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Pedro Henrique Alves: “Ver Freixo em uma Igreja não faz com que o eleitor comum esqueça quais são as ideias políticas e propostas sociais que defende do templo para fora”
Pedro Henrique Alves: “Ver Freixo em uma Igreja não faz com que o eleitor comum esqueça quais são as ideias políticas e propostas sociais que defende do templo para fora”| Foto: Reprodução/Twitter

A democracia moderna tem muitos diferenciais ante aquela praticada pelos gregos há mais de 2500 anos, isso se dá pois, em larga escala, as ideias iluministas do século XVII e XVIII transformaram um modelo político inovador em um princípio social inegociável. Hoje realmente são poucos o os que colocam em dúvida se a democracia de fato seja a melhor das opções viáveis. Uma das mudanças propostas pela democracia moderna foi a desvinculação da política estatal da política espiritual, a Igreja e o Palácio deveriam ser desatados para o bem de ambos, de preferência, deveriam estar em praças distantes ainda que pudessem exercer influência uma sobre a outra.

Isso ocorre após a despótica revolução ocorrida na França, e a maturação lenta da Revolução Gloriosa na Inglaterra, ficou claro ao mundo moderno que seria benéfico à Igreja e à política civil se ambas atuassem em campos diferentes dentro da mesma sociedade. A Cidade de Deus, de Santo Agostinho, ganha assim novas conotações e apreços da Igreja e dos acadêmicos; o Espírito e a Política, o que é de Deus e o que é de César, voltam a ser observados por ambas as instituições – com exceção do islamismo, algumas igrejas orientais e o luteranismo estatal dos primeiros séculos após a revolução de Lutero. Hoje, ainda em países ocidentais que mantém uma relação de religião e Estado, como na Inglaterra, percebe-se que tal relação é mais simbólica e cosmética do que qualquer outra coisa. Hoje a separação institucional de Estado e Igreja no campo político é ponto pacífico entre direita e esquerda no Ocidente organizado.

Entretanto, devemos notar que tal distinção não é tão óbvia e acentuada na prática, e que tal separação não soa tão sadia como podemos supor quando lemos as clássicas e fervorosas argumentações dos iluministas franceses, pois, se um dos poderes (espiritual e político) tenta suprimir o outro, então nós temos uma crise democrática das mais graves. Como afirmava a filósofa e religiosa católica Edith Stein, é direito inegociável do indivíduo sua liberdade espiritual.

Usemos alguns exemplos atuais para ilustrar essa problemática: na Nicarágua, Daniel Ortega iniciou uma verdadeira cruzada contra a Igreja Católica, segundo site católico Aleteia já são oito padres e dois bispos detidos naquele país, além de inúmeros fiéis hostilizados e impedidos de participarem de missas. Na China, como já se tornou comum desde a tomada do poder por Mao Tsé Tung, cada dia mais o Partido Comunista fecha os caminhos para a prática da fé cristã, nesse ano o governo central iniciou um combate aberto contra igrejas evangélicas e cultos online. No outro extremo, ainda que agora devamos dispensar a fé cristã desse fardo, temos os estados islâmicos que têm na Religião de Maomé e suas doutrinas um dos braços (talvez o mais forte e influente) do Estado.

Fato é que, ao que tudo indica a política não conseguirá extirpar por completo a influência da religião, seja na fé individual dos homens de poder de um Estado, seja no eleitorado. Segundo dados de 2022 do Datafolha, no Brasil, 77% dos indivíduos se declaram cristãos, 51% católicos e 26% protestantes, caso consideremos também os adventistas – que a pesquisa contabilizou separadamente das linhas tradicionais do protestantismo – acrescentaríamos mais 2% a esse montante – ou seja, há por volta de 79% de cristãos confessos no Brasil.

No entanto, esses dados podem ser ainda mais relevantes se considerarmos o fato de que os valores cristãos são passados de forma social e familiar, e ainda que alguém não se denomine “cristão”, seja por não frequentar igrejas, intimidação comunitária ou por não seguir fielmente os seus preceitos, muitos com certeza têm princípios e práticas morais que seguem direta ou indiretamente as ideias daquela fé.

