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Bukele e o Bitcoin: balanço de um experimento econômico

O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, anuncia o projeto da cidade Bitcoin prevista para funcionar no Leste de El Salvador, em Santa María Mizata, no departamento central de La Libertad, no dia 20 de novembro de 2021. O projeto ainda não saiu do papel
O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, anuncia o projeto da cidade Bitcoin prevista para funcionar no Leste de El Salvador, em Santa María Mizata, no departamento central de La Libertad, no dia 20 de novembro de 2021. O projeto ainda não saiu do papel (Foto: EFE/ Rodrigo Sura)

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A adoção do Bitcoin como moeda legal em El Salvador, implementada em setembro de 2021 sob o governo do presidente Nayib Bukele, buscou posicionar o país como líder em inovação financeira. No entanto, quase três anos e meio depois, os resultados foram mistos e, sob pressão do FMI, a medida foi revertida, embora não totalmente.

A decisão de adotar o Bitcoin surpreendeu muitos e foi vista como uma atitude ousada, posicionando o pequeno país da América Central como pioneiro entre outras nações. Além disso, colocou El Salvador no centro da conversa global sobre criptomoedas e tecnologia financeira, atraindo o interesse de investidores e empreendedores no ecossistema de criptomoedas. O país relatou um aumento de visitantes internacionais, especialmente aqueles interessados ​​em Bitcoin, como investidores e nômades digitais.

Um “rebranding” para El Salvador

A adoção do Bitcoin também serviu como um estratégico reposicionamento de imagem para El Salvador, reforçando a percepção de Bukele como um líder inovador e sintonizado com novas tecnologias.

No entanto, desde o seu início, a medida enfrentou desafios significativos. Um dos principais problemas era a obrigatoriedade de aceitação de bitcoins em praticamente todas as transações no país, o que gerava resistência entre comerciantes e cidadãos pouco familiarizados com criptomoedas. Além disso, a volatilidade de curto prazo do Bitcoin levantou questões sobre sua viabilidade como um meio de pagamento estável. As fortes flutuações no valor da criptomoeda afetaram a percepção do país sobre a estabilidade financeira, gerando preocupações entre organizações internacionais e até mesmo levando algumas agências de risco a rebaixar a classificação de El Salvador.

Para minimizar a incerteza e apoiar a adoção do Bitcoin, o governo Bukele criou um fundo público para garantir a conversibilidade imediata entre Bitcoin e dólar. Projetos ambiciosos também foram anunciados, como a construção da “Bitcoin City”, uma cidade que seria financiada por meio da emissão de “Bitcoin Bonds” e usaria energia geotérmica para mineração de criptomoedas. Esses planos foram recebidos com ceticismo devido à sua complexidade e falta de recursos. Depois de mais de três anos, eles ainda não saíram do papel.

Bitcoiners comemoram o segundo aniversário do Bitcoin como moeda legal em La Libertad, El Salvador, no dia 09 de julho de 2023.Bitcoiners comemoram o segundo aniversário do Bitcoin como moeda legal em La Libertad, El Salvador, no dia 09 de julho de 2023. (Foto: EFE/Rodrigo Sura)

Resultados e percepção

Apesar dos esforços do governo, a adoção pública do Bitcoin tem sido limitada. Segundo dados da Universidade Francisco Gavidia, apenas 7,5% da população usa bitcoins para compras, e apenas 1% das remessas são enviadas via criptomoeda. A grande maioria dos salvadorenhos ainda prefere o dólar. Dos cidadãos que receberam ativos iniciais em bitcoin, a maioria os converteu em dólares logo depois, refletindo uma falta de confiança na criptomoeda.

Organizações internacionais não receberam bem a adoção do Bitcoin. O Fundo Monetário Internacional (FMI) tem se mostrado cético em relação às decisões tomadas pelo governo de Bukele desde 2021. A entidade citou vários motivos, que vão desde preocupações com a volatilidade e o impacto na estabilidade fiscal (houve perdas significativas) até o risco de exclusão do sistema financeiro internacional. Em dezembro de 2024, o FMI condicionou um empréstimo de US$ 1,4 bilhão à redução do uso do Bitcoin como moeda legal. O governo salvadorenho concordou com essas condições e, portanto, o setor privado não é mais obrigado a aceitar essa criptomoeda (o setor público é).

Muitos — incluindo todo o setor criptofinanceiro — afirmam que o FMI tem interesse em que El Salvador abandone o Bitcoin. Apesar de seus argumentos em prol da estabilidade financeira e da redução de riscos, os críticos dizem que as organizações internacionais têm muito a perder se outros países seguirem o exemplo de El Salvador. Se for realmente uma moeda descentralizada e sem necessidade de regulamentação, uma instituição como o FMI pode se tornar supérflua.

Uma mulher compra comida em um estabelecimento que aceita pagamentos em Bitcoin, em Santa Tecla, El Salvador.Uma mulher compra comida em um estabelecimento que aceita pagamentos em Bitcoin, em Santa Tecla, El Salvador. (Foto: EFE/ Rodrigo Sura)

Pressão e reverso

Agora o que vai acontecer em El Salvador? Na prática, o fato de o Bitcoin deixar de ser moeda legal não representa uma grande mudança. Por um lado, apesar da relutância inicial, muitas empresas e lojas fizeram o investimento necessário para cumprir a ordem de aceitar e usar bitcoins, então continuarão a fazê-lo. Por outro lado, Bukele garantiu que o governo de El Salvador continuará comprando bitcoins para suas próprias reservas.

Assim, o experimento não termina, mas sim se transforma. Graças ao compromisso firmado com o FMI, El Salvador poderá melhorar sua posição para acessar financiamento internacional e aumentar a confiança no sistema entre os céticos das criptomoedas.

Bukele insiste que isso não é um retrocesso total: embora o Bitcoin não seja mais uma moeda com curso legal, o governo indicou que continuará promovendo projetos tecnológicos e educacionais relacionados às criptomoedas, buscando posicionar El Salvador como um centro de inovação na região. E ele continuou a divulgar suas aquisições de Bitcoin, já que, aos olhos das autoridades, o experimento não fracassou, mas foi um sucesso: El Salvador investiu inicialmente quase US$ 270 milhões em Bitcoins, que agora estão avaliados em mais de US$ 600 milhões.

Um ano após sua reeleição em fevereiro de 2024, o presidente Bukele mantém altos níveis de popularidade, em grande parte devido às suas conquistas em segurança e infraestrutura. No entanto, a economia continua sendo uma de suas tarefas pendentes. A decisão de cancelar o registro do Bitcoin reflete uma estratégia para equilibrar a inovação tecnológica com a estabilidade econômica e as relações internacionais, o que pode melhorar a macroeconomia salvadorenha e incentivar o investimento estrangeiro.

A experiência de El Salvador com o Bitcoin reflete as complexidades de integrar uma criptomoeda volátil à economia de um país em desenvolvimento. Embora a intenção de inovar no campo financeiro seja louvável, a implementação prática tem se mostrado mais difícil do que o previsto. O efeito dessa mudança terá que ser avaliado nos próximos meses.

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©2025 Aceprensa. Publicado com permissão. Original em espanhol: Bukele y el bitcoin: balance de un experimento económico

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