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O tcheco Ladislav Kasuka, que mora na pequena Melnik, uma cidade localizada ao norte de Praga, na República Tcheca, recebeu dinheiro russo para organizar protestos contra a OTAN e contra o governo de seu país, pró-Ocidente | PAVEL HOREJSI/NYT
O tcheco Ladislav Kasuka, que mora na pequena Melnik, uma cidade localizada ao norte de Praga, na República Tcheca, recebeu dinheiro russo para organizar protestos contra a OTAN e contra o governo de seu país, pró-Ocidente| Foto: PAVEL HOREJSI/NYT

Como acontece quase todo fim de semana, Ladislav Kasuka trabalhava um dia no computador — ou melhor, em um discurso anti-Ocidente para um site tcheco — e ficou meio sem saber o que pensar das mensagens que começaram a surgir em seu perfil do Facebook e lhe ofereciam dinheiro para organizar protestos de rua.

"Precisa de ajuda?", dizia a primeira, em russo, de uma pessoa que não conhecia. A seguir veio outra, em uma mistura de russo com tcheco truncado, encorajando-o a fazer protestos de rua e ainda mais explícita na oferta de dinheiro. 

Um pagamento inicial de 300 euros (US$368) foi oferecido ao stalinista tcheco em dificuldades financeiras para comprar bandeiras e outros acessórios para uma manifestação na capital, Praga, contra a OTAN e o governo pró-Ocidente da Ucrânia. Pouco depois, veio a oferta de 500 euros (US$558) para a compra de uma câmera de vídeo, a filmagem do evento e a postagem on-line. Outras pequenas quantias também foram sugeridas. 

"É meio incomum, então fiquei surpreso", confessou Kasuka em uma entrevista concedida em um shopping center ao norte de Praga, onde é segurança e ajuda na manutenção. 

Ele decidiu que o dinheiro era para "uma boa causa" — estancar o crescimento da OTAN e dos hábitos capitalistas ocidentais nas terras antes comunistas da Europa Oriental — e, por isso, aceitou. 

Mercenário ideológico

A estranha relação que se desenvolveu a partir de então, que consistiu em trocas de mensagens acaloradas sobre política nas redes sociais e um total de 1.500 euros em transferências bancárias, foi uma das inúmeras que floresceram na Europa Central e Oriental, em meados de 2014. E fez parte de uma campanha de influência frenética, embora muitas vezes confusa, financiada por Moscou e dirigida por Alexander Usovsky, escritor bielorrusso, agitador nacionalista russo e mercenário ideológico de uma batalha silenciosa para conquistar corações e as mentes na briga entre a Rússia e o Ocidente.  

Comparadas com a suposta interferência russa nas eleições recentes dos EUA e França, as atividades de Kasuka e de outros com o mesmo papel praticamente não tiveram consequências. E ele sabe que está às margens da política tcheca — tanto que nunca sonhou em ir além do cargo de vereador de Melnik, cidadezinha ao norte da capital onde mora com a namorada no prédio de um conjunto habitacional todo pichado. 

Ativismo freelancer

A colaboração de Kasuka com Usovsky foi descoberta em um lote de e-mails, mensagens do Facebook e outros dados que os hackers ucranianos "sequestraram" do computador do bielorrusso. E revelaram uma visão rara do aspecto mais básico e particularmente sombrio da estratégia de influência russa: ativistas freelancers que promovem sua doutrina no exterior, recebendo apoio de empresários russos e outros mais próximos do Kremlin, mas não do próprio Estado. 

O foco de Usovsky eram os agentes políticos periféricos na República Tcheca, Hungria, Polônia e Eslováquia, e seu plano quase foi por água abaixo: os protestos organizados por Kasuka e outros atraíram pouca gente e os sites pró-Rússia que ajudou a criar não deram resultado algum. 

Nada disso pareceu tê-lo desanimado, uma vez que estava fazendo planos mirabolantes e calculando orçamento para possíveis parceiros em Moscou, no início deste ano. 

Seus comunicados oferecem uma visão reveladora da filosofia, das ambições e frustrações russas – e o grande destaque certamente são os contatos com o escritório de Konstantin Malofeev, bilionário nacionalista que foi atingido pelas sanções impostas pelos EUA por causa do suposto apoio aos rebeldes pró-Rússia no leste da Ucrânia. 

Depois que Usovsky conseguiu orquestrar apenas algumas manifestações menores em Praga, Varsóvia e outras cidades, um assistente de Malofeev exigiu, em outubro de 2014, que ele criasse um plano "claro, concreto e realista para levar as forças pró-Rússia ao poder". 

Malofeev se recusou a me conceder uma entrevista e sua porta-voz, Nadezhda Novoselova, afirmou que o bilionário e seus assessores não tinham nada a ver com Usovsky. 

