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Imagem da série Grey’s Anatomy | VIVIAN ZINK/
© 2007 American Broadcasting Com
Imagem da série Grey’s Anatomy| Foto: VIVIAN ZINK/ © 2007 American Broadcasting Com

As perguntas para a atriz Connie Britton começaram a ser feitas no corredor do teatro do Museu Nacional de História Natural, onde a estrela de Nashville e Friday Night Lights se apresentava em um evento da Associação Smithsonian. Era janeiro, apenas 10 dias depois do presidente Donald Trump ter assumido. Sarah Leavitt, de Silver Spring, Maryland, se aproximou do microfone: "Eu quero apenas um conselho essa noite". 

Leavitt, 46, explicou como se sentia sobrecarregada pela quantidade de notícias desde o começo do governo Trump, incluindo o volume de oportunidades de ativismo, como ligar para representantes e participar da Marcha das Mulheres. Alguns dias antes, ela cancelou planos de ver "Dirty Dancing" no cinema com amigas – não achou certo se divertir na mesma noite que várias pessoas protestavam em aeroportos contra a proibição da entrada de muçulmanos no país. 

"Eu não consigo entender como falar sobre cultura pop e como ser um cidadão ao mesmo tempo nesse mundo em que estamos", disse Leavitt. "E estava me perguntando, como você separa seu tempo, e acha que devemos separar o nosso tempo nessa nova situação?" 

Britton respondeu: "Eu tenho me perguntado a mesma coisa… acho que estamos todos descobrindo isso ainda". 

Seis meses depois, em Washington D.C., as notícias se polarizaram, com manchetes constantes sobre a saúde pública e sobre os emails de Donald Trump Jr. O ativismo político está vivo principalmente em áreas liberais como Washington, uma cidade na qual um terço da população já protestou contra Trump, de acordo com uma pesquisa do Washington Post

alguns ainda lutam contra a ideia de que é aceitável se afastar. Assistir uma série, um filme. Ouvir um podcast. Lá no fundo, é fácil sentir que é errado prestar atenção em qualquer assunto que não for sério. 

Batatas

Depois da resposta de Britton, a moderadora do bate-papo, a escritora e apresentadora Linda Holmes, tinha uma metáfora para compartilhar: 

"Você já viu o filme 'Perdido em Marte', com Matt Damon? Tem algo muito sério que ele precisa resolver, que é estar preso em Marte e querer voltar para a Terra. E eles passam boa parte do filme mostrando que ele tem que achar um jeito de plantar batatas em Marte. As batatas não fazem com que ele volte para a Terra. Ele não está resolvendo o problema. Mas, se ele não tiver batatas, ele não viverá o suficiente para conseguir resolver o problema maior e voltar para a Terra". 

Ela continuou: 

"Então, para mim, a esperança é que as músicas, os livros, os programas de TV, as conversas com pessoas que são importantes para você te ajudem – como se fossem as suas batatas… temos essas coisas para conseguir viver e voltar para a Terra". 

Julgando pelo aplauso da audiência, as palavras de Holmes acertaram em cheio, ainda mais no dia seguinte, quando postei no Twitter uma das frases dela, que foi replicada e respondida várias vezes, com sentimentos como "isso me fez chorar" e "eu realmente precisava ouvir isso agora". 

"Para mim, essa metáfora transformou uma ideia complexa em uma simples", disse Mike Nothnagel, 42, de Poughhkeepsie, Nova York. "O mundo é um lugar desafiador e sério, mas as coisas das quais você gosta podem te ajudar a navegá-lo". 

Nicola Hassapis, 28, de Boston, disse que se relacionou com a metáfora porque ela está tentando conciliar a necessidade de uma pausa mental – ficar de fora de um protesto, fechar o Twitter – com um sentimento de culpa por ficar de fora das notícias. A frase de Holmes, para ela, "pareceu uma validação da ideia de que consumir cultura pop não é algo vergonhoso que fazemos ao invés de focar em outro lugar". 

"Eu acho que é algo que as pessoas precisam ouvir na era que temos notícias 24 horas, particularmente quando nossas ansiedades relacionadas ao novo governo são tão altas", acrescentou Hassapis. "Ser uma ativista não exige estar conectado o tempo todo, apesar das pressões internas e externas para se acreditar no contrário". 

Quando políticos parecem ter tomado conta da cultura, o instinto é que tudo – inclusive o entretenimento – tenha um ângulo político. A televisão aberta já tem pilotos dos programas para o outono, que vão se relacionar com a "América de Trump". Programas como "Saturday Night Live" e "The Late Show With Stephen Colbert" estão batendo recordes quando criticam o governo. Katy Perry tentou ser acordada. 

