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Geraldo Alckmin em 2016, quando era governador do estado de São Paulo.
Geraldo Alckmin em 2016, quando era governador do estado de São Paulo.| Foto: Governo do Estado de São Paulo

Nas eleições presidenciais de 2006, quando Geraldo Alckmin disputou contra o então presidente Luís Inácio Lula da Silva, o candidato do PSDB era intensamente atacado pelos adversários de esquerda com os adjetivos costumeiramente usados contra conservadores. Em geral, diante dessas investidas sua postura tendia a ser defensiva ou de esquivamento, buscando evitar o foco no debate sobre costumes, pois Alckmin preferia ser visto como um administrador exemplar, fugindo de temas controversos. A história mostra que em nível nacional essa estratégia nunca funcionou, mas agora que se filiou ao Partido Socialista Brasileiro (PSB) e foi indicado pela sigla para ser o vice de Lula, os rótulos que sempre rechaçou parecem servir bem à narrativa de que a candidatura petista nessas eleições é moderada e democrática. A presença do “conservador” Alckmin na mesma chapa seria a maior prova disso.

A tese, contudo, é repleta de fragilidades e exige do eleitor um obstinado esforço para ignorar evidências de que as gestões de Alckmin como governador de São Paulo ficaram bem longe do que se poderia chamar de autêntico governo conservador. Apesar da presença frequente em missas e da amizade com lideranças religiosas, Alckmin nunca foi capaz de ir além dos simbolismos e dos hábitos culturais que remetem ao catolicismo. Situações de promoção explícita da ideologia de gênero, por exemplo, feitas com dinheiro público por meio de órgãos estatais que estavam sob seu comando, não foram suficientes para que ele se indispusesse com aliados políticos. O governador simplesmente não interferia.

Esses casos, somados à notória rejeição do próprio político em se considerar conservador ou “de direita”, mostram que se Alckmin tem – ou teve - convicções morais e religiosas que o aproximam do conservadorismo brasileiro, elas nunca influenciaram suas decisões enquanto governante. Há quem considere isso uma virtude, mas a omissão diante de ataques flagrantes à instituição familiar é uma mancha difícil de ser apagada ou esquecida, principalmente para um eleitorado que já pertenceu ao PSDB, mas hoje não tem receio algum em se apresentar como conservador. Pelo contrário, orgulha-se por priorizar temas morais.

Ideologia de gênero 

Na campanha eleitoral de 2018, quando terminou o primeiro turno na quarta colocação, com 4,7% dos votos, Alckmin se viu obrigado a tratar do assunto ideologia de gênero, dado o foco que o candidato eleito, Jair Bolsonaro, colocava no tema. Participando de uma sabatina promovida por UOL, Folha de S. Paulo e SBT ele foi questionado se era a favor da “discussão de gênero” na escola. Na ocasião, limitou-se a responder que: “em princípio, eu acho que a questão de ideologia de gênero é a família quem deve cuidar”.

Na resposta relativamente evasiva o candidato não fez nenhum juízo de valor sobre a tese de que masculino e feminino seriam meros conceitos socialmente construídos e fluidos, o cerne da ideologia de gênero. Independentemente disso, seus governos nunca seguiram o que o então candidato defendeu naquela campanha. Se Alckmin realmente achava que ideologia de gênero era assunto para se tratar em família, sob sua gestão, era nas escolas estaduais que adolescentes aprendiam sobre a variedade de gêneros que estariam à disposição. O conteúdo era dado com ou sem o consentimento dos pais e o interesse do governo Alckmin pelo tema não se limitava às explanações teóricas.

Em 2017, por exemplo, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo implantou banheiros de gênero em escolas estaduais para atender aos 365 alunos que foram registrados na rede de ensino com o nome social. Na prática, eram banheiros comuns, masculinos e femininos, mas os meninos que se identificassem e fossem registrados com gênero feminino tinham autorização para usar o mesmo banheiro frequentado pelas meninas da escola.

Longe de ser uma ação isolada e desconhecida pelo governador, a iniciativa foi publicada com destaque no site institucional da Secretaria de Educação e reproduzida por vários sites de notícias locais. O texto enfatizava, aliás, que “todas as unidades de ensino da rede estadual devem seguir as recomendações da Secretaria da Educação para o uso do banheiro e respeito ao tratamento por identidade de gênero”.

