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Sem ideologia de gênero

Conheça as feministas que compraram briga contra a causa trans 

O feminismo tem várias vertentes (Foto: EFE/FABIO CIMAGLIA)

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Nem todas as feministas são iguais.  

Entre as ativistas, não há consenso sobre a definição de mulher e sobre quais pautas devem ser prioridade. Uma das correntes do feminismo adotou uma postura crítica sobre um dos temas mais centrais da agenda progressista: a causa transexual. 

As feministas radicais, chamadas de radfem, defendem que o movimento deveria abarcar apenas para quem é biologicamente mulher. O grupo também condena a prostituição.  

Já a vertente das liberais entende que o feminismo abrange todos que se consideram mulher. E que vender o corpo é decisão de cada uma e não do Estado.  

As diferenças entre os feminismos

Em linhas gerais, o feminismo defende que todos devem ter igualdade de direitos e condições na sociedade, independentemente do seu gênero. Isso quer dizer, por exemplo, equiparação salarial entre homens e mulheres, o mesmo espaço na política e nos esportes e acesso gratuito a métodos contraceptivos, entre outras reivindicações.  

O feminismo radical e o liberal são as duas principais vertentes do movimento. A mais importante diferença entre elas é como cada uma acredita que acontece o processo de opressão feminina – desde a origem às possibilidades de eliminação ou mitigação da mesma –, explica a historiadora, socióloga e pesquisadora de estudos de gênero Marusa Silva. 

Outras linhas do feminismo são o negro (que considera que as mulheres pretas e pardas enfrentam dificuldades diferentes das encaradas pelas brancas) e o interseccional (que também leva em conta o impacto da sexualidade e da classe social). 

A solução na visão de cada grupo

Segundo Marusa, o feminismo radical acredita que a sociedade foi estruturada a partir das tarefas impostas para cada pessoa de acordo com o seu gênero. Só que nestas relações, as mulheres saíram perdendo porque os papéis de poder ficaram com os homens (daí os termos “sistema patriarcal” ou “patriarcado”, comumente usados por feministas).  

“As feministas radicais acreditam que a origem da opressão às mulheres é do sistema patriarcal, que é a forma de organizar relações de poder na sociedade, na qual o homem detém o poder. Os papéis sociais estão atrelados ao gênero. Com isso, a mulher é colocada em posição inferior em todas as esferas”, diz Marusa. 

As radfems acreditam que é necessário desmantelar este sistema de patriarcado. Como? “Desconstruir a ideia de que os papéis sociais deveriam ser atrelados ao gênero”, diz Marusa, que reconhece: “É difícil, demanda mudança estrutural e isso leva tempo”. 

Já as feministas liberais atribuem às leis e às políticas públicas a origem da opressão às mulheres, e defendem que o caminho legal é também a via para mudança. 

“Elas defendem que as leis é que devem ser mudadas para que as mulheres tenham mais oportunidades. Não discutem a estrutura do patriarcado, nem exigem mudanças no sistema”, diz Marusa. 

“O feminismo liberal acha que o Estado é a solução do problema. O radical acha que ele é parte do problema”, acrescenta Isabella Cêpa. Ela recentemente conseguiu status de refugiada em um país europeu para evitar prisão após sofrer perseguição judicial por parte da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP).

Mulher pela lente do feminismo

O ponto mais sensível de divergência entre as duas vertentes é quem pode ou deveria fazer parte do movimento. Para as liberais, o feminismo é voltado para quem se identifica como mulher, caso das pessoas que se definem como transexuais. Para as radfem, mulher é somente quem tem a natureza biológica feminina (cromossomos, hormônios e órgãos sexuais) – ou seja, nasceu mulher. 

“Para as radicais feministas, o feminismo é um movimento de mulheres fêmeas adultas para mulheres”, diz Isabella. Segundo ela, incluir pessoas que não nasceram mulher na causa feminista enfraquece a luta para as próprias mulheres por alguns motivos. Entre eles, não ter as mesmas dificuldades e estar “tomar espaços que até então eram só das mulheres”. 

