrada sem justificativa. Um gerente do banco chegou a classificar o fechamento como “incompreensível”.

Em uma reunião de acionistas, David Almasi, vice-presidente do Centro Nacional de Pesquisa de Políticas Públicas, questionou o CEO do banco, Jamie Dimon, sobre o fechamento das contas, temendo que a iniciativa possa ser parte de um expurgo maior de contas afiliadas a causas de direita. A resposta foi nebulosa, e Dimon apenas garantiu não estar encerrando contas por questões políticas.

Um ano antes, o JPMorgan e o Citigroup já haviam encabeçado um movimento limitando parcerias que envolvessem armas de fogo, após um tiroteio que deixou 17 mortos em Parkland, na Flórida. O Citicorp (divisão de consumo do Citigroup), por exemplo, afirmou que proibiria seus clientes de varejo de vender armas para pessoas sem verificação de antecedentes (o que já é previsto pela lei) e para menores de 21 anos, além das vendas de estoques. Entre esses clientes da instituição bancária estão os que recebiam empréstimos e os que ofereciam cartões de créditos de lojas.

A iniciativa provocou a reação do estado do Texas, que criou uma lei proibindo agências estaduais de fazerem negócios com qualquer corporação que “discrimine” empresas ou pessoas ligadas à fabricação de armas e munições. Limitada de fechar importantes contratos com o poder público, o JPMorgan se viu obrigado a voltar atrás, declarando por escrito ao Texas que “essas relações comerciais [com entidades ou associações de armas de fogo] são importantes e valiosas”.

Congelamentos e bloqueios contra a liberdade 

Durante protestos de caminhoneiros contra o passaporte vacinal da Covid-19, no início deste ano, o Canadá anunciou uma autorização para que bancos congelassem as contas de pessoas envolvidas no “comboio da liberdade”. As plataformas de financiamento coletivo usadas pelos manifestantes para obter doações também foram obrigadas a reportar “atividade suspeita”.

Fazendo uso da Lei de Emergências para dissuadir os dissidentes, o primeiro-ministro Justin Trudeau deu ordens para que bancos parassem de “oferecer quaisquer serviços financeiros a pessoas relacionadas aos protestos”, incluindo congelamento de contas, cancelamento de cartões e sequestro de fundos. Entre os “suspeitos” a lei colocava qualquer pessoa que fizesse doações em dinheiro para apoiar os protestos.

"A partir de hoje, um banco ou outro provedor de serviços financeiros poderá congelar ou suspender imediatamente uma conta sem a necessidade de ordem judicial. Ao fazê-lo, eles estarão protegidos contra responsabilidade civil por ações tomadas de boa-fé. Trata-se de seguir o dinheiro. Trata-se de parar o financiamento desses bloqueios ilegais. Estamos hoje notificando: se seu caminhão estiver sendo usado nesses bloqueios ilegais, suas contas corporativas serão congeladas. O seguro de seu veículo será suspenso ", declarou a vice-primeira-ministra canadense e ministra das Finanças, Chrystia Freeland, em 14 de fevereiro.

De acordo com levantamentos da imprensa, os organizadores do comboio arrecadaram mais de US$ 10 milhões (R$ 51 milhões) pelo site GoFundMe, valor que foi bloqueado pela plataforma, sob a promessa de fazer o reembolso aos doadores. A alternativa encontrada pelos apoiadores foi um site cristão, o GiveSendGo. As arrecadações chegaram a US$ 8,4 milhões (R$ 43 milhões), mas o site acabou fora do ar após relatos de ataques de hackers.

Financiamento coletivo 

Em 2018, o Patreon, um site norte-americano de financiamento coletivo que oferece ferramentas para que criadores de conteúdo gerenciem assinaturas, censurou o youtuber britânico Carl Benjamin (do canal Sargon of Akkad). O público reagiu com um boicote à plataforma, pelo que considerou um cancelamento de viés político. De acordo com o site, um vídeo de Benjamin violou as definições de discurso de ódio (o que “inclui ataques sérios, ou mesmo generalizações negativas, de pessoas com base em sua raça [e] orientação sexual”) da plataforma.

A ativista canadense Lauren Southern também foi banida do Patreon, após gravar vídeos criticando a ideologia de gênero e o Black Lives Metter. Ela conta que foi informada por e-mail de que sua conta estava sendo desativada porque suas ações “provavelmente causariam perda de vidas”. Na época, Southern tinha 650 assinantes na plataforma.

Desmonetização pelo YouTube 

Conhecido na internet como “Adpocalypse” [uma brincadeira com as palavras advertisement (propaganda, em inglês) e apocalipse], o movimento de desmonetização pelo YouTube (quando um canal ou um vídeo deixa de gerar receitas publicitárias na plataforma) começou em 2017, após dois episódios separados. Um deles foi a denúncia de que grupos terroristas estariam usando o site para monetizar vídeos promovendo o terrorismo. O outro foi uma piada politicamente incorreta com judeus, postada pelo canal 'PewDiePie', que tem 111 milhões de inscritos.

Mesmo após o proprietário do canal justificar a natureza satírica do conteúdo e pedir desculpas, a reação do YouTube foi adicionar um ícone de desmonetização ao gerenciador de vídeos da plataforma, que tem atingido cada vez mais conteúdos por viés político. A sinalização indica ao criador de conteúdo que seu vídeo está em uma espécie de “purgatório” e não pode receber verbas publicitárias da plataforma.

Em agosto, Tribunal Superior Eleitoral (TSE) brasileiro determinou a desmonetização de 14 canais de direita investigados por, segundo o corregedor-geral Luis Felipe Salomão, "comprovadamente" propagarem desinformação sobre as eleições. Os valores que deveriam ser transferidos aos donos dos canais seriam depositados em uma conta bancária vinculada à Justiça Eleitoral.

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