Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
EUA

A nova política econômica de Trump que pode mudar a ordem mundial para sempre 

Donald Trump: poítica econômica pode romper com Acordo de Bretton Woods.
Donald Trump: poítica econômica pode romper com Acordo de Bretton Woods. (Foto: EFE/EPA/Jim Lo Scalzo)

Ouça este conteúdo


O sistema econômico dos últimos 80 anos nasceu em um vilarejo no estado americano de New Hampshire. O novo pode nascer em Mar-a-Lago, resort de Donald Trump na Flórida. 

O governo Trump tem dado sinais de que pretende rever o consenso criado pelo Acordo de Bretton Woods, que moldou a economia global no pós-guerra. É um passo a mais de uma política que parece querer rever laços históricos — como o protagonismo americano na OTAN, o tratado militar dos países do atlântico norte.

O que foi Bretton Woods 

A Segunda Guerra Mundial ainda não havia cessado por completo, mas os principais poderes já começavam a desenhar um novo sistema econômico.

A falta de integração financeira após o fim da Primeira Guerra Mundial era vista como um erro a não ser repetido. Com os Estados Unidos à frente, um grupo de 44 países — inclusive o Brasil — enviou representantes para uma Conferência em Bretton Woods, um local isolado em New Hampshire que ainda hoje é usado como um resort de esquiadores. 

Dali, sairiam duas instituições que se tornaram centrais para a economia do mundo: o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, cuja semente foi o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). Ambas tinham como objetivo principal assegurar a recuperação dos países afetados pela guerra e estabelecer um sistema de cooperação que beneficiaria a comunidade internacional como um todo.  

O FMI tinha como objetivo promover a cooperação internacional e favorecer a expansão do comércio global. 

Já o Banco Mundial nasceu para financiar os esforços de reconstrução dos países afetados pela Segunda Guerra. 

“O acordo de Bretton Woods estabeleceu um sistema de taxas de câmbio fixas em que o valor das moedas era atrelado ao dólar americano”, acrescenta Renan Silva, professor de Economia do Ibmec Brasília. Ele explica que, a partir dali, os Estados Unidos assumiram o papel de gestor da política monetária global.

Críticos à esquerda e à direita viram em Bretton Woods o começo de uma centralização de poder nas mãos de uma elite global, mas isso não impediu a consolidação do sistema estabelecido em 1944. Agora, oito décadas depois, esse arranjo pode ser modificado profundamente.  

Trump e o novo Bretton Woods 

A Bloomberg e o Wall Street Journal noticiaram que Donald Trump cogita forçar os credores do governo americano a trocarem títulos do Tesouro dos Estados Unidos por papeis de longo prazo. Na prática, isso aliviaria as finanças do governo americano. 

A informação saiu depois de um encontro de Donald Trump com executivos de Wall Street em Mar-a-Lago. 

A comparação com Breton Woods pode ser exagerada, mas uma eventual mudança de política teria o potencial de alterar profundamente a economia internacional. 

Ao questionar o consenso do pós-guerra, o governo Trump tem três objetivos: enfraquecer o dólar, reduzir a dívida americana e incentivar a indústria dos Estados Unidos. 

A mudança é fruto da percepção de que os Estados Unidos não recebem a contrapartida correta pela sua presença na economia global, inclusive o seu papel de fiador da segurança (militar e econômica) de grande parte do globo.   

A Europa já se reconstruiu, e a presença da China mudou o cenário. Com uma mão-de-obra mais barata e uma economia guiada com mão-de-ferro pelo Estado, os chineses têm tirado proveito do antigo sistema. 

Renan Silva acredita que o governo Trump quer colocar os Estados Unidos numa posição de mais proeminência no cenário econômico global. “A China vem tendo superávits na balança comercial com relação aos Estados Unidos há praticamente 30 anos. É como se o Trump agora dissesse: ‘Agora vocês me devolvem um pouco’”, diz ele.

O aumento das tarifas a países que exportam para os Estados Unidos, inclusive o Canadá, é um sinal de que o novo governo americano pretende mudar isso. 

Ainda em novembro, um conselheiro de Trump —- Stephen Miran, que é doutor em Economia por Harvard — publicou um relatório afirmando que o dólar está supervalorizado, e que isso prejudicava a economia do país. A solução, disse ele, seria impor tarifas, criar um fundo soberano para dar liquidez ao patrimônio do governo americano e, por fim, reestruturar a dívida (o que inclui uma repactuação das obrigações financeiras americanas, inclusive com organismos como a OTAN).

“O consenso de Wall Street de que uma administração não tem meios para afetar o valor de câmbio do dólar, caso deseje fazê-lo, está errado. O governo tem muitos meios para fazer isso, tanto multilateralmente quanto unilateralmente", disse Miran no relatório.   

Estratégia ou impulso?

Como tudo que envolve Trump, por vezes é difícil separar o que são intenções reais e o que é bravata. "Trump primeiro joga o pior dos cenários para depois sentar para negociar", afirma o professor Renan Silva. Ao mesmo tempo, ele lembra que o presidente americano já levou adiante algumas de suas ameaças, como a imposição de tarifas sobre a China, o Canadá e o México.

"Os apoiadores do sistema de Bretton Woods precisam entender que o governo Trump verá os sistemas multilaterais através de uma lente diferente do que os presidentes anteriores", escreveu o analista Daniel Runde na página Bretton Woods Project (uma publicação especializada no assunto), ao analisar a movimentação recente do governo americano. Na visão dele, um aumento dos aportes americanos a organizações como o Banco Mundial é improvável. Mas, para Runde, o governo americano não vai abandonar os termos de Bretton Woods. 

Já Leonardo Paz, doutor em Relações Internacionais e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, afirma que Donald Trump talvez não tenha uma visão pronta sobre o futuro do sistema internacional. 

“De fato, ele está tentando redesenhar a ordem internacional. Mas às vezes parece que é deliberado, no sentido de que ele está tentando construir algo novo. Na verdade, ele não sabe muito o que ele quer para a ordem internacional e não tem muita clareza dos impactos daquilo que faz”, afirma. Na opinião de Paz, Trump está preocupado sobretudo em fortalecer a posição americana, sem se preocupar com os detalhes da ordem internacional. 

Ainda segundo Paz, o acordo de Bretton Woods se baseou na ideia de que manter os Estados Unidos como um fiador da estabilidade global era vantajoso para os americanos — mesmo levando em conta os custos de manter a OTAN, o FMI e o Banco Mundial. O governo atual já não pensa bem assim. “Eu acho que ele não tem clareza dos benefícios que esse sistema traz para ele”, afirma o pesquisador.

Talvez seja a isso que o presidente da França, Emmanuel Macron, tenha se referido quando disse recentemente que “nossos filhos não vão mais se beneficiar dos dividendos da paz”.  

VEJA TAMBÉM:

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.