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Foto tirada na Estação Espacial Internacional: precisa de mais provas? | NASA/AFP
Foto tirada na Estação Espacial Internacional: precisa de mais provas?| Foto: NASA/AFP

O planeta Terra tem a forma aproximada de uma esfera. Falando de modo menos preciso, mas ainda assim essencialmente correto, a Terra é redonda. Esta é talvez uma das verdades mais bem estabelecidas de toda a experiência humana, ensinada por filósofos, sábios e matemáticos já séculos antes do nascimento de Jesus de Nazaré. Pitágoras falava numa Terra redonda, assim como Aristóteles, que produziu algumas provas clássicas desse fato. Eratóstenes, vivendo um século depois de Alexandre Magno, chegou a calcular a circunferência do planeta, usando sombras ao meio-dia. Na Idade Média, Tomás de Aquino incluiu a afirmação da Terra esférica em sua “Suma Teológica”.

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Claro, havia dissidentes. O monge grego Cosmas Indicopleustes produziu um livro, por volta do ano 540, chamado “Topografia Cristã”, no qual argumentava que o texto da Bíblia implica uma Terra uma plana, mas historiadores até hoje debatem até que ponto o trabalho de Cosmas foi levado a sério — ou, mesmo, lido — por seus contemporâneos. Em comparação, alguns dos maiores best-sellers medievais, como as “Viagens” de Jean de Mandeville, trabalho publicado em 1357, tratam a Terra como redonda.

Seria que se esperar que, em pleno século 21, figuras excêntricas como o monge Cosmas fossem ainda mais raras do que eram no medievo. Mas, aparentemente, não: o “terraplanismo” – a doutrina de que o planeta é chato, como uma pizza – vive uma espécie de ressurgimento em plena era espacial.

Isso se deve, em parte, à moderna facilidade de divulgação de ideias, quaisquer ideias, trazida pela internet, e também à visão populista, detectada ainda no século passado por Isaac Asimov, de que “democracia significa que a minha ignorância vale tanto quanto o seu conhecimento”. Mas há aí, ainda, um fenômeno típico do envelhecimento das civilizações: à medida que uma crença (por exemplo, na esfericidade da Terra) passa a ser “óbvia” dentro de uma cultura, as razões originais que levaram à sua adoção vão sendo esquecidas – o que, paradoxalmente, torna-a passível de ataque e dificulta sua defesa. Então, aqui vai um breve “refresco” de dez motivos pelos quais sabemos que a Terra é redonda, organizado das provas clássicas para as considerações mais contemporâneas:

1. A sombra da Terra na Lua é redonda

Esta é uma das provas de Aristóteles. Eclipses lunares acontecem quando o Sol projeta a sombra da Terra na Lua, e essa sombra é sempre convexa, circular. Se a Terra fosse plana, deveria haver ocasiões em que a sombra seria oval ou, mesmo, uma linha fina, que apareceria quando o Sol estivesse alinhado com a borda do disco terrestre.

2. Diferentes estrelas

À medida que um viajante se desloca para o Norte ou para o Sul, ele passa a ver as estrelas nascendo e se pondo em diferentes horários, e atingindo diferentes alturas em relação ao horizonte, até o ponto em que surgem constelações que são exclusivas do hemisfério Norte ou do hemisfério Sul, algo natural numa superfície esférica (uma pessoa sentada no Polo Norte não teria como ver uma estrela posicionada sobre o Polo Sul, por exemplo). Numa Terra plana, todas as estrelas deveriam ser visíveis em toda a superfície do disco, além de nascer e se pôr no mesmo horário para todos os observadores.

3. Objetos que desaparecem no horizonte

Quando um veleiro se afasta do porto até desaparecer, vemos o casco sumir primeiro, e só depois o mastro e as velas. Isso indica que ele está se deslocando pela curvatura do planeta, e não apenas encolhendo por causa do efeito de perspectiva causado pela distância.

