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Retrato da Princesa Isabel | Acervo da Biblioteca Nacional
Retrato da Princesa Isabel| Foto: Acervo da Biblioteca Nacional

A ligação da escola de samba Mangueira com organizações criminosas não foi a única controvérsia relacionada com seu vigésimo título da Marquês de Sapucaí.

O samba-enredo vitorioso do carnaval carioca de 2019 teve como tema as lutas de negros, indígenas e mulheres na história do Brasil. Com o nome “História pra ninar gente grande”, a composição entoava na avenida os versos "Brasil, meu dengo/ A Mangueira chegou/ Com versos que o livro apagou/ Desde 1500/ Tem mais invasão do que descobrimento/ Tem sangue retinto pisado atrás do herói emoldurado/ Mulheres, tamoios, mulatos/ Eu quero um país que não está no retrato". 

Para o carnavalesco Leandro Vieira, o enredo critica a falsa emolduração de heróis da nossa história. "O que proponho é olhar para os mortos, para o sangue por trás de figuras como Duque de Caxias, dos bandeirantes, do Floriano Peixoto, da Princesa Isabel e do Estado brasileiro que permitiu que o Brasil fosse o último país das Américas a abolir a escravidão". Para transmitir essa imagem, figuras históricas foram apresentadas dançando sobre corpos de índios e de escravos mortos e ainda ensanguentados.

A inclusão da Princesa Isabel neste infame panteão, no entanto, é tema de discussão entre historiadores e escritores.

Conselheiro da Educafro e autor do e-book “13 de Maio: A Maior Fake News de Nossa História”, Irapuã Santana concorda que a figura da princesa Isabel pode ser “um tanto controversa”. “O Brasil já quase não tinha escravos em 13 de maio de 1888. À época, negros não poderiam adquirir terras, tampouco ter acesso à educação formal. Diante desse quadro, o que a Princesa Isabel fez para reverter a situação? Revogou as leis injustas que deixaram os escravos jogados à própria sorte? Ela apenas cumpriu com uma de suas várias obrigações, e tarde demais!”. 

Mas inferir que há sangue de escravos nas mãos da Princesa Isabel, como fez a escola, é distorcer a história.

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“É mais fácil um asteroide destruir a Terra que um samba-enredo ter coerência ou originalidade histórica”, critica Leandro Narloch, autor de “Escravos: A vida e o cotidiano de 28 brasileiros esquecidos pela história”. “Até a Princesa Isabel, a pessoa que aboliu a escravidão por aqui, ganha retrato de escravista nos sambas-enredo”, afirma o jornalista. Santana, pelo contrário, defende que “mesmo o enredo sendo contado artisticamente, não deve ser descartado, pois é uma boa fonte informação da periferia. Ignorar ou fazer pouco dessa via só mostra uma pretensão recheada de preconceito.” 

Para Narloch, a história do Brasil contada nos sambas-enredo é “mais simplória que fábulas infantis”, ao retratar índios e negros como “ursinhos carinhosos” e os portugueses ou a elite brasileira como personagens que, por puro sadismo mantiveram a escravidão.

Sobre o fato de a escravidão ter durado tanto tempo no Brasil, esclarece que “muitos temiam que a abolição resultasse numa guerra civil, como a dos Estados Unidos. Hoje, é muito fácil (e ingênuo) apenas culpar os brancos por esse fato lamentável da nossa história. Mesmo porque os ascendentes de muitos brancos e ricos do Brasil atual eram imigrantes europeus ou japoneses, que chegaram aqui no final do século 19, começo do século 20, dos quais poucos tiveram escravos.” 

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Já o professor e colunista da Gazeta do Povo Paulo Cruz esclarece que a abolição não foi um presente da princesa Isabel, como muitos pensam, mas pormenorizar sua atuação é, definitivamente, um erro.

“Ela fez campanha abolicionista ao lado dos próprios filhos, tendo ajudado quilombos e abrigado escravos fugidos no Palácio. Além disso, há estudos mais recentes que mostram o grande processo popular que resultou no abolicionismo brasileiro. Quando em 1867 o imperador Dom Pedro II mencionou a necessidade de se fazer a abolição da escravatura, os parlamentares perderam o receio de debater sobre”, afirma. “Ao final daquela década, a criação de associações se intensificaram (pois já existiam desde 1850), e se notabilizaram com a criação da Confederação Abolicionista, de Rebouças, Patrocínio e Nabuco. Elas reunirão em seus eventos multidões, tornando a pauta abolicionista muito popular.” 

Paulo defende ainda o papel da princesa Isabel após a abolição, por se envolver em um projeto para indenização dos ex-escravos. “Mesmo sem sucesso, não se pode esconder seu papel na história”.

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