A preocupação da pasta em promover os banheiros de gênero era tão grande que foi organizada uma “série de documentos orientadores e videoconferências sobre o assunto”. O conteúdo esteve disponível para as diretorias regionais de ensino e escolas estaduais. A secretaria conclui a nota lembrando que “todos devem seguir a lei estadual nº 10.948, que versa sobre discriminação em razão de orientação sexual e identidade de gênero”. A referida lei foi sancionada em 5 de novembro de 2001, pelo então governador Geraldo Alckmin, que estava em seu primeiro mandato.

O secretário de Educação por trás dessa e outras ações semelhantes, sempre promovendo o conceito de identidade de gênero entre adolescentes da rede estadual de ensino, era José Renato Nalini, um jurista que já foi desembargador no Tribunal de Justiça de São Paulo e ocupou o cargo de secretário de Educação de janeiro de 2016 até abril de 2018.

Durante sua gestão, com aval de Alckmin, a promoção do conceito de identidade de gênero nas escolas chegou a ganhar ares de ludicidade por meio de um concurso musical intitulado Vozes pela Igualdade de Gênero, direcionado a estudantes do Ensino Médio de todo o estado. Na edição de 2017, por exemplo, o objetivo foi “trazer o debate sobre as diferenças de gênero, orientação sexual e outros marcadores da diferença”.

Não foi Nalini, contudo, quem deu início a um dos programas mais intensos de difusão das teorias de gêneros em escolas brasileiras. As Oficinas de Diversidade Sexual e de Gênero começaram bem antes na rede paulista. Num material usado em 2013 para treinamento de professores, por exemplo, os docentes aprendiam o conceito de que “mulheres e homens são produtos da realidade social” e que “as relações de gênero devem estar presentes em todos os componentes curriculares”. Naquele ano, o secretário de Educação era Herman Voorwald, e o governador, Geraldo Alckmin.

Materiais usados para formação de professores da rede estadual de educação, em 2013, quando Geraldo Alckmin era governador de São Paulo.
Materiais usados para formação de professores da rede estadual de educação, em 2013, quando Geraldo Alckmin era governador de São Paulo.

Opus Dei 

No passado, notando o comportamento defensivo que Alckmin sempre demonstrou em ser chamado de conservador, uma das formas mais usadas por seus adversários para colar no ex-governador tal rótulo era o de imputar-lhe a condição de membro do Opus Dei, uma organização católica formada majoritariamente por leigos, conhecida pela fidelidade à doutrina da Igreja e, justamente por isso, frequentemente chamada de modo pejorativo por grupos anticlericais de “ultraconservadora”. Em geral, também nesse tema, Alckmin costumava ser evasivo nas respostas, o que sempre alimentou especulações.

Com seu nome voltando ao noticiário político, dessa vez como vice de um candidato que defende abertamente a legalização do aborto no Brasil, a antiga polêmica ressurge nas redes sociais. A reportagem entrou em contato com a assessoria da instituição católica no Brasil e confirmou o que já havia sido esclarecido no passado: Alckmin não é e nunca foi membro do Opus Dei.

A origem da confusão se deve ao vínculo que um tio de Alckmin tinha com a entidade. José Geraldo Rodrigues de Alckmin foi ministro do Supremo Tribunal Federal, de 1972 a 1978, sendo nomeado pelo presidente Emílio Garrastazu Médici, durante o regime militar. Rodrigues de Alckmin, como era chamado, foi o primeiro membro casado do Opus Dei no Brasil – na época, todos os demais eram celibatários – o que lhe dava certo destaque entre os demais integrantes.

Há registros de que Geraldo Alckmin, o político, era muito próximo do tio, chegando a frequentar algumas atividades da instituição e até recebendo aconselhamento espiritual. Convém explicar, contudo, que essas atividades – como palestras e debates - são abertas a quaisquer interessados, inclusive não católicos. Frequentá-las não faz de ninguém um membro do Opus Dei, condição para a qual se faz necessário um pedido formal de ingresso na instituição, demanda tempo e envolve a aprovação das autoridades religiosas. Geraldo Alckmin, o vice de Lula, nunca pediu adesão.

A reportagem entrou em contato com a assessoria de Alckmin para que o mesmo comentasse a matéria, sua suposta relação com o Opus Dei e as recentes declarações de Lula sobre aborto, mas recebeu a resposta de que o pré-candidato não está concedendo entrevistas nesse momento.

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