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Enquanto os Estados Unidos surpreendem o mundo com uma retomada econômica consistente e multifacetada, o Brasil permanece à margem da nova dinâmica global, preso a entraves internos, escolhas estratégicas equivocadas e um discurso internacional desconectado da realidade.
No segundo trimestre de 2025, o Departamento do Comércio americano revisou o crescimento anualizado para 3,8%, ante estimativa anterior de 3,3%. Esse desempenho robusto não foi apenas fruto de estímulos pontuais: ele se sustenta em um aumento expressivo do consumo (+2,5%), fortalecimento da demanda por serviços e transportes, e, sobretudo, por uma queda de 42,9% no déficit em conta-corrente.
Para a surpresa de muitos teóricos do caos, que só viam "guerras comerciais" e "protecionismo ineficaz" no horizonte, o déficit caiu de USD 439,8 bilhões, no primeiro trimestre, para US$ 251,3 bilhões, de acordo com dados divulgados pelo Bureau of Economic Analysis. Essa drástica redução representa a maior contração trimestral já registrada, tendo levado o déficit para 3,3% do PIB, contra 5,9% no trimestre anterior.
Ademais, uma queda nas importações de quase 29,3% – cerca de USD 184,5 bilhões –contribuiu diretamente para o crescimento líquido, em contexto no qual o déficit comercial de bens registrou contração histórica de 16,8% em agosto, caindo para USD 85,5 bilhões.
Essa reversão não foi acidental e nem mero resultado direto das tarifas recíprocas implementadas em abril pelo presidente Donald Trump. Ela reflete ganhos de competitividade e da reorganização das cadeias produtivas, com maior incorporação de produção doméstica, aliada a políticas industriais de incentivo ao reshoring. Sim, as mesmas políticas que foram taxadas de "simplórias" ou "populistas" por parte da academia e da imprensa global, agora exibem resultados tangíveis que impactam os céticos. O investimento em ativos intangíveis, como tecnologia e propriedade intelectual, também cresceu, sinal de que as empresas americanas estão mirando longe, apostando em inovação como pilar estrutural.
Mesmo com perdas de empregos na indústria manufatureira (42 mil desde abril), o mercado de trabalho segue forte, com taxa de desemprego abaixo de 4,2% e elevação nos salários reais. A variação mensal dos non-farm payrolls (empregos não agrícolas), por exemplo, demonstra resiliência da criação de empregos em setores essenciais, tendo registrado pico de 228 mil novos empregos em março de 2025 e média mensal de cerca de 151 mil novos empregos, conforme o Bureau of Labor Statistics.
Em julho de 2025, a produção industrial total cresceu 1,4% em relação ao mesmo mês do ano anterior. Nesse cenário, o consumo das famílias e o investimento privado garantem esse leve dinamismo, enquanto o setor de serviços lidera a expansão.
Por sua vez, os investimentos externos diretos (IED) nos Estados Unidos têm desempenhado um papel relevante na sustentação da expansão econômica, alimentando indústria, inovação e capacidade produtiva. O país concentra, atualmente, cerca de USD 5,71 trilhões em investimento estrangeiro direto em seu território, um salto de USD 332,1 bilhões em relação a 2023.
Grandes empresas globais têm transferido fábricas e centros de produção para os EUA para fugir de riscos geopolíticos e imposições tarifárias, reduzir dependência da China e aproveitar incentivos locais, em conjuntura na qual o ambiente regulatório estável, a segurança jurídica, a infraestrutura avançada e o acesso ao maior mercado consumidor do mundo continuam a posicionar os EUA como o maior destino mundial de IEDs.
Esse novo ciclo de recuperação americana, que presumo sustentável, tem profundas implicações para países exportadores, especialmente os que, como o Brasil, não conseguiram inserir-se eficientemente nas cadeias globais de valor. Os dados apresentados fortalecem o argumento de que estamos diante de uma retomada americana multivetorial, não apenas impulsionada por consumo, mas com correção externa (déficit) e investimentos tecnológicos, os quais geram efeitos estruturais que tensionam ainda mais a vulnerabilidade brasileira.
O Brasil, hoje, responde por apenas 1,3% da corrente de comércio mundial, o que mostra um país ainda muito fechado e sem acesso aos fluxos internacionais. Suas exportações seguem excessivamente concentradas em commodities, com baixa densidade tecnológica e pouca agregação de valor.
