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Militância de elite

Como Wagner Moura foi de Capitão Nascimento a porta-voz da esquerda caviar 

Wagner Moura, com Janja e Lula, durante uma visita ao Palácio da Alvorada, em agosto: apoio explícito ao PT desde o impeachment de Dilma
Wagner Moura, com Janja e Lula, durante uma visita ao Palácio da Alvorada, em agosto: apoio explícito ao PT desde o impeachment de Dilma (Foto: Andre Borges/EFE)

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As recentes manifestações contra a PEC da Blindagem e o projeto de anistia confirmaram uma lacuna do progressismo brasileiro: sua dependência dos mesmos ícones culturais desde os anos 60.

Veteranos da chamada “esquerda caviar”, os octogenários Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso ainda garantem o sucesso midiático desse tipo de protesto — mas sua presença funciona mais pelo prestígio acumulado ao longo de décadas do que por uma conexão real com o público jovem.

Esse vácuo, porém, vem aos poucos sendo ocupado por uma figura mais próxima das gerações atuais: o ator baiano Wagner Moura, que nos atos de duas semanas atrás dividiu os holofotes com os medalhões da MPB justamente enquanto vive o auge de sua carreira internacional. 

Segundo a tradicional revista americana Variety, Moura, de 49 anos, é o favorito para vencer o Oscar de atuação masculina em 2026. Ele é o protagonista de O Agente Secreto, filme de Kleber Mendonça Filho que vai representar o Brasil na premiação e já lhe rendeu troféus nos festivais de Cannes e Zurique.

A exemplo de Ainda Estou Aqui, o longa tem como pano de fundo o regime militar e é carregado de mensagens políticas — Moura e Mendonça Filho inclusive afirmam que o enredo, embora se passe em 1977, foi inspirado em supostas experiências de perseguição ideológica sofridas pelos dois durante o governo de Jair Bolsonaro.

Mas o êxito global de O Agente Secreto não serve apenas para reforçar a narrativa esquerdista sobre aquele período histórico e empolgar a militância petista (em agosto, o filme foi exibido para Lula e Janja no Palácio da Alvorada). Ele projeta Wagner Moura como uma espécie de embaixador cultural e impulsiona ainda mais sua posição como o principal artista brasileiro engajado destes tempos. 

“Não sou o Capitão Nascimento” 

Jornalista de formação que optou pela carreira no teatro, Moura se tornou conhecido trabalhando em produções da Globo e, principalmente, por meio do filme Tropa de Elite (2007). Para além do entretenimento, o personagem Capitão Nascimento virou sinônimo de ordem e disciplina, e acabou sendo abraçado pelos setores conservadores como um emblema da nova direita brasileira.

Na época, o ator defendeu o longa das acusações de “fascismo”, argumentando que se tratava de uma crítica ao sistema. No entanto, com o passar dos anos, passou a trabalhar numa espécie de campanha pessoal para se dissociar do papel, repudiando-o com mais intensidade a cada nova entrevista.  

“Que fique claro, eu não sou o Capitão Nascimento. Essa confusão tem me incomodado. Não tenho esse pensamento de direita”, disse, em 2017, ao site G1

Mas, até então, Wagner Moura apenas concentrava sua atuação política nas chamadas “causas de consenso” (como direitos humanos e combate ao trabalho escravo) e participava de ações de boas práticas promovidas por entidades internacionais. 

Um nome ainda mais à esquerda 

A guinada militante começou para valer durante o governo de Dilma Rousseff, mais especificamente após as manifestações de junho de 2013 — quando o ator se posicionou claramente ao lado do PT.

Em 2016, durante o processo de impeachment da presidente, Moura intensificou sua atuação, comparecendo a protestos, gravando vídeos (sempre com em tom grave e sofrido) e usando suas entrevistas para denunciar o suposto de “golpe” contra a esquerda. 

