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Foto publicada em perfil de milicianos no X: armas e ameaças.
Foto publicada em perfil de milicianos no X: armas e ameaças.| Foto: Reprodução/X

O Judiciário brasileiro tem sido implacável com suspeitos de propagar mensagens de “ódio” ou “desinformação” nas redes sociais — embora ódio e desinformação não sejam crimes e as decisões do Judiciário pareçam se basear em evidências frágeis.

Ao que tudo indica, facções criminosas não recebem a mesma atenção.

A Gazeta do Povo identificou dezenas de perfis mantidos por grupos criminosos na rede social X. Alguns deles têm mais de 100 mil seguidores. As páginas são usadas para vender drogas, ostentar armas de grosso calibre e ameaçar rivais. E, aparentemente, não precisam se preocupar com a censura da Justiça.

Bocas de fumo do Comando Vermelho divulgam “produtos”

No X, uma página de 140 mil seguidores, criada em 2018, divulga bocas de fumo mantidas pelo Comando Vermelho em favelas do Rio de Janeiro.

A informação chega quase em tempo real, e é acompanhada de fotos e vídeos das drogas — quase sempre, embaladas com a marca “CV”, de Comando Vermelho. Quando a droga "cai" (chega no ponto de venda), o perfil se encarrega da divulgação.

Por exemplo: em 5 de maio, a página anunciou a chegada de drogas em uma boca de fumo no Morro do Juramento: “Domingão acaba de cair nesse exato momento produto novos no juramentinho trabalho novo nesse exato momento ao vivo”. A publicação teve 517 curtidas e 77 mil visualizações no X.

No vídeo e nas fotos, é possível ver que a embalagem das drogas é identificada pelas iniciais do Comando Vermelho.

Divulgação de boca de fumo na rede social X: ferramenta do Comando Vermelho.
Divulgação de boca de fumo na rede social X: ferramenta do Comando Vermelho.| Reprodução/X

O mesmo perfil também divulga outros tipos de droga, como skunk (versão superconcentrada da maconha), haxixe, lança-perfume e LSD. Pelo menos dez bocas de fumo diferentes anunciam seus negócios ilícitos na página.

"Anúncio" de boca de fumo no X também inclui LSD e skunk.
"Anúncio" de boca de fumo no X também inclui LSD e skunk.| Reprodução/X

Armas pesadas e ameaças

Além de vender drogas, grupos criminosos usam o X para ameaçar grupos rivais, ostentar armas de grosso calibre e mandar recados aos moradores das favelas sob seu comando.

Com mais de 50 mil seguidores, uma das páginas (cujo perfil tem uma bandeira vermelha, símbolo do Comando Vermelho) exibe mensagens de apoio à facção criminosa.

"Sextou, dia de mater meleca", publicou um dos perfis, em referência aos milicianos. A mensagem é de 12 de abril e teve mais de 21 mil visualizações.

Como cada comunidade costuma ter o seu baile funk "oficial", patrocinado pelo comando do tráfico local, muitos perfis no X misturam a divulgação dos bailes com a apologia às facções criminosas.

O uso do X pelas facções do Rio de Janeiro não começou agora. Em 2022, um perfil de uma das comunidades alertou: "Está proibido a entrada de veículos com vidros fechados, e sem alerta ligado! Pedimos a compreensão para a segurança de todos". A mensagem foi marcada com a bandeira vermelha.

Em 2021, a Gazeta do Povo mostrou que, enquanto bania usuários da plataforma por "discurso de ódio", o comando da rede social (ainda com o nome de Twitter) não parecia empenhado em impedir o uso da rede por facções criminosas.

De lá para cá, a rede social foi comprada pelo bilionário Elon Musk com a promessa de garantir a liberdade de expressão, e o Judiciário brasileiro passou a determinar, com frequência cada vez maior, a remoção de "fake news" e "ataques às instituições".

Mais recentemente, até críticas ao governo passaram ser tratadas como ilegais. Na última semana, o Ministério da Justiça determinou a abertura de um inquérito da Polícia Federal para investigar a divulgação de "fake news" sobre a tragédia das chuvas no Rio Grande do Sul. O material citado para embasar o pedido inclui meras críticas à atuação do governo federal durante as enchentes.

Milícia também atua no X

O Comando Vermelho não é o único grupo criminoso a usar o X como plataforma. Milicianos do Rio de Janeiro também encontraram na rede social uma ferramenta para ameaçar grupos rivais e exibir seu poder bélico.

Um dos perfis exalta o miliciano Wellington da Silva Braga, o Ecko, morto pela Polícia Civil em 2021. Os membros do grupo divulgam suas armas no X e mandam recados a rivais.

Milicianos também usam o X para fazer ameaças.
Milicianos também usam o X para fazer ameaças.| Reprodução/X

Os milicianos narram em detalhes conflito com outros grupos criminosos. Um das "guerras" em andamento acontece em Seropédica, no interior do Rio de Janeiro. Em 2 de maio, um perfil ligado à milícia conhecida como "Tropa do CL" enviou um alerta aos moradores da região: "Muito cuidado ao ficar passando informações de onde estamos para o TCP pessoal do Zinho ou do Chica".

Perfil na rede social X intimida moradores de comunidade em meio a conflito entre grupos criminosos.
Perfil na rede social X intimida moradores de comunidade em meio a conflito entre grupos criminosos.| Reprodução/X

Além do Comando Vermelho, três diferentes grupos de miliciano disputam o controle da região de Seropédica. Os "soldados" de uma dela também se apresentam, com armas em punho, em imagens publicadas na rede social.

Perfil de miliciano na rede social X: armas em punho.
Perfil de miliciano na rede social X: armas em punho.| Reprodução/X

Polícia se beneficia do exibicionismo

Ex-comandante do Bope, o coronel Mário Sérgio Duarte diz à Gazeta do Povo que é preciso traçar uma distinção entre a Polícia Federal e as polícias estaduais (Civil e Militar). Para ele, as críticas feitas à politização da PF têm algum fundamento.

"Este aparente desinteresse sobre as redes sociais do narcotráfico não ocorre no sistema de justiça criminal dos Estados. E, como não temos notícias do trabalho que a Polícia Federal faz contra o tráfico, investigando as redes sociais para alcançá-los, concluímos que suas investigações dão absoluta preferência àquilo que tem conteúdo político", diz.

Duarte que os investigadores da Polícia Civil acabam se beneficiando do exibicionismo dos criminosos fluminenses. "Na verdade, as investigações que têm conduzido esses criminosos à cadeia são decorrentes justamente da atuação desses meliantes nas redes sociais", ele explica. "As mídias sociais são uma grande fonte de vulnerabilidade do criminoso, principalmente o mais jovem", acrescenta.

A reportagem procurou a Polícia Civil do Rio de Janeiro, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, a Polícia Federal e a assessoria de imprensa do X, mas ainda não obteve resposta.

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