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Médicos de emergência russos coletam corpos de vítimas perto da sala concertos Crocus City Hall, após um atentado terrorista em Krasnogorsk, nos arredores de Moscou, Rússia, no dia 22 de março de 2024.
Médicos de emergência russos coletam corpos de vítimas perto da sala concertos Crocus City Hall, após um atentado terrorista em Krasnogorsk, nos arredores de Moscou, Rússia, no dia 22 de março de 2024.| Foto: EFE/VASILY PRUDNIKOV

Nem tudo está claro ainda sobre a matriz do ataque sangrento realizado em Moscou no Crocus City Hall na noite de 22 de março. Apesar da paternidade reivindicada por um lado afegão do Estado Islâmico e da execução efetuada por terroristas de nacionalidade tadjique, ainda restam muitas dúvidas e perguntas sobre o real objetivo do ataque.

Dúvidas e questionamentos que, naturalmente, no clima inflamado pelo conflito russo-ucraniano, pelo pico de tensão entre a Rússia e o Ocidente e pelas outras frentes de polarização atualmente abertas no cenário internacional, todos os atores e lados estão direcionando sua atenção para propor uma interpretação mais ou menos “conspiracionista” do evento, segundo a qual o dirigente da operação é seu antagonista, considerado capaz de todas as atitudes nefastas.

E assim, Vladimir Putin e a liderança do governo russo imediatamente apontaram suas suspeitas para a Ucrânia, todos os círculos antiocidentais ao redor do mundo levantaram a hipótese de uma ação da CIA, dos serviços britânicos, do Mossad e similares e, por outro lado, do Ocidente mais alinhado contra Putin, foi proposta, até mesmo pouco veladamente, a ideia de que o ataque foi permitido, ou mesmo engendrado, pelo regime russo para consolidar o consenso em torno da guerra, ou para justificar uma escalada.

No emaranhado de explicações conspiratórias em casos e contextos como esse, torna-se quase impossível se desvencilhar, e é previsível que continuem as tentativas de instrumentalizar de vários lados o gravíssimo episódio por razões de Estado. É por isso que é oportuno se ater aos dados atualmente verificáveis e, a partir deles, tentar oferecer uma interpretação do evento dentro do contexto geral da política internacional atual.

Rede terror ativa

O primeiro fato emergente é que as organizações islâmicas, como o Estado Islâmico, em suas várias articulações locais — por mais que possam estar ligadas ou serem usadas por outros atores nesse caso — certamente ainda estão ativas e são capazes de atacar de forma dolorosa, e que de fato acreditam que podem tirar proveito de uma situação internacional em que os elementos de atrito são inúmeros e profundos para voltar a causar impacto, como conseguiram fazer repetidamente nas últimas décadas por meio de sua rede de terror.

Quer se trate de enfraquecer a Rússia de Putin, rica em minorias muçulmanas e há muito tempo empenhada, em sua política interna e externa, em um jogo muito difícil de equilíbrio com o mundo islâmico, ou de voltar a atacar o coração dos “cruzados” europeus e ocidentais, é evidente que o mundo jihadista acredita que, na atual situação de radicalização do conflito russo-ucraniano e do conflito no Oriente Médio, muitas novas oportunidades lhe são oferecidas para obter o que continua sendo seu principal objetivo: desestabilizar o Oriente Médio, a Ásia Central e o “Norte” do mundo que, de uma forma ou de outra, exerce sua influência sobre estas regiões a fim de ganhar terreno e estabelecer enclaves de poder neste ou naquele território.

O segundo fato, relacionado a esse, mas mais geral, é que as lutas de poder radicais e magmáticas que amadureceram progressivamente no cenário mundial na última década e o nível de tensão generalizada que elas provocaram constituem um cenário em que as oportunidades naturalmente se multiplicam para todos aqueles que desejam jogar mais lenha na fogueira, e cada episódio pode levar a uma escalada conflituosa cuja evolução pode rapidamente sair do controle de governos e diplomacias.

Multipolaridade e antiocidentalismo

O ataque em Moscou deve, antes de mais nada, chamar nossa atenção para o fato de que a atual dialética política e militar mundial, apesar das referências superficiais — já desgastadas por muitos observadores — à Guerra Fria, está a anos-luz de distância do equilíbrio bipolar consolidado e sistemático do longo confronto entre os EUA e a URSS, e, da mesma forma, está muito distante da configuração do período imediatamente posterior à Guerra Fria, no qual a instabilidade em rápida evolução do mundo pós-soviético e os movimentos da primeira fase da globalização foram acompanhados pelo unipolarismo incontestável (pelo menos assim parecia para a maioria) da superpotência americana vitoriosa.

Estamos hoje em um mundo inevitavelmente multipolar, tanto economicamente quanto em termos de poder, sem distinções hierárquicas claras. Além disso, trata-se de uma multipolaridade que não é consolidada nem sistemática, mas sim fluida, sujeita a constantes mudanças e choques, e inervada por choques de civilizações e culturas.

Nela, a pretensão de muitos atores de assumir uma importância regional ou planetária não apenas corroeu a hegemonia do poder americano-ocidental, mas, na verdade, impossibilitou qualquer convergência em torno da ideia de uma suposta “comunidade internacional” mais ou menos inspirada de maneira ampla nos princípios ético-políticos historicamente pertencentes ao Ocidente e favoreceu, ao contrário, uma convergência crescente entre atores também muito diversos e conflitantes do ponto de vista geopolítico e cultural em nome do antiocidentalismo — do qual o conflito russo-ucraniano foi um dos principais catalisadores, e o conflito árabe-israelense foi consciente e brutalmente reativado pelo Hamas e seus patronos (o Irã dos aiatolás) com o mesmo objetivo.

Em tal contexto, no qual parece não haver critérios comumente aceitos de prudência e disciplina nas relações internacionais, a possibilidade de uma reação em cadeia desencadear um conflito de grande escala, em pouco tempo não mais controlável, não é fruto de fantasias catastróficas, mas infelizmente de avaliações realistas.

Diante de uma situação tão problemática e potencialmente explosiva, os governos e as chancelarias ocidentais precisariam, portanto, refletir profunda e radicalmente sobre sua abordagem da política externa. O momento histórico exigiria que se deixassem de lado, nesse contexto, as abordagens moralistas, os tons de cruzada, os apelos à defesa intransigente dos “princípios” ocidentais e a demonização dos adversários, que já se mostraram amplamente contraproducentes, se não catastróficos, nas últimas duas décadas. Isso exigiria uma redefinição ponderada e consciente da política internacional de acordo com o critério do realismo, do equilíbrio de forças e interesses.

Isso exigiria uma estratégia coerente voltada a esfriar as principais frentes opostas e estabelecer as bases para uma evolução do multipolarismo global em um sistema estável, caracterizado por fronteiras e áreas claramente definidas e por uma ideia de segurança tão compartilhada quanto possível entre os participantes de maior peso.

Eugenio Capozzi é professor titular de história contemporânea na Universidade Suor Orsola Benincasa de Nápoles. É codiretor da revista "Ventunesimo Secolo" e editor da revista "Ricerche di Storia politica". É membro do conselho científico da editora Studium.

©2024 La Nuova Bussola Quotidiana. Publicado com permissão. Original em italiano: “Serve un cambio di politica internazionale”.
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