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Turbinas eólicas na Espanha: uma única unidade de produção de energia a partir do vento, com 32 turbinas, que opera em Navarra, tem abatido um abutre a cada três dias, em média, desde que as operações tiveram início, em 2019
Turbinas eólicas na Espanha: uma única unidade de produção de energia a partir do vento, com 32 turbinas, que opera em Navarra, tem abatido um abutre a cada três dias, em média, desde que as operações tiveram início, em 2019| Foto: EFE/Javier Cebollada

Uma das lições recentes de como ações ecologicamente corretas podem causar danos ao meio ambiente vem da Califórnia. Em 2020, o estado pressionou os fazendeiros a desligarem as cercas de proteção contra incêndios. Embora elas ajudassem a evitar que o fogo se espalhasse e facilitassem o trabalho das equipes de bombeiros, havia indicadores de que aprisionavam e machucavam os texugos, animais protegidos por lei. Depois de muita pressão, as cercas foram desligadas. Resultado: no primeiro incêndio de grandes proporções, o fogo se alastrou muito mais longe do que o previsto e, além de provocar mortes de seres humanos, alcançou o habitat dos animais.

Foi assim que uma lei bem intencionada, com o objetivo de priorizar o cuidado com uma espécie em perigo, prejudicou não apenas os animais, como a própria produção de alimentos. O incidente da Califórnia mostra que ações visando a preservação do meio ambiente e a contenção das mudanças climáticas podem provocar efeitos catastróficos, tanto para a natureza quanto para os habitantes do planeta – incluindo os humanos.

Conheça situações em que as tecnologias verdes têm custado vidas ou gerado graves danos e transtornos aos habitantes próximos:

Energia eólica x aves 

Na Austrália, África do Sul, Espanha, Noruega e Estados Unidos, aves de diferentes espécies de águias e abutres estão morrendo em decorrência da atividade de grandes usinas eólicas. Os animais são sugados pelo movimento das turbinas, acabam sendo atingidos pelas lâminas e tombando mortos ou gravemente feridos.

Uma única unidade de produção de energia a partir do vento, com 32 turbinas, que opera em Navarra, na Espanha, tem abatido um abutre a cada três dias, em média, desde que as operações tiveram início, em 2019. Até então, a região vinha registrando uma recuperação no número destes animais. Entidades de conservação têm identificado também alterações na população e nos fluxos de movimentação de aves menores, assim como de morcegos. Elas reclamam que as empresas não monitoram nem divulgam os danos que provocam.

Nos Estados Unidos, uma companhia, a ESI Energy LLC, já foi condenada a pagar aproximadamente US$ 8 milhões em multas e indenização por comprometer fluxos migratórios e causar a morte de gaviões de grande porte. “A ESI reconheceu que ao menos 150 águias morreram desde 2012, em 50 de suas 154 instalações produtoras de eletricidade de fonte eólica”, informa o texto da decisão. O documento também declara que a empresa evitou buscar as certificações que garantiriam operar de forma segura para as aves – e, assim, seguiu operando sem prestar contas das mortes. “A ESI e suas afiliadas receberam centenas de milhões de dólares em isenção fiscal por produzir energia de fonte renovável, sabendo que dezenas de águias seriam mortas e feridas”, completa o texto.

Um estudo publicado na revista Nature a respeito do impacto negativo que as usinas eólicas provocam aponta que águias habitantes das montanhas da Escócia aprenderam a evitar as áreas onde as turbinas estão instaladas. “Os efeitos em cascata provocados pelas usinas eólicas são muito grandes e ainda subestimados. Alcançam toda a cadeia alimentar e o equilíbrio de cadeias alimentares inteiras”, afirmam os autores, que atuam na Universidade de Minnesota e no Indian Institute of Science.

Outro estudo mostra que, em um único ponto ventoso da Califórnia, o Altamont Pass, turbinas eólicas matavam mais de mil aves de rapina por ano, incluindo 60 águias douradas. Embora altos, os dados possivelmente sejam subestimados, já que as empresas eólicas não têm obrigação de contar as aves atingidas pela atividade, tarefa que cabe a voluntários conservacionistas.

Mineração e trabalho infantil no Congo 

As baterias estão na base da chamada transição energética para fontes limpas e renováveis. Carros elétricos dispensam uma série de componentes utilizados nos movidos a combustíveis fósseis, como radiador, carburador ou velas de ignição. O motor é mais simples, o que apresenta uma série de vantagens, mas a autonomia depende da capacidade de armazenar energia elétrica. Mais grave ainda: as baterias precisam ser recarregadas com eletricidade – e o setor ainda responde por 25% da produção global de emissão de gases causadores de efeito estufa.

Na Europa, que definiu 2035 como o ano limite para encerrar a comercialização de veículos movidos a combustíveis fósseis, isso significa ligar automóveis em tomadas conectadas a fontes fósseis de eletricidade. As renováveis, como eólica e solar, são caras, mas subsidiadas.

Apesar de todas as promessas de que a indústria vai conseguir ampliar o poder das baterias, ainda é preciso pagar o equivalente a R$ 800 mil para adquirir um carro com autonomia acima de 600 quilômetros – há no mercado opções valendo mais de R$ 1 milhão, que não rodam mais do que 500 quilômetros antes de precisar de abastecimento.

Além disso, muitos de seus componentes, como o lítio, precisam ser minerados em locais de grande pobreza na África – os relatos de que a exploração do minério no Congo, onde está 70% do cobalto do mundo, utiliza trabalho escravo infantil são recorrentes. Uma pesquisa da ONG Global Battery Alliance estima que, até 2030, a terra revirada no continente, com o objetivo de extrair matéria-prima para a produção de baterias, vai superar anualmente a massa de 300 vezes a Pirâmide de Gizé.

Queima de madeira e lixo 

Quando o assunto são novas fontes de energia renovável, eólica e solar costumam ser as primeiras citadas. Acontece que a imposição de metas audaciosas para o abandono de fontes fósseis de energia produziu um outro fenômeno, especialmente em países desenvolvidos: a disseminação de usinas de biomassa e biogás.

O “bio” utilizado nos nomes sugere que as soluções não são poluentes como gás natural e combustíveis derivados do petróleo. Na prática, o que se vê são usinas queimando de tudo. Em Detroit, Estados Unidos, uma planta passou a queimar lixo, e o cheiro tem dificultado a rotina dos moradores do entorno. Em 2015, a United Airlines investiu US$ 30 milhões na participação em uma empresa californiana, a Fulcrum BioEnergy, que promete produzir combustível para aviação a partir de lixo.

Até mesmo madeira tem sido queimada como forma de gerar soluções “verdes”, a ponto de a Europa importar lascas de madeira da América do Sul, da Indonésia e dos Estados Unidos. Ou seja: a pretexto de abandonar petróleo e gás de origem fóssil, a chamada transição energética tem se apoiado em saídas como queima de madeira e lixo.

No ano passado, a queima de madeira era apontada pela agência de pesquisa científica da União Europeia como emissora de mais dióxido de carbono que os combustíveis fósseis. Além disso, um relatório da Agência de Investigação Ambiental (EIA, na sigla em inglês), que tem sede nos EUA, em colaboração com o Greenpeace Romênia, denunciou a transformação de florestas protegidas da Europa Oriental em pellets (granulados de madeira) para aquecimento.

Correção

Ao contrário da redação original, um carro elétrico chega a custar R$ 1 milhão e não R$ 1 bilhão.

Corrigido em 21/12/2022 às 16:46
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