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“Case-se, tenha filhos (pelo menos três) e seja um bom cidadão chinês”

Mulher chinesa dirige uma moto elétrica carregando duas crianças em Pequim, China, 17 de janeiro de 2025
Mulher chinesa dirige uma moto elétrica carregando duas crianças em Pequim, China, 17 de janeiro de 2025: cena cada vez mais rara com a crise de natalidade chinesa (Foto: EFE/EPA/ANDRES MARTINEZ CASARES)

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Se há uma coisa que nunca faltou aos líderes comunistas chineses, é teimosia: quando tentaram matar pardais, não deixaram nenhum, e quando perceberam que havia chineses demais, fizeram com que mulheres que já tinham filhos abortassem. Agora, convencidos de que essa política mais recente (a política do "filho único", que vigorou por décadas) colocou o país à beira do envelhecimento antes de enriquecer — atualmente, o país ocupa a 75ª posição em PIB per capita, atrás do Panamá e da República Dominicana —, eles estão pisando no acelerador e "convidando" seus cidadãos a se casar e ter filhos, quanto mais, melhor.

O governo de Xi Jinping tenta convencer 1,4 bilhão de habitantes a abandonar a mentalidade antinatalista implantada há décadas. Em 2023, durante uma reunião com a Federação Nacional das Mulheres da China, Xi pediu para "promover ativamente uma nova cultura de casamento e procriação, fortalecer a orientação sobre as opiniões dos jovens quanto ao casamento, filhos e família, (…) e responder ativamente ao envelhecimento da população".

O problema é que autoridades e até empresários chineses parecem interpretar ao pé da letra os desejos do presidente. Às vezes, as campanhas são apenas sugestivas, ainda que intrusivas. Segundo reportagem do The New York Times, publicada no final de 2024, um bairro de Pequim já exibe instalações artísticas retratando, por exemplo, os estágios da gravidez e as silhuetas de um casal com três filhos, acompanhadas de slogans em favor da natalidade.

Mas, em alguns casos, ouvir Xi usar a frase “promover ativamente a cultura da maternidade” desperta um senso de urgência que se transforma em excesso. Elas são realizadas por funcionários do governo, que não apenas "incentivam" pessoalmente as mulheres a terem filhos, mas também ligam para elas para saber quando foi sua última menstruação ou se já estão grávidas. Se a resposta for afirmativa, não só continuam com as ligações durante os nove meses para saber como está a gestante e o bebê, como, uma vez nascido, também vão até a casa para tirar uma foto com a criança e apresentá-la aos superiores como prova do sucesso do acompanhamento (há um bônus para que ninguém pare de importunar os pais).

Uma missão para ativistas e empresários

Saber que a missão pró-natalidade vem "de cima" — das mais altas instâncias do poder — mobiliza diversos setores. Primeiro, o Partido Comunista Chinês. Em 2021, um editorial do site oficial China Reports Network advertia que essa era uma tarefa inescapável.

Segundo o texto, “nenhum membro [do Partido] deve usar qualquer desculpa pessoal para evitar casar ou ter filhos e, da mesma forma, não deve limitar-se a ter apenas um ou dois filhos. Cada membro do PCC deve assumir a responsabilidade de contribuir para o crescimento populacional do país e implementar a política dos três filhos”. A mensagem ficou pouco tempo no ar, mas foi suficiente para alcançar seis milhões de visualizações na rede social Weibo (semelhante ao Twitter) e ser replicada pelo jornal South China Morning Post, de Hong Kong.

O setor privado também embarcou na campanha, às vezes com entusiasmo exagerado. O jornal estatal Global Times relatou que, em fevereiro passado, o grupo químico Shandong Shuntian Chemical Group enviou uma notificação a funcionários solteiros ou divorciados, entre 28 e 58 anos, instando-os a acelerar seus planos de vida.

"Se dentro dos próximos três trimestres (o prazo final é 30 de setembro) você não tiver se casado e constituído família, a empresa rescindirá seu contrato de trabalho", alertava o documento distribuído aos funcionários.

A ameaça de "case-se ou será demitido!" gerou tanta repercussão que a Brigada de Supervisão Trabalhista Municipal de Yinan interveio, advertindo os executivos de que rescindir contratos com base no estado civil violava as leis trabalhistas. Diante da pressão, a empresa recuou.

Prognóstico sombrio para meados do século

É seguro dizer que se a gerência do Shandong Shuntian Chemical Group via a possibilidade de demitir um único trabalhador sem filhos como algo normal, isso se devia, em grande parte, ao fato de a sociedade chinesa ter se acostumado a suportar medidas intrusivas tomadas nos níveis mais altos do PCC por quase 80 anos.

Primeiro, na década de 1980, veio a proibição de ter mais de um filho: para um casal, arriscar ter um segundo filho poderia levar a multas pesadas e facilitar a demissão do emprego, além da impossibilidade de registrar o menor como cidadão com todos os seus direitos.

Essa intrusão estatal na vida privada das pessoas foi oficialmente encerrada em 2016, substituída pela de dois filhos, que por sua vez foi abandonada em 2021, diante da ameaça econômica representada pelo envelhecimento da força de trabalho na chamada "fábrica do mundo".

