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Depois dos resultados chocantes do Brexit e de Trump, o historiador Niall Ferguson fez uma previsão ousada. “Não erre: 2016 nunca vai acontecer novamente”, ele escreveu. O Vale do Silício foi culpado pela centro-esquerda pelos seus infortúnios eleitorais. Foram esses sites que permitiram a disseminação das fake news, ou foram vulneráveis à manipulação estrangeira, argumentaram os progressistas. E as grandes companhias tinham motivos convincentes para atender essas reclamações. Em primeiro lugar, queriam manter a lealdade de consumidores jovens; em segundo lugar, queriam diminuir as chances de regulamentações adicionais. 

A resposta dessas empresas não foi fazer algo quanto aos hackers russos, mas sim começar a retirar o poder de vozes conservadoras que usam essas plataformas. Logo, alguns YouTubers conservadores assistiram o Google tirar a possibilidade de monetização de seus vídeos sem poder fazer nada. O Facebook contratou uma multidão de checadores de dados de veículos progressistas de mídia para controlar a disseminação de notícias virais. 

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E, ao que tudo indica, as grandes empresas de tecnologia resolveram criar uma barreira de informação ao redor da Irlanda, país onde muitos deles têm seus escritórios europeus pelas vantagens fiscais disponíveis. 

A Irlanda marcou um referendo para o dia 25 de maio para rever a Oitava Emenda da constituição do país, que proíbe o aborto. O lado que pede a revogação da lei e a legalização do aborto teve uma liderança considerável nas pesquisas iniciais, mas a diferença está diminuindo. 

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Nas últimas semanas, um dos colunistas pró-aborto da Irlanda começou a atiçar as companhias de tecnologia, afirmando que a campanha pró-vida “será modelada pelas mesmas pessoas que ajudaram na vitória de Donald Trump e do Brexit” e que ela vai se utilizar da disseminação de “fake news” pelas mídias sociais para fazer isso. A coluna e vários comentários sobre o tema se transformaram num alerta: se o referendo irlandês for vencido por conservadores, as empresas de tecnologia seriam as culpadas. 

O Vale do Silício respondeu. 

Na manhã do dia 09 de maio o Facebook e o Google anunciaram políticas que restringem a publicidade sobre a consulta pública da Oitava Emenda. Primeiro o Facebook anunciou que estava agindo contra entidades estrangeiras, muitas localizadas nos EUA, que criaram anúncios pró-vida nas redes sociais irlandesas. O chefe da campanha Save the Eighth (Salve a Oitava), John McGuirk, disse que essa medida não afeta a estratégia do grupo e “que deve pôr um fim no foco implacável da mídia nos 0,2% de anúncios comprados em outros países pelos dois grupos”. 

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Porém, o principal repórter político do jornal Irish Times acredita que a medida do Facebook beneficia o lado que busca a revogação da lei: 

A medida do Facebook de não mais aceitar anúncios estrangeiros sobre o referendo da Oitava Emenda é uma notícia bem-vinda para algumas pessoas do lado “Yes” (Sim) da campanha. 

Houve uma preocupação crescente entre alguns grupos favoráveis à revogação e seus apoiadores de que o referendo poderia pender em suas últimas semanas para o “No” (Não) por conta de uma avalanche de anúncios online. 

A medida do Facebook provavelmente está relacionada a esse receio: e a um receio de que se o referendo fosse derrubado, a companhia teria que enfrentar questões sobre seu papel na influência de votos, assim como teve que fazer nos EUA e no Reino Unido. 

Na última quinzena, houve um sentimento crescente de pessimismo em alguns escritórios da campanha pela revogação de que a campanha estava se afastando deles. Ontem, o defensor da transparência Gavin Sheridan twittou que, naquele momento, acreditava que o “No” ganharia a campanha porque seus gastos online estavam superando os gastos da campanha “Yes”. 

 

A ação do Facebook parece apressada considerando-se que a única campanha que aparentemente tem um problema significativo com financiamento internacional é uma que apoia a possibilidade de escolha. Por conta de regulamentações irlandesas, a Amnesty Ireland foi condenada a devolver doações ilegais recebidas da Open Society Foundation, fundação criada por George Soros. A instituição se recusou a fazer a devolução. 

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Mas o Google foi mais longe e anunciou uma proibição geral de todos os anúncios, estrangeiros ou domésticos, sobre a questão do referendo. A decisão do Google pode até parecer neutra mas o lado que pede a reavaliação da emenda já tem um grande apoio dos maiores veículos de imprensa da Irlanda, enquanto muitas das campanhas que querem manter a Oitava Emenda dependem mais das mídias sociais. Certamente as reações dos grupos que lideram as duas campanhas não podiam ser mais diferentes. 

Ailbhe Smyth, co-diretor da principal campanha que quer extinguir a Oitava Emenda e legalizar o aborto, elogiou a medida do Google, dizendo que ela “cria um nível de igualdade entre os lados, principalmente em relação às buscas no YouTube e no Google”. Já McGuirk, da campanha Save the Eighth, organizou imediatamente uma coletiva de imprensa e afirmou que a política do Google equivale a uma tentativa de fraudar o referendo. 

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Uma das dinâmicas ocultas da controvérsia sobre as mídias sociais e eleições é que, desde os anos em que Barack Obama fez o primeiro uso efetivo das redes sociais, a idade média do usuário do Facebook aumentou constantemente. O Facebook é agora um produto usado por outras pessoas, enquanto os jovens migraram para produtos mais jovens, como o Snapchat. O impacto político de companhias de mídias sociais para pessoas mais velhas sempre iria refletir uma constituição mais tradicional. 

As decisões do Vale do Silício são extremamente sérias para todos os ativistas e editores conservadores que têm investido no uso desses produtos por anos. Se essas empresas sentem que precisam apaziguar as críticas de centro-esquerda desarmando antecipadamente o movimento pró-vida irlandês, quem eles vão tentar silenciar, ou até estrangular, da próxima vez?

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