Diferente de países como México, Coreia do Sul, Índia e Turquia, que aumentaram drasticamente sua participação na indústria global ao longo das últimas duas décadas, como já explicado em artigo publicado aqui nesta Gazeta, o Brasil ficou estagnado, preso a um modelo exportador primário.
Em vez de aproveitar o dinamismo americano para atrair investimentos ou aprofundar vínculos comerciais, o governo brasileiro tem optado por uma diplomacia ideológica e seletiva. O recente “tarifaço” aplicado pelos EUA sobre produtos brasileiros com alíquotas de até 50%, ainda que motivado por questões de natureza política, é uma resposta direta a esse distanciamento, agravando o isolamento do Brasil em um momento em que o sistema internacional passa por forte reorganização.
Nesse cenário, o Brasil enfrenta uma tempestade estratégica. Por um lado, com o tarifaço e a incapacidade do presidente Lula em negociar com sua contraparte americana, parte significativa das vendas aos EUA perde competitividade ou desaparece. Por outro, empresas globais têm preferido se instalar ou expandir suas operações nos EUA, em vez de buscar o Brasil como alternativa, dada a imprevisibilidade institucional, a insegurança jurídica, o quadro regulatório instável e a deterioração nas contas públicas brasileiras, dentre tantos outros motivos.
Enquanto os EUA ampliam sua influência econômica por meio de crescimento sustentável, fortalecimento interno e reinserção industrial, o Brasil insiste em uma retórica anacrônica de antagonismo e “autonomia estratégica” mal compreendida. A política externa brasileira ignora as oportunidades comerciais e diplomáticas que poderiam fortalecer sua posição no novo tabuleiro global.
A recuperação dos EUA não é apenas um retorno aos níveis pré‑crise. É uma reorientação estratégica: consumo, ajuste externo, investimento tecnológico e capital estrangeiro se combinam para gerar um novo patamar de poder econômico. Isso emite um sinal claro: o mundo não vai esperar pelo Brasil, que ainda navega entre ambições diplomáticas quixotescas e uma realidade produtiva fragilizada.
A negligência com a reindustrialização, a incapacidade de atrair investimentos produtivos, e a persistência em alianças ideológicas com regimes autoritários, cobram um preço elevado, expresso em perda de competitividade, estagnação de renda e perda de protagonismo.
Para evitar ficar irrelevante, o Brasil precisa mais do que protestar: precisa reindustrializar-se, captar investimentos estratégicos, construir previsibilidade institucional, segurança jurídicas e modernizar seus mecanismos e métodos de negociação comercial, com base em um ora inexistente projeto de país. No novo jogo global, quem não converte discurso em vantagem costuma virar peça dispensável.
Se quiser se reposicionar no cenário internacional, o Brasil precisa abandonar a retórica vazia, enfrentar seus gargalos internos e adotar uma política externa pragmática e proativa, despida de discursos de ódio, de políticas de confronto e de bravatas. O mundo está mudando, e rápido. E quem não se adapta, fica para trás, irrelevante, isolado e mais pobre.
O veredito é implacável e o eco das oportunidades perdidas, ensurdecedor. Enquanto o mundo reajusta suas bússolas para a prosperidade do século XXI, o Brasil, sob uma liderança que confunde diplomacia com palanque e "autonomia estratégica" com isolamento, teima em permanecer acorrentado a uma retórica ideológica que se choca brutalmente com a dura realidade econômica.
A ilusão de um "Sul Global" robusto e independente se esvai diante da ineficácia de suas políticas e da incapacidade de atrair investimentos reais. Não é o mundo que está deixando o Brasil para trás; é o próprio Brasil que, por escolhas míopes e um discurso anacrônico, está se autoexcluindo do banquete da nova ordem econômica.
O véu da ilusão está se rasgando, não por acaso, mas por deliberação. O preço da encenação e da percepção distorcida da realidade já está sendo pago, e ele é a erosão silenciosa de um futuro que, por pura obstinação ideológica, se esvai em irrelevância e um empobrecimento que não perdoa erros. A história não perdoará a cegueira de quem trocou o pragmatismo por bandeiras puídas e de retorno quimérico.
Marcos Degaut é doutor em Segurança Internacional, pesquisador sênior na University of Central Florida (EUA), ex-secretário especial adjunto de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, ex-secretário de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa e ex-secretário executivo da Câmara de Comércio Exterior do Brasil (CAMEX).



