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Colossal Biosciences

Muito marketing, pouca ciência: a empresa por trás da “ressurreição” dos Lobos-Terríveis

Fotografia fornecida pela Colossal Biosciences dos dois filhotes de Lobo-Terríveis de um mês de idade, Rômulo e Remo, nascidos em 1º de outubro de 2024.
Fotografia fornecida pela Colossal Biosciences dos dois filhotes de Lobo-Terríveis de um mês de idade, Rômulo e Remo, nascidos em 1º de outubro de 2024. (Foto: EFE/ Colossal Biosciences )

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Promessas extraordinárias, muita propaganda, investimentos bilionários, bastante hype e estrelas de Hollywood: isto tudo é a Colossal Laboratories & Biosciences, empresa que alega ter trazido da extinção os Lobos-Terríveis e diz estar a caminho de recriar mamutes-lanosos. Mas qual é a verdadeira história dessa companhia? Estamos diante de uma fraude ou de uma revolução científica?

A Colossal (um nome nada modesto) foi fundada em setembro de 2021, por Bem Lamm e George Church. Lamm é um dos chamados tech bros — termo usado para descrever jovens empreendedores bilionários do setor de tecnologia, sempre em busca de ideias lucrativas ou desafiadoras.

George Church é o cérebro científico da Colossal, e possui credenciais de peso. Professor da Universidade Harvard, é um dos pioneiros na área de biologia sintética e da técnica CRISPR, uma ferramenta revolucionária de edição genética.

A reputação de Church fez toda a diferença, e de um aporte inicial de US$ 15 milhões em 2021 (equivalente a R$ 88 milhões na cotação atual), a Colossal acumula hoje US$435 milhões (R$ 2,5 bilhões) em investimentos, com um valor de mercado de US$ 10,2 bilhões (R$ 60 bilhões). Tudo isso apoiado na promessa de reviver espécies extintas.

À primeira vista, a trajetória da Colossal lembra muito a da Theranos, empresa criada em 2003 com a promessa de revolucionar os testes sanguíneos. Após captar US$ 700 milhões em investimentos, a Theranos não entregou um produto funcional, e sua fundadora, Elizabeth Holmes, foi condenada por fraude e sentenciada a 11 anos de prisão.

A semelhança entre as duas: muitas promessas, alegações de possuir tecnologias e resultados revolucionários, mas poucos resultados palpáveis.

Propaganda colossal

O cientista e divulgador Carl Sagan dizia que alegações extraordinárias exigem provas extraordinárias, e a Colossal entregou muito pouco até agora. Sua abordagem sequer se baseia na clássica engenharia genética — em que segmentos de DNA de uma espécie são inseridos em outra. A empresa, na verdade, modifica genes existentes para obter características visuais semelhantes às da espécie que deseja "desextinguir".

É basicamente uma espécie de “maquiagem genética”.  Pontus Skoglund, geneticista ex-Harvard e especialista em genômica ancestral no Instituto Francis Crick, no Reino Unido, afirma que, em uma estimativa otimista, os animais produzidos pela Colossal são 1/100.000 Lobos-Terríveis.

Alguns meses atrás a Colossal apresentou dois ratos peludos, muito fofinhos, como exemplo de manipulação genética para a futura criação de mamutes-lanosos. Mas eis o pulo do gato: eles não usaram genes de mamutes nem o código genético ancestral. Somente alteraram os ratos para que desenvolvessem uma pelagem felpuda.

Um dos críticos do procedimento, o prof. Dr. Vincent Lynch, do Departamento de Ciências Biológicas da Universidade de Buffalo, em Nova York, comentou: "Um chow-chow é mais próximo de um mamute que um chihuahua, ou é só um cachorro mais peludo?"

Cadê o papel?

Nas palavras de Adam Savage, famoso coapresentador do programa Mythbusters, “A diferença entre zoar por aí e fazer ciência é botar tudo no papel.” Ciência precisa ser documentada, avaliada por pares, e reproduzível. Nenhum experimento que só funcione uma vez é ciência. Não existe “confia” em ciência. Tudo precisa ser documentado, checado, avaliado, carimbado.

A Colossal Laboratories & Biosciences, no entanto, publica poucos artigos científicos. A empresa divulga seus resultados — mas omite detalhes cruciais de seus métodos. Em uma área sensível como a biociência, isso é malvisto: trata-se de mexer com vidas, não com gadgets.

Marketing e estrelas

Tom Brady, Paris Hilton, Tiger Woods, Chris Hemsworth e Peter Jackson estão entre as celebridades com dinheiro investido na Colossal, o que não é muito reconfortante, já que nenhum é geneticista. Seria mais razoável Paris Hilton e Chris Hemsworth investindo em uma produtora de vídeo e uma loja de materiais de construção. Celebridades fazem escolhas superficiais e baseadas em moda, não em ciência básica de longo prazo.

Mesmo assim, a Colossal adora esses endossos, se vendendo como empresa descolada, que vai salvar o mundo trazendo de volta animais extintos. É um marketing que funciona, vide os US$ 10 bilhões de avaliação, mas talvez seja bom demais.

Apesar das advertências, a Colossal insiste em tratar seus híbridos como se fossem, de fato, lobos-terroríficos. Chegaram a divulgar fotos do escritor George R.R. Martin — que, aliás, deveria estar terminando As Crônicas de Gelo e Fogo, saga que inspirou a série Game of Thrones — carregando um dos filhotes, como se fosse uma prova irrefutável da autenticidade dos animais.

Então a Colossal é uma fraude?

A resposta é complexa. A empresa mantém projetos legítimos. Financiaram o desenvolvimento de uma vacina para o Herpesvírus endoteliotrópico dos elefantes, uma doença que mata muitos filhotes, especialmente em cativeiro. A vacina foi criada pela Escola de Medicina da Universidade Baylor, no Texas.

Sua pesquisa de alterar fenótipo de animais com manipulação genética também é legítima, apesar de não ser “desextinção”, como gostam de vender, e eles possuem vários projetos de sequenciamento de genoma de animais, extintos e ainda existentes.

“Seus cientistas estavam tão preocupados com se podiam, que não pararam para pensar se deviam”

Muitos cientistas concordam com o Dr Ian Malcom, personagem de Jurassic Park. Trazer de volta animais extintos traz também muitas questões éticas. Você está colocando animais em um meio-ambiente desconhecido para eles, não sabemos se as bactérias e plantas modernas funcionarão como fauna e flora intestinal; não sabemos como eles se adaptarão aos predadores e presas modernos.

Não temos ideia do impacto que causarão às espécies atuais. A Colossal tem uma atitude que consegue ser mais irresponsável que a dos administradores do Jurassic Park, chega perto dos empresários de King Kong, que acharam uma boa ideia trazer um macaco gigante para o meio de Nova York.

A Colossal é como alguém que diz correr 200 quilômetros sem parar. Na verdade, ela só corre 80Km, o que é um feito gigantesco por si só, mas sua máquina de propaganda promete tanto que quando ele falhar, será impiedosamente destruída pela turba de fãs decepcionados, que ela mesmo fez questão de criar.

Carlos Cardoso é editor de Ciências do Meiobit.com.

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