É claro que mudanças abruptas nas decisões da classe política para induzir certo comportamento reprodutivo na população não podem se traduzir em mudanças imediatas, então um aumento na taxa de natalidade, se ocorrer, demorará a chegar. Segundo Hung Ming-Te, pesquisador do Instituto de Pesquisa de Defesa e Segurança Nacional de Taiwan, se em 2019 a população infantil chinesa de 0 a 14 anos era de 238,5 milhões (17,1% da população total), em 2026 espera-se que caia para 213 milhões (15,3%).

“Isto”, diz ele, “marcará a estreia da China como uma sociedade com uma taxa de natalidade ultrabaixa e, até 2050, prevê-se que esse grupo diminua para 80,43 milhões: apenas 6,7% da população total”.

A economia, sempre a economia

Além das consequências culturais da política do filho único, há fatores econômicos pesando contra a ideia de aumentar a natalidade. Pesquisas apontam que a disposição dos jovens para ter filhos caiu drasticamente. Segundo Hung, isso se deve, entre outros motivos, à queda na taxa de casamentos e ao aumento dos divórcios. Em 2023, o número de casamentos registrados na China atingiu o nível mais baixo em 45 anos, registrando o maior declínio da história. As principais razões para esse fenômeno são a queda no número de pessoas em idade de casar e, além disso, a menor disposição delas em fazê-lo.

O especialista acrescenta que o fato de as mulheres planejarem ter cada vez menos filhos e de o número daquelas em idade fértil estar diminuindo em comparação à população masculina (a política do filho único instigou colateralmente o aborto de meninas, já que, por costume, quando chegam à idade adulta e se casam, vão morar com os sogros) também pode estar tendo impacto.

Mas, acima de tudo, pesam as dificuldades de acesso a bens e serviços que facilitem a ideia da maternidade. "Fatores como moradia, educação e emprego desempenham um papel importante", comenta Hung. "Os custos de parto, assistência à infância e educação continuam a aumentar, reduzindo significativamente a vontade dos jovens de ter filhos."

De acordo com um relatório do Instituto de Pesquisa Populacional YuWa, citado pelo jornal britânico The Guardian, criar uma criança na China até os 18 anos pode custar a uma família aproximadamente US$ 75.000 [R$ 440 mil, na cotação atual], o que é cerca de seis vezes o PIB local per capita. Em comparação, os gastos no Japão e nos EUA são cerca de quatro vezes maiores que seus respectivos PIBs.

“Não mais que cinco mesas!”

Atento ao que se avizinha em termos demográficos, o governo chinês tenta tapar as brechas que ameaçam desestabilizar sua economia. Em setembro de 2024, o Parlamento aprovou o aumento da idade de aposentadoria: de 60 para 63 anos para os homens, de 55 para 58 anos para as mulheres que trabalham em escritórios, e de 50 para 55 anos para as mulheres em ocupações mais pesadas.

Essa medida busca atenuar, no curto prazo, a redução da força de trabalho. Para o futuro, Pequim vem implantando incentivos ao casamento e à natalidade. Em relação ao matrimônio, por exemplo, as autoridades apoiam empresas que incentivam seus funcionários a abandonar tradições caras, como o pagamento do dote à família da noiva.

O New York Times cita o caso da rede de supermercados Pangdonglai, que proibiu seus funcionários em idade de casar de seguir a prática do dote, por considerá-la um obstáculo financeiro para os pretendentes. A rede também determinou que as celebrações de casamento entre seus funcionários não ultrapassem cinco mesas de convidados, limitando os custos e estimulando a formalização das uniões.

Em relação aos incentivos à natalidade, vários governos regionais já propuseram medidas em 2022, como promover cuidados de saúde pré e pós-parto, estender a licença-maternidade, modificar horários sempre que possível para facilitar o equilíbrio entre vida profissional e pessoal das mulheres, fornecer assistência habitacional e subsídios para educação, e assim por diante.

E sim: em alguns lugares onde o dinheiro foi disponibilizado, a questão está avançando. A cidade de Tianmen, na província de Hubei, com pouco mais de um milhão de habitantes é um exemplo: entre 2023 e 2024 houve um aumento de 17% nos nascimento — depois de ter pago o equivalente a US$ 8.400 [R$ 49 mil] em subsídios de moradia para cada família que teve seu segundo filho. Quem concebeu um terceiro filho recebeu, em dinheiro, o equivalente a US$ 23.000 [R$ 135 mil].

É claro que uma andorinha só não faz verão, e nem toda a China é Hubei. O professor Hung ressalta que a série de políticas pró-natalidade do governo não tem sido muito bem-sucedida — os números estão aí para todos verem — e que, embora alguns resultados positivos possam ser vistos, eles são limitados em escopo. "É possível", conclui ele, "que o número de nascimentos aumente e potencialmente retarde o declínio populacional. Mas o que se espera é que isso continue."

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©2025 Aceprensa. Publicado com permissão. Original em espanhol: “Cásate, procrea (tres, como mínimo) y sé un buen ciudadano chino”

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