Máquina caótica 

Os relatos de que a Rússia usou ataques cibernéticos e a desinformação para interferir nas eleições norte-americanas convenceram muita gente de que Moscou opera uma máquina de influência bastante sofisticada; já as conversas com diversos colaboradores de Usovsky, além do conteúdo de seu computador hackeado, sugerem que, muitas vezes, a questão foi caótica, emperrada por brigas por dinheiro, rivalidades internas e visões absurdamente distorcidas de como funciona a política fora da Rússia. 

Jakub Janda, vice-diretor do Valores Europeus, um grupo de pesquisa financiado pelos países ocidentais localizado em Praga que rastreou as campanhas de influência russas, disse que Usovsky parecia tão fora da realidade que poderia muito bem ser uma "isca" para fazer todo mundo achar que a questão da ameaça russa não pode ser coisa séria. 

Engrenagem enorme

Já outros o veem como prova da maestria russa na negação plausível e a disposição do país em investir em oportunistas, por menores que sejam as chances de sucesso. 

"Usovsky é um bom caso de estudo dos métodos russos. É um elo minúsculo em uma engrenagem enorme. Como ele, há dezenas de outros", afirma Daniel Milo, ex-funcionário do Ministério do Interior eslovaco que hoje é especialista em extremismo do Globsec, um grupo de pesquisa na capital, Bratislava. 

Usovsky se recusou a ser entrevistado para este artigo sem ser remunerado, mas em resposta às perguntas que enviei por e-mail, confirmou que seu computador foi grampeado e não contradisse a autenticidade das mensagens vazadas.  

Histórico

Ele começou sua operação em 2014, gerando uma onda de fervor nacionalista em Moscou após a anexação da Crimeia e reforçando a crença entre a elite política e empresarial russa de que uma Europa unida em apoio às sanções ao país poderia ser dissolvida rapidamente. 

Assim, criou uma rede de sites em diversas línguas para promover a unidade eslava, alugou um escritório em Bratislava e iniciou uma fundação de fachada que supostamente promovia a cultura. 

Quando pergunto por e-mail quanto dinheiro levou dos patrocinadores moscovitas, a princípio negou ter recebido alguma coisa; depois, quando enviei uma cópia da mensagem que ele enviara, em outubro de 2014, descrevendo os cem mil euros que embolsara para financiar o "estágio preparatório" de seu trabalho na Europa Oriental, parou de responder. 

Outras mensagens em seu computador grampeadas pelos hackers sugerem que o dinheiro saiu de Malofeev. Usovsky cobrou seus assistentes, exigindo milhares de euros entre o fim de 2014 e 2015, para financiar candidatos pró-Rússia nas eleições polonesas. 

Manipulação

Embora não tenha chegado nem perto de eleger nenhum grupo simpatizante aos russos, Usovsky conseguiu parceiros na Europa Central e Oriental, prontos para aceitar sua "ajuda". Ele também mostrou que sabia manipular o poder da internet para ampliar as vozes periféricas e fazer manifestações que foram fracasso de público parecer eventos decisivos. Trabalhou com agências de notícias russas controladas pelo Estado para garantir que as atividades de seus colaboradores tchecos, eslovacos e poloneses recebessem ampla cobertura. 

Como, por exemplo, Kasuka, o stalinista tcheco, que aparece com regularidade na imprensa russa como analista de questões e geopolítica tchecas. Uma vez disse à RT que os EUA poderiam lançar uma bomba atômica na Ucrânia e pôr a culpa na Rússia como pretexto para começar uma guerra. E um pequeno evento que realizou em Praga apareceu no Perviy Kanal, um canal de TV russo de destaque. 

"É a coisa mais insana. O Perviy Kanal mostra um protesto de dez gatos pingados como se fosse uma reivindicação séria, e não um bando que muito bem poderia ter fugido do hospital psiquiátrico", diz o analista Roman Maca. 

Depois que Malofeev, seu principal apoiador, jogou um balde de água fria em seus planos políticos – ambiciosos, mas totalmente impraticáveis –, Usovsky ficou ainda mais desesperado para conseguir mais dinheiro. E bombardeou outros russos com potencial de doador com planos detalhados para uma "quinta coluna pró-Rússia", alegando que poderia destruir "a frente europeia anti-russa" canalizando verba para os políticos que se opõem à OTAN e à União Europeia. 

Sem dinheiro, Usovsky procurou Kasuka, que considerava um projeto de baixo custo só para ajudá-lo a se manter vivo no jogo. 

Só que o stalinista perdeu o interesse na política de rua. Diz que agora se concentra em seus textos, que falam dos riscos da guerra, das conquistas de Stálin e da miséria causada pela exploração capitalista. 

"Para mim não interessa se o dinheiro vem do Kremlin ou dos EUA, contanto que ajude a causa. O que vale é a ideia", conclui.

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