Outro ponto, diz Isabella, é que o principal argumento do feminismo radical é que a origem da desigualdade entre homens e mulheres e dos  papéis na sociedade vêm justamente da definição biológica.  

“Se ser mulher fosse um sentimento, seria medo. O homem pode passar por experiências de violência, mas o medo das mulheres não é só físico, é do seu lugar na sociedade, de que homens podem fazer o que quiser”, diz Isabella. 

O feminismo liberal, por sua vez, refuta estas justificativas e defende que a luta feminista cabe às pessoas que nasceram fisiologicamente mulheres e às que se reconhecem de tal forma.  

“A questão trans não tem ponto pacífico no movimento feminista. As radicais argumentam que o gênero deve ser determinado pelo sexo biológico. Elas acreditam que quando se amplia a autoidentificação, a luta por direitos femininos enfraquece”, explica Marusa.  

Ninguém nasce mulher?

Segundo Simone de Beauvoir, “não existe destino biológico”, lembra a escritora, roteirista e feminista Angélica Kalil, em referência a uma das principais representantes do feminismo.  

Em seu livro "O Segundo Sexo", a filósofa e escritora francesa diz que “não se nasce mulher, torna-se mulher”. Embora a publicação seja de 1949, a frase é bastante citada nos dias atuais para defender a ideia de que o gênero é uma construção cultural e não biológica.  

Angélica acredita que as pessoas que se identificam transexuais devem ser incluídas no movimento feminista. 

“Não somos iguais: nem homens e mulheres, nem entre as mulheres. O que precisamos é de uma sociedade que garanta equidade de direitos e assistência a todos. Não acho que a mulher nasceu para ser mãe, mas tanto as que não geraram quanto as que geraram têm que ter direitos”.  

Feminismo no esporte

A discordância sobre quem deve fazer parte da bandeira feminista reverbera em outros assuntos, principalmente o esporte.  

As duas correntes são incisivas quanto à participação das mulheres em competições: elas podem estar em qualquer modalidade, devem ter acesso a treinamento de alto nível, receber remuneração igual ao dos esportistas homens e ocupar espaços na direção das entidades desportivas. 

As radfems, contudo, sustentam que as competições femininas devem respeitar o sexo (ou seja, a biologia). O motivo: a genética masculina, mesmo a de pessoas que se identificam como mulheres, traz vantagens físicas sobre as competidoras devido à sua genética masculina.  

“É inadmissível. Não existe competição justa entre pessoas do sexo masculino e o sexo feminino. Existe um motivo porque os esportes são separados por sexo. E esse motivo não muda quando uma pessoa se identifica com o que quer que seja”, diz Isabella.

Erika Hilton e Isabella CêpaIsabella Cêpa, que alega perseguição política de Erika Hilton (Psol-SP), conseguiu asilo político na Europa para evitar prisão (Foto: Arquivo pessoal)

Aborto e prostituição

Em relação ao aborto, tanto liberais quanto radicais são a favor da prática, em geral, sob o pretexto de que o corpo é delas, e defendem a descriminalização e legalização do aborto no país.  

Quanto à prostituição, porém, a visão é diferente. “As feministas liberais querem regulamentar (a profissão) e garantir proteção às estas mulheres. Elas entendem que o corpo pertence ao indivíduo e o Estado não pode controlá-lo, mas que pode estipular regras para não haver exploração”, explica Marusa. 

No caso das radicais é um pouco diferente: “A pornografia e prostituição são estupros socialmente aceitáveis para as radfems”, afirma Isabella. 

Marusa explica que as radicais enxergam a prostituição como instrumento de exploração do sistema patriarcal e que dá margem para outras violações. E, por isso, elas são contra a normalização da prática. 

“Para elas, a prostituição é uma forma de exploração em uma sociedade patriarcal, porque abre espaço para outras violências, como a pornografia, consumida em maior parte por homens. E a pornografia está relacionada à cultura do estupro, que dá margem para exploração de menores e ao tráfico humano”, diz Marusa. 

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