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"Mercado de previsões"

Por que a empresa da brasileira bilionária mais jovem do mundo virou alvo da Justiça dos EUA

Luana Lopes Lara e Tarek Mansour, fundadores da Kalshi: empresa é acusada de operar apostas ilegais e cometer práticas enganosas
Luana Lopes Lara e Tarek Mansour, fundadores da Kalshi: empresa é acusada de operar apostas ilegais e cometer práticas enganosas (Foto: Divulgação/Kalshi.com)

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Ela roubou da popstar Taylor Swift o título de mulher mais jovem do planeta a ficar bilionária por conta própria — sem herança, apenas com a empresa que fundou. Este feito, por si só, já fez crescer o interesse pela brasileira Luana Lopes Lara, de 29 anos, e sua intrigante história de vida.

Sua trajetória, celebrada pela imprensa nacional nos últimos dias, é realmente digna de um filme. Bailarina do Bolshoi que virou cientista da computação, Luana cofundou nos EUA a Kalshi, uma plataforma onde as pessoas apostam em eleições, no clima e em outros eventos futuros como se fossem ações na bolsa.

Após a última rodada de investimentos, a startup foi avaliada em US$ 11 bilhões (R$ 59 bilhões). Dona de 12% da empresa, a brasileira possui uma fortuna de US$ 1,3 bilhão (R$ 7 bilhões), segundo a revista Forbes.

Mas a Kalshi também enfrenta processos na Justiça americana que a acusam de operar apostas ilegais e cometer práticas enganosas — uma controvérsia que ganhou ainda mais repercussão por ocorrer em pleno ano eleitoral nos Estados Unidos.

Prever para ganhar

Nascida em Belo Horizonte, filha de um engenheiro e de uma professora, Luana Lopes Lara mostrou desde cedo um interesse pelas ciências exatas. Estimulada pelos pais, participou de olimpíadas estudantis e chegou a conquistar medalhas em Matemática e Astronomia.

Ainda adolescente, ela ingressou na Escola do Teatro Bolshoi em Joinville (SC), onde recebeu uma das formações de balé mais rigorosas do mundo. Após concluir os estudos, atuou como bailarina profissional por cerca de nove meses em uma companhia na Áustria. 

Aos 18 anos, em 2014, Luana encerrou a carreira na dança e direcionou seus esforços para a área acadêmica nos EUA. Aprovada nas universidades de Harvard e Princeton, acabou optando pelo MIT (o Instituto de Tecnologia de Massachusetts, referência em inovação) e se formou em Ciência da Computação e Matemática.

Durante a graduação, a brasileira estagiou em grandes instituições do mercado financeiro. Em Wall Street, percebeu a lógica que moldaria a ideia de seu negócio bilionário: previsões são essenciais para decisões de investimento, gestão de riscos e políticas econômicas.

“Mercados preditivos”

Em 2018, Luana Lopes Lara e Tarek Mansour, um colega do MIT, viram uma lacuna no mercado de ações. Não existia, de forma acessível ou regulamentada, um mecanismo que permitisse aos investidores se proteger de eventos específicos — ou lucrar com eles — como eleições, decisões de juros ou fenômenos climáticos.

E assim os dois criaram a Kalshi, uma startup de “mercados preditivos”.

Para entender o funcionamento da plataforma, pense nela como uma bolsa onde, em vez de comprar ações de empresas, você compra contratos sobre acontecimentos futuros. Eles pagam US$ 1 se o evento ocorrer — e nada se não ocorrer.

Em vez de especular sobre o preço do café ou do petróleo, você negocia perguntas objetivas, como “vai chover mais do que a média nacional no próximo mês?” ou “o número de furacões neste ano vai ultrapassar a média histórica?”.

Se você acredita que o evento vai acontecer, compra o contrato; se acha que não, vende. Dependendo da sua aposta e do preço pago, pode ganhar alguns centavos por contrato — ou perder o que investiu.

“Sabedoria coletiva”

A Kalshi diz que não aposta contra os próprios usuários, apenas funciona como uma intermediária: cria os mercados, define as regras e cobra uma taxa por operação, enquanto as apostas ocorrem entre os participantes da plataforma.

Os preços dos contratos variam conforme novas informações aparecem — como mudanças nas previsões do tempo — e o usuário pode comprar ou vender esses contratos até a data em que o evento é decidido.

A Kalshi garante que essas previsões ajudam pessoas e empresas a tomar decisões e a proteger seus investimentos. A tese central da companhia é que a “sabedoria coletiva” expressa pelo dinheiro apostado pode se transformar em um indicador financeiro útil para o mercado como um todo.

Críticos, porém, contestam a ideia de que essa “sabedoria coletiva” produz um indicador confiável — e afirmam que, na prática, são apostas travestidas de produto financeiro.

Perigo para a democracia

Apesar do sucesso e da atenção que atraiu no Brasil, a Kalshi passa por um momento de grande pressão por parte das autoridades dos EUA. A empresa enfrenta ao menos oito processos movidos por estados que afirmam que a plataforma opera como uma casa de apostas.

A questão é simples: a Kalshi se define como uma empresa de tecnologia financeira, mas promotores estaduais e alguns órgãos reguladores a veem como uma operadora de jogos tentando escapar das leis tradicionais de apostas.

A maior polêmica envolve os chamados “mercados eleitorais”, em que as pessoas podem apostar no resultado de eleições como se fossem contratos de qualquer outro tipo.

A partir de 2023, a CFTC (Commodity Futures Trading Commission, órgão que fiscaliza esse tipo de negociação nos EUA) tentou impedir que a Kalshi lançasse contratos ligados a eleições. Para a comissão reguladora, esses produtos se assemelham a jogos de azar e podem abrir brechas para influenciar o processo democrático.

Ou seja, há o receio de que grandes apostadores manipulem a percepção pública — ou até tentem influenciar as próprias campanhas — para ganhar dinheiro com o resultado das urnas.

Longe de acabar

A empresa contestou essa decisão na Justiça federal e venceu: uma corte entendeu que a CFTC não tinha base legal suficiente para barrar esse tipo de contrato.

Mesmo assim, a disputa não terminou. A liberação vale em nível federal, mas vários estados seguem tentando restringir ou bloquear a operação, já que cada um tem regras próprias sobre apostas.

Os problemas da Kalshi, no entanto, não se limitam à política. A startup também passou a ser questionada por autoridades estaduais por causa dos contratos ligados a resultados esportivos.

A empresa alega que esses produtos são apenas outro tipo de “contrato de evento”, mas órgãos reguladores de estados como Nevada, Massachusetts e Nova York afirmam que eles equivalem a apostas esportivas (e por isso exigem licenças locais que a Kalshi não possui).

Entre processos, fiscalizações e disputas legais, a pressão sobre a brasileira Luana Lopes Lara e sua empresa bilionária está longe de acabar — e deve definir se o mercado de previsões, de fato, terá futuro.

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Conteúdo editado por: Omar Godoy

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