Conflito de interesses

Mas muitos pedem o escapismo mais do que nunca. Mesmo que, como Hassapis implica, alguns tenham a preocupação de serem julgados se admitirem que perderam uma notícia importante para fazer a maratona de uma série ou reler um dos livros de Harry Potter pela décima vez. 

É um enigma que existe há séculos. Paul Levinson, um autor e professor de comunicação e teoria midiática na Universidade Fordham, diz que esse questionamento já existia na época de Platão, que criticava a música e poesia por acreditar que distraiam a sociedade de coisas mais importantes. 

Mas muitos outros argumentam o contrário: para sermos completamente eficazes como seres humanos, entretenimento é importante, ou estaremos apenas ruminando os problemas do mundo e jogando nossas mentes em espirais descendentes. 

Ao mesmo tempo, diz Levinson, ele não quer diminuir as atividades de lazer para o único valor de preparar as pessoas para assuntos mais sérios. 

"Quando as pessoas dizem, 'Por que você fica assistindo isso quando existe uma crise real?' não há um conflito entre os interesses", explica Levinson. 

Além disso, especialistas enfatizam a importância de deixar a mente descansar. Mark Reinecke, psicólogo chefe do Hospital Northwestern Memorial, recomenda não só procurar formas de entretenimento que tragam alegria, mas também fazer coisas que dão um sentimento de dever cumprido. 

"Se você senta e fica pensando nos problemas do mundo, o seu humor vai piorar, você vai se sentir terrível e sobrecarregado. Sua mente não estará bem", afirma Reinecke. 

Kathy Doyle Thomas, vice presidente executiva e chefe de estratégia na empresa de Dallas Half Price Books, diz que além dos romances serem um escape, ela também vê um crescimento na procura por livros que inspiram os leitores – sobre pessoas que fazem um bom trabalho, ou que se envolveram com a comunidade. Mas se os leitores se interessam mais por "Cinquenta tons de cinza", ela também fica feliz. 

"Nós precisamos de cultura pop. Precisamos de 'The Bachelor'. Precisamos das coisas novas, o novo programa famoso", disse Thomas. "O país está separado agora. Existem pessoas em lados opostos, então a cultura se torna um lugar agradável para as pessoas conversarem sobre coisas. Por isso que a cultura pop é importante".

Risadas

Às vezes, a cultura pop oferece o oposto de um escape. 

A adaptação da Hulu do livro de 1985 de Margaret Atwood, "O Conto da Aia", sobre um futuro distópico em que mulheres não têm direitos, foi lançada em abril; ela recentemente recebeu 13 nominações para o Emmy, incluindo melhor série dramática. 

No começo do verão, manifestantes chegaram na Capitol Hill usando o figurino típico da série para protestar contra uma reforma no sistema de saúde que tiraria fundos da saúde das mulheres. 

Deirdre Costelllo, 34, disse que assistiu três episódios da série antes de parar. 

"O livro sempre foi assustador para mim, mas por causa do clima político, o programa ficou muito parecido com a realidade", ela disse. "Eu passei mais tempo me escondendo atrás do cobertor do que realmente assistindo o programa, e percebi que não conseguia mais". 

Costello, que vive na região metropolitana de Boston, disse que os três meses entre a eleição e o começo do novo governo a deixaram exausta: "eu comecei a levar a sério narrativas de auto-ajuda". Costello e o marido ainda são politicamente envolvidos – e não conseguem parar de ler notícias no celular enquanto assistem TV – mas se esforçam em escolher alguns programas com humor, como Glow ou Orange is The New Black, ambas da Netflix. 

"Eu preciso do tempo", ela disse. "Preciso das risadas". 

É um sentimento comum – por isso que muitos se identificaram com a metáfora de Holmes, necessitando de uma afirmação que é aceitável, e necessário, se desligar do mundo para não se sobrecarregar. Fazer uma pausa de eventos atuais não quer dizer que você não está prestando atenção. 

"Sabemos que esse é o tipo de pensamento extremo que não é realista ou sustentável – humanos não são máquinas – mas nos deixamos levar mesmo assim. E não só nos deixamos levar por isso, mas julgamos as outras pessoas por isso", disse Hassapis. 

"Existem muitas coisas com as quais devemos nos preocupar, mas usar 45 minutos para assistir um episódio de Grey's Anatomy na Netflix não deveria ser uma delas".

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