Dois anos depois, em um evento de artistas e intelectuais contra a operação Lava Jato, ele atribuiu a prisão de Lula a um “julgamento canalha”, disse que o então juiz Sergio Moro “agia como um promotor” e definiu o Brasil como “um Estado policialesco”. 

O auge da radicalização aconteceu em 2019, quando Wagner Moura lançou, durante o Festival de Berlim, sua estreia na direção: Marighella, cinebiografia do guerrilheiro comunista acusado de matar civis inocentes em atos terroristas. 

Nessa fase, ele participou de eventos do MST, defendeu causas indígenas, criticou duramente o governo Bolsonaro e declarou apoio a Lula nas eleições seguintes — porém gostaria de um “um passo mais adiante”, sugerindo uma preferência por um nome ainda mais à esquerda. 

Mais recentemente, seu engajamento se estendeu para os EUA, para onde se mudou com a família há cerca de sete anos. Residente em Los Angeles, o ator vem atacando sistematicamente Donald Trump desde a volta do republicano ao poder. 

Ele classificou os EUA sob o novo governo como “um país com tendências autoritárias evidentes” e que “deixou de ser uma democracia”. Também chamou a política migratória de Trump de “fascista” e “racista”.

Em contrapartida, enalteceu o Brasil, afirmando que os americanos tinham “quase uma inveja” da democracia brasileira após a condenação de Bolsonaro pelo STF. 

Marmita com camarão 

Mas a imagem de ativista de Moura muitas vezes esbarra em incoerências e constrangimentos que os críticos exploram para apontar fragilidades em seu discurso. Nesse sentido, dois episódios em especial se tornaram emblemáticos. 

Em novembro de 2021, durante uma exibição de Marighella em uma ocupação do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) em São Paulo, o ator foi fotografado comendo diretamente de uma marmita. O registro foi festejado como um sinal de humildade nas redes sociais por figuras como o psolista Guilherme Boulos.

“Wagner Moura comendo uma quentinha na ocupação do MTST onde fizemos ontem a exibição popular de Marighella. Foi potente! Viva a luta do povo!”, postou Boulos. 

A turma da direita, no entanto, estava de olho no lance e descobriu qual era o “menu” daquela refeição: vatapá, caruru e uma generosa porção de camarões. As redes, é claro, pegaram fogo naquele dia. 

“Agora tem o MTST raiz e o MTST Nutella. Ou será que já é comunismo purinho, onde a elite do partido come camarão e o restante se vira e passa fome igual à exemplar Venezuela?”, disse o deputado Eduardo Bolsonaro, na esteira de outros comentários na linha “a elite come camarão e os companheiros mortadela”. 

Lacrou e se mandou 

No último dia 21, durante o protesto contra a PEC da Blindagem e a proposta de anistia em Salvador, Wagner Moura protagonizou outro momento embaraçoso e transformado em meme. 

No alto de um trio elétrico, o ator foi “protegido” por um homem negro, que segurava um guarda-sol enquanto ele dançava ao lado de Daniela Mercury. A cena foi apontada como um exemplo de “racismo estrutural” e comparada a pinturas históricas de nobres sendo servidos por seus escravos. 

“Wagner Moura colocou um homem negro para segurar um pesado guarda-sol para seu conforto na luta contra a extrema-direita”, disse um comentarista. Outro lembrou que o autor nem mora mais no Brasil: “O Wagner lacrou nas manifestações e agora já pode voltar para sua mansão em Los Angeles”. 

Mais tarde, esclareceu-se que a figura no trio era Veko Araújo, integrante do bloco Cortejo Afro. Segundo o próprio Araújo, sua marca registrada é justamente o sombreiro (um objeto cultural afro-brasileiro descrito por ele como o “alá de Oxalá”, usado para proteger autoridades e reis). 

O estrago, no entanto, já estava feito. A imagem do artista branco famoso sombreado por um anônimo negro virou mais um símbolo das contradições de uma elite que defende a revolução — desde que a revolução não toque em sua boa quentinha de camarão.

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