Como, nesse cenário, poderíamos sonhar em separar fé, moral cristã, e os próprios fiéis – que também são eleitores – da política factual do país? Impossível. Segundo pesquisa do Ipec da última segunda-feira (15/08), 47% dos eleitores evangélicos declaram voto em Bolsonaro e 29% em Lula. [Metodologia da pesquisa:
O Ipec entrevistou 2 mil eleitores em 130 municípios entre os dias 12 e 14 de agosto de 2022. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos, com intervalo de confiança de 95%. A pesquisa foi encomendada pela TV Globo e está registrada no TSE com o protocolo BR-03980/2022.
]

Confesso certo espanto ante a pesquisa, pois a sensação social, digital e histórica faz parecer que esse eleitorado do presidente é muito maior, e é isso que mostra a pesquisa PoderData realizada entre 31 de julho a 2 de agosto, 62% do eleitorado evangélico votaria em Bolsonaro e 22% em Lula. [ Metodologia da pesquisa: O levantamento do PoderData, que contratou a própria pesquisa, ouviu 3,5 mil eleitores em 322 municípios das 27 unidades da federação entre os dias 31 de julho e 2 de agosto de 2022. As entrevistas foram feitas por telefone, para fixos e celulares. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos e o nível de confiança é de 95%. Foi registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob o número BR-08398/2022].

Entre os católicos o PoderData mostra Bolsonaro com 26% das intenções de voto e Lula com 50%. Faz todo sentido tais números dado a influência histórica da Teologia da Libertação em favor do PT – vertente marxista da teologia católica ainda muito influente nos seminários do país –, bem como faz sentido o pentecostalismo evangélico e as linhas tradicionais da teologia protestante ter balizado e sustentado o discurso liberal-conservador de Bolsonaro – Max Weber não se assustaria.

Assim sendo, analisando friamente a sociologia da eleição que se avizinha, faz todo sentido que ambos os candidatos cada dia mais sinalizem e se aproximem dos grupos cristãos em troca de confiança e, obviamente, votos. E está tudo bem, uma das utopias francesas, a de extirpar a influência da religião do terreno político, sempre foi mero sonho ideológico e, posteriormente, repetido pelos marxistas no Leste Europeu. Em ambos os tempos a política não conseguiu suprimir por completo a religião cristã do senso comum social e nem muito menos da prática individual.

O fato é que uma população majoritária, histórica e visivelmente influenciada pela fé cristã como a brasileira, terá de galgar representação e expoentes de sua crença na política. É parte do jogo que a maioria popular seja fortemente representada nas decisões de Estado através de suas crenças morais e, consequentemente, nem que seja por reflexo, religiosas; é verdade que a maturidade das instituições deverá sustentar uma sobriedade ante essas influências caso extremismos e fideísmos surjam como alienação das regras democráticas.

Mas, cá entre nós, a despeito de todo preconceito de certos setores midiáticos e o eterno discurso esquerdista que sempre esteve aí, nada indica que estejamos pertos de ressuscitar qualquer tipo de “Sacro Império” aqui no Brasil. A política nos altares, ainda que seja espiritualmente feio, até mesmo um tanto quanto antibíblico, é parte natural de uma sociedade civil atavicamente influenciada pela fé cristã.

Quando começamos a achar que os cristãos deveriam “se meter menos” em questões políticas para evitar “problemas” à República – como recentemente o Ministro do Interior Francês (tinha que ser) Gérald Darmanin deixou entender em entrevista à C News – corremos claramente o risco de cairmos em preconceitos abobalhados, discursos autoritários e tentativas funestas de excluir ou abafar um setor enorme da sociedade em nome de uma visão ungida de acadêmicos, especialistas e ideólogos.

Um dado pouco contabilizado até aqui pelas pesquisas, e também pouco levado em conta pelos sociólogos, é que grande parte dos católicos mais tradicionais, isto é, não ligados à Teologia da Libertação, sejam eles os carismáticos – os pentecostais da Igreja Católica – ou os tradicionalistas, tendem a votar em Bolsonaro pelo simples fato de que Lula e PT são embrionariamente ligados ao socialismo, são velhos endossadores de regimes comunistas, ideologia que há pelo menos 150 anos é expressa e repetidamente condenada pelo catecismo e demais documentos católicos.