4. Fusos horários

Numa Terra plana, todos os habitantes deveriam ver o Sol nascer e se pôr ao mesmo tempo. É a curvatura do planeta que faz com que existam diferentes horários em diferentes longitudes.

5. Diferentes durações do dia

O Sol não só nasce em diferentes momentos sobre diferentes partes da Terra, como também fica diferentes períodos de tempo no céu. O dia mais longo do hemisfério Norte é o mais curto do hemisfério Sul. Numa Terra plana, a duração do dia deve ser uniforme em toda a superfície.

6. Polos celestes

Quem se der ao trabalho de observar o céu à noite, durante várias horas seguidas, verá que as estrelas parecem todas girar, de leste para oeste, em torno de um ponto fixo da esfera celeste. Quem vive no hemisfério Norte vê esse ponto sobre o Polo Norte. Já quem vive no hemisfério Sul vê esse ponto sobre o Polo Sul. Numa Terra plana, deveria haver apenas um polo celeste, visível em toda parte.

7. Circum-navegação

É possível dar a volta ao mundo: seguindo sempre numa mesma direção, uma pessoa contorna o planeta e acaba retornando ao ponto de partida. Num plano, alguém que siga sempre numa mesma direção ou chega à borda (se o plano for finito) ou se afasta indefinidamente do ponto de origem (num plano infinito). A primeira circum-navegação bem-sucedida foi realizada por Fernão de Magalhães no século 16, e inúmeras outras já aconteceram desde então.

8. Gravidade

Uma das consequências da Lei da Gravitação Universal é que corpos de grande massa, como planetas, geram um campo gravitacional tão intenso que acabam assumindo forma esférica. Isso acontece porque a gravidade é uma força que atrai todas as partes do corpo, incluindo as extremidades, na direção de um centro comum, e a única forma capaz de manter toda a massa o mais perto possível do centro é a esfera.

9. Geometria

Num plano, a distância mais curta entre dois pontos é uma reta. Numa esfera, é o arco de um círculo que tem como centro o centro da esfera. Num plano, os ângulos internos de um triângulo somam 180º. Numa esfera, a soma sempre é maior que isso, e seu valor exato depende da fração da superfície compreendida pela figura. Embora, a curtas distâncias, a superfície terrestre possa ser aproximada por meio da geometria plana, quando há grandes trechos envolvidos – por exemplo, no planejamento de voos intercontinentais – a geometria esférica tem de ser usada.

10. Exploração do espaço

Temos satélites em órbita da Terra, incluindo os do sistema GPS, que não se chama “de posicionamento global” por acaso; temos os depoimentos de pelo menos quatro gerações de astronautas – desde Yuri Gagárin – de que a Terra é uma esfera. Temos imagens feitas do espaço que mostram claramente os hemisférios de uma esfera, não a superfície de um disco.

Será que esses pontos vão convencer seu eventual amigo terraplanista? Pode ser que não. Um sujeito realmente criativo e investido na crença da Terra plana talvez consiga imaginar um modelo de Terra chata que negue a relevância dos polos celestes, ignore a Lei da Gravidade e ainda inclua uma conspiração milenar envolvendo de Aristóteles à atual tripulação da Estação Espacial Internacional.

Um conceito muito usado (e abusado) da filosofia da ciência é o da “indeterminação da teoria pelos dados”. Em linhas gerais, isso quer dizer que, diante de um conjunto qualquer de fatos, sempre é possível imaginar mais de uma teoria capaz de explicá-los. Cientistas, no entanto, não ficam paralisados entre teorias concorrentes, como o asno da fábula, que morre de fome por não ser capaz de decidir qual a moita mais apetitosa: há questões de razoabilidade, de consistência lógica – interna, das partes da teoria entre si, e externa, com outras teorias bem estabelecidas e experimentos – que acabam afunilando a escolha. E a Terra plana caiu fora desse funil já faz mais de 2.000 anos.

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