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Aqueles que disparam a arma da retórica do “perceba seu privilégio” a descrevem como um lembrete para sermos sempre solitários e sensíveis aos sentimentos alheios | Pixabay
Aqueles que disparam a arma da retórica do “perceba seu privilégio” a descrevem como um lembrete para sermos sempre solitários e sensíveis aos sentimentos alheios| Foto: Pixabay

Recentemente, me deparei com um artigo do escritor conservador Derek Hunter (autor do livro Outrage, Inc. [Revolta, Inc]) intitulado “It's Time For A Serious Conversation About Serious Conversations” [É hora de uma conserva séria sobre conversas sérias], que achei bastante instigante. O argumento central era este: 

Democratas (...) insistem, em alto e bom som, que ‘é hora de o país ter uma conversa séria’ sobre o que quer que eles considerem a coisa mais importante da época. O estranho é que eles jamais conversam sobre nada. Ao menos não com alguém que tenha uma perspectiva diferente da deles. 

Leia mais: Como pensar sobre o privilégio

Hunter descreveu o que eu instintivamente sentia. E ele fez um belo trabalho ao mencionar o racismo como um exemplo quase onipresente do que é usado para acabar com qualquer conversa séria ao mesmo tempo em que se diz que precisamos conversar sério. 

Mas acho que talvez haja um exemplo mais claro dessa dissonância cognitiva à qual Hunter se refere – a ideia de que você deveria “perceber seu privilégio” antes de dar uma opinião controversa, algo que se tornou comum na retórica dos justiceiros sociais, bem como a suposição por trás de uma profusão de microacusações agressivas. A justificativa explícita para quem pratica a retórica é que ela promove o debate público, embora seu uso o tenha reprimido. 

O problema com a retórica do “perceba seu privilégio” 

Aqueles que disparam a arma da retórica do “perceba seu privilégio” a descrevem como um lembrete para sermos sempre solitários e sensíveis aos sentimentos alheios. Uma versão mais amena diz que você (mas nunca eles) talvez esteja fazendo alguma suposição inapropriada para chegar às suas conclusões. 

Algo que pode ser importante para você, levando em conta seus supostos privilégios, talvez não seja para os outros, e o mal-entendido consequente pode levar a um cuidado insuficiente em relação aos outros ou a avaliações equivocadas. 

Claro que qualquer um que expresse mágoa também é recompensando com poder unilateral de vetar sua capacidade de compartilhar e defender aquilo em que você acredita. 

Ao defini-lo como alguém de fora da classe oprimida, isso também “justifica” tratá-lo como parte da classe opressora. E rotulá-lo significa que as pessoas que se opõem a você não precisam ouvir nem respeitar seus argumentos. Além disso, seu “erro” inerente de opressor sacrifica seus direitos e propriedades a fim de satisfazer todos que se consideram oprimidos. 

Como podemos dizer que o uso de tal “lógica” promove o debate ou melhora as relações sociais ou, ao contrário, agride essas possibilidades? Pergunte-se o que estaria subentendido se a ideia do “perceba seu privilégio” quisesse mesmo promover tal conversa. 

Quando esses termos passam a ser usados para interromper preventivamente a comunicação, impedindo que os que discordam sejam ouvidos ou levados a sério, nem a clareza do discurso nem a solidariamente melhoram. Então, essas suposições não deveriam pôr um fim à discussão; elas deveriam facilitar conversas mais completas. 

Da forma que é atualmente usado, “perceba seu privilégio” é um imperativo de que você está errado na sua compreensão e nas suas ideias – e de que você é autocentrado demais para perceber. Mas deixa a explicação do como e do porquê para os que o acusam de pertencer a um grupo supostamente privilegiado. O progresso rumo a uma compreensão maior exige vários passos adicionais. 

Recusando-se a reconhecer seu argumento 

O progresso exigiria justamente determinar que premissas falsas, suposições e argumentos a pessoa mantém, bem como por que eles são inapropriados para o tema em consideração. As premissas apropriadas para substituí-los, então, precisariam ser reações racionais e articuladas às objeções. 

A forma como as “novas e melhores” premissas mudariam as conclusões de alguém é algo que precisaria de uma demonstração, considerando as soluções mais adequadas baseadas em análises alternativas. Ela teriam de explicar por que as soluções propostas não são apenas manobras do tipo “o que for melhor para mim” ligadas a justificativas assentadas apenas no autointeresse. E ela teria ainda de justificar qualquer privilégio criado para os que se consideram vítimas, incluindo a imposição de medidas coercivas que os criadores dessa retórica exigem. 

É bem verdade que a retórica do “perceba seu privilégio” pode levar algumas pessoas, às vezes, a pensarem com cuidado e a nutrirem solidariedade pelas circunstâncias alheias, que podem ser muito diferentes das nossas. Mas isso só pode gerar frutos bons como o início de uma discussão aberta muito mais profunda. Mas não é o que se tem visto. 

A expressão, da forma como é atualmente usada, tem sido usada para declarar vitória em conflitos sociais, estabelecer privilégios aos que se autodefinem como moralmente superiores por causa da opressão e para desqualificar os que discordam, isso tudo sem um argumento coerente. 

Essa demonização social é repetidamente empregada para tentar impor coercivamente “soluções” à custa dos que eles decidem que precisam se retratar. Isso, por sua vez, prejudica a cooperação social por violar os direitos sobre os quais a cooperação é construída, sem promover o debate e a solidariedade. 

Gary M. Galles é professor de economia da Pepperdine University. Entre seus livros mais recentes estão Faulty Premises, Faulty Policies (2014) e Apostle of Peace (2013). Ele é membro da rede letiva da FEE. 

Tradução: Paulo Polzonoff Jr.

©2018 FEE. Publicado com permissão. Original em inglês

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