Tanto a Renovação Carismática Católica quanto as vertentes tradicionalistas tendem a se expressar politicamente de forma modesta se comparado às igrejas protestantes, dessa maneira, o número de católicos apoiadores de Bolsonaro deve ser maior do que as pesquisas vêm mostrando justamente por não ajustarem o foco nesses subsetores.

Caso tenhamos isso em mente, a própria eleição de 2018 ganha uma compreensão mais adequada, dado que somente o eleitor evangélico não justificaria a vitória de Bolsonaro.

Para completar tal impressão, é notável que a Teologia da Libertação está cada dia mais em descrédito no meio católico apesar dos esforços constantes dos remanescentes da ideologia religiosa. Basta uma breve pesquisa nas redes sociais para notar que os grandes influenciadores católicos são quase todos opositores de tal vertente, e que o Brasil talvez seja o último país, até mesmo na América Latina, que expressa qualquer apoio e sustento a essa ideologia teológica. De 2002 para cá, muitas coisas mudaram no mundo católico nacional, as comunidades de base da teologia marxista estão em desuso nas dioceses, cada dia mais tenho a percepção de que Lula não tem mais um apoio tão robusto assim dos católicos.

No entanto, uma questão torna-se elementar nesse texto, não é razoável crer que tais evangélicos e católicos sempre votaram somente em candidatos que coadunavam com suas ideias religiosas, ou que tal adequação tenha sido sempre uma condição inalienável para seus votos.

Acredito que a partir de 2013, com a guinada brasileira rumo a um liberal-conservadorismo – muito apoiado pelas opiniões e escritos de Olavo de Carvalho e pela popularização de nomes como Mises e Hayek –, passamos a adotar uma compreensão política mais conceituada e esclarecida, encontrando em tais pautas liberais e conservadoras definições políticas que se adequam melhor às tradicionais crenças cristãs. Não estou afirmando, pura e simplesmente, que o conservadorismo e o liberalismo político são essencialmente cristãos, mas sim que as pautas liberais e conservadoras se moldam melhor à ética cristã do que o velho comunismo revolucionário e a social-democracia europeia.

Além do aspecto de novidade que o liberal-conservadorismo trouxe ao debate político nacional – lembro-me que muitos naqueles anos sinceramente se questionavam como nunca tinham sequer escutado tais princípios políticos antes –, o brasileiro começou a adotar visões e análises políticas mais multifacetadas, ao ponto que hoje, do caminhoneiro ao empresário, quase todos sabem – nem que seja superficialmente – o que são pautas políticas de “direita” e de “esquerda”. Me parece que, agora, o indivíduo comum consegue rastrear nas agendas políticas as ideias gerais que os candidatos defendem.

Basta ver como uma foto de Lula rezando e a de Freixo em uma Igreja não fazem com que o eleitor comum esqueça quais são as ideias políticas e propostas sociais que ambos defendem do templo para fora. O brasileiro está politizado e menos tendente a abarcar narrativas eleitoreiras, o número de indivíduos coagidos através da ignorância e do marketing de ocasião, ao que parece, está mais rarefeito; hoje não basta mais ostentar a fé somente por palavras, fotos e horários eleitorais para que a dona Ana se convença sobre os benefícios que virão das políticas daquele candidato.

A política dos altares é, assim, cada dia mais importante para aqueles que buscam qualquer representação; se quisermos entender os ventos políticos e as opiniões sociais para além dos especialistas e opinadores, devemos entender então quais mentalidades e valores norteiam as escolhas populares.

A Aula 1, lição A, sobre a democracia deveria ensinar que esse é um sistema baseado nas escolhas populares; e, se fôssemos capazes de ir além dessa definição básica, entenderíamos que costumeiramente as pessoas escolhem pautadas em seus valores e premissas morais, moralidade essa que, na maioria das vezes, está ligada a uma religião – no caso do Brasil, majoritariamente à religião cristã. Apesar da vontade dos ungidos do establishment, a população ainda é necessária à democracia; isto é, querendo ou não, a democracia brasileira passa diretamente pelo cristianismo pois a população é direta ou indiretamente cristã, e, por isso, quem primeiro conseguir arrebanhar as ovelhas desse redil tende a sair vitorioso nas urnas na